Fonte: Valor Online
Antes de assumir a presidência da Scania no Brasil e América Latina, há um ano, o paulistano Christopher Podgorski viveu cinco anos em Södertälje, na Suécia, onde fica a matriz da montadora de caminhões pesados e ônibus. O que motivou um treinamento tão caprichado foi o momento de transformação da companhia. De olho no caminhão do futuro, a Scania decidiu deixar toda a linha de produtos preparada para não depender mais de combustíveis fósseis. Cada modelo vendido em qualquer parte do mundo poderá funcionar com diferentes tipos de energias renováveis, com biodiesel, bioetanol, gás biometano (produzido a partir de dejetos) ou eletricidade. E estará também preparado para, no futuro, funcionar de forma autônoma, sem a intervenção do motorista. A renovação acaba de ser concluída na Europa e agora e a vez do Brasil.
O projeto, que na Europa consumiu € 2 bilhões, foi definido a partir do acordo de Paris sobre as alterações climáticas. O Brasil foi escolhido como a próxima etapa dessa renovação por ter a maior fábrica fora da Europa e única fora da matriz que produz os veículos em todas as suas fases. A subsidiária brasileira também precisa ajustar-se imediatamente à mudança porque 70% da sua produção é exportada, para diferentes continentes.
O investimento no Brasil, que somará R$ 2,6 bilhões no período entre 2016 e 2020, envolve desde reformas estruturais até uma completa modernização da cabine de pintura, que terá 76 robôs. Segundo Podgorski, R$ 1,5 bilhão so plano de investimentos serão concluídos até o fim deste ano.
As mudanças implementadas pela fábrica construída em São Bernardo do Campo (SP) há 56 anos revelam que, assim como novos hábitos marcam uma mudança de conceito no transporte em automóvel, também os caminhos começam a entrar numa nova era.
O antigo salão do último andar do prédio, há anos usado para receber visitantes especiais para o almoço, servirá, agora, para receber o cliente em reuniões personalizadas, que definirão o tipo de energia que mais lhe convém. "A sustentabilidade não tem volta. Mas não existe uma bala de prata assim como também não precisamos esperar a eletrificação fazer sentido para começar a agir. A solução elétrica não compete com bioetanol ou gás. Podemos ter veículos preparados para tudo. Esse é o encanto da produção global", afirma.
Aos 60 anos de idade e há 21 anos na empresa, Podgorski é o primeiro brasileiro na presidência da operação local desde que a Scania instalou-se no bairro do Ipiranga, em São Paulo, em 1957, surgindo como uma das pioneiras da história da indústria automobilística no Brasil.
"A sustentabilidade não tem volta, mas não precisamos esperar a eletrificação fazer sentido", diz Podgorski
Filho de um polonês e uma inglesa, o executivo formou-se em administração de empresas na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap) e iniciou carreira na Caterpillar, fabricante americana de máquinas e equipamentos para construção. A Scania foi seu segundo emprego. Ali, ao longo dos anos, atuou em diversas funções da área de vendas para vários mercados da América Latina. Nos cinco anos na matriz, como vice-presidente de vendas e marketing, foi o responsável pelo lançamento da nova geração de caminhões no mercado europeu.
Graças à grande parcela da produção destinada à exportação, durante a recente e profunda crise que atingiu toda a indústria de caminhões, a operação brasileira da Scania conseguiu manter uma posição mais confortável que alguns dos concorrentes. O mercado da Rússia, principal destino, tem se destacado, segundo o relatório financeiro da companhia, divulgado ontem. Com receita líquida equivalente a € 6,34 bilhões no primeiro semestre, 1% mais do que nos primeiros seis meses de 2017, o lucro líquido cresceu 1,7%, com € 486 milhões.
As vendas líquidas na Europa somaram € 3,9 bilhões e representaram 64% das vendas totais. A região América, que corresponde principalmente às operações na América Latina, dominada pelo Brasil, destaca-se na segunda posição. Segundo o documento, as vendas líquidas na região alcançaram € 724 milhões, o que equivale a 11,76% das vendas totais (€ 6,15 bilhões). A força das exportações compensa a participação mais modesta no mercado brasileiro de veículos pesados, no qual a Scania ocupa terceira posição.
Em 2017, no pico da ociosidade na maior parte das fábricas de caminhões, a Scania abriu 800 empregos. Todos os 4,3 funcionários pararam o trabalho ontem por uma hora e meia e foram para o pátio celebrar a nova geração de veículos, que começará a ser produzida em outubro, com início de vendas estimado para fevereiro.
No último relatório de sustentabilidade, a direção mundial da Scania assumiu o compromisso de reduzir pela metade suas pegadas de carbono até 2025. Para o diretor de vendas no Brasil, Silvio Munhoz, o novo conceito de venda, ligado à sustentabilidade, será mais facilmente alcançado a partir do momento em que compromissos semelhantes têm sido assumidos por grandes clientes da montadora, como Procter & Gamble e McDonals.
No Brasil Podgorski aponta o potencial para o biodiesel e bioetanol. Mas começa a crescer também o interesse pelo gás, tanto natural como biometano, produzido a partir da decomposição de matéria orgânica e ainda em testes em veículos. Para ele, a inserção do Brasil no novo contexto mundial dará à fábrica brasileira "uma longevidade de algumas décadas".
O tempo vivido na Suécia, diz Podgorski, foi enriquecedor, exceto pela melancolia dos dias escuros, durante o inverno, que entristecem até quem nasceu no país. Segundo ele, o maior inconveniente de partir para um país distante, com cultura e idioma peculiares, com os filhos já adultos foi ter de "partir" a família. Filho e filha ficaram no Brasil. A esposa o acompanhou determinada a conseguir exercer a profissão de fisioterapeuta comunicando-se na língua local. Às custas de cinco horas de aulas de sueco por dia, Beatriz conseguiu seu objetivo e hoje compreende o idioma melhor do que o marido.