A Tarde
Somente em 2022, cinco reajustes já foram anunciados na Bahia
Pagar R$ 8 pelo litro da gasolina parecia uma realidade distante dos baianos. O combustível, no entanto, bateu recorde de preço nesta semana, após sofrer o quinto reajuste somente no primeiro trimestre de 2022.
Em dezembro, a refinaria de Mataripe, na Bahia – antiga Landulpho Alves – foi privatizada e passou a ser controlada pela Acelen. Em 2022, cinco reajustes já foram anunciados, sendo o último neste sábado, 5, quando alguns postos de combustíveis chegaram a vender o produto a R$ 8.
Entre janeiro e agosto do ano passado, a Petrobras reajustou a gasolina em suas refinarias em 51%. No diesel, o aumento foi de 40% no período, mesmo percentual de alta no gás de cozinha.
Quando viu a gasolina sendo vendida a R$ 7,99 por litro, o administrador de empresas Luiz Felipe emitiu um ‘comunicado’ aos amigos: “Esqueçam o ‘me leve ali’, ‘me traga aqui’. Não faço mais favor para ninguém, acabou”, disse ele em tom de brincadeira. Em conversa com o Portal A TARDE, ele demonstrou insatisfação com o preço para abastecer o veículo. “Está impossível, é surreal. Constantemente, vejo o preço subir e sempre reclamo. Hoje, penso 30 vezes antes de usar o carro, é somente para ocasiões específicas, e olhe lá. Quando posso, uso transporte público”.
Mas como o preço do combustível é definido?
Especialistas consideram três os mais importantes pilares na definição do preço cobrado: a produção, ou seja, o refino do petróleo; os impostos estaduais e federais; e, por fim, o processo de transporte entre a refinaria que produz e o posto que comercializa ao cliente final, o que inclui o transporte e a margem da revenda do estabelecimento.
O presidente do Sindicombustíveis-Bahia, Walter Tannus Freitas, explica que, no Brasil, os combustíveis são precificados pelas refinarias: “Elas levam em consideração o mercado internacional de derivados de petróleo e duas variáveis são fundamentais para determinarem o preço dos combustíveis no mercado interno: o valor do barril do petróleo e a variação do dólar americano no mercado brasileiro”.
Influência do dólar
Anos após praticar apenas preços controlados, a Petrobras mudou a política em 2016 e passou a trabalhar com o PPI, sigla para “preço de paridade de importação”. Desde então, a estatal alinha os preços praticados ao comportamento do mercado internacional. Na prática, com a alta do dólar e desvalorização do real, os combustíveis no Brasil passaram a ficar mais caros, o que desencadeou, inclusive, uma greve dos caminhoneiros em 2018.
Economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, subseção FUP (Dieese/FUP), Cloviomar Cararine considera o PPI o grande vilão da alta dos preços dos combustíveis.
“A gente percebeu, de 2016 para cá, que os preços do petróleo se comportaram de maneira estável, depois passaram a subir muito. E, além disso, quando o preço do petróleo caía, o câmbio subia. Toda vez que o dólar sobe a Petrobras aumenta os preços nas refinarias. Em cadeia, os impostos, que são referência nesse preço”.
Ele pontua ainda que o agronegócio optou por também aumentar a margem de ganho na venda do etanol, que é misturado à gasolina. “A gente percebe que tanto a Petrobras quanto o etanol vem subindo e isso tem influenciado o preço final”. Além disso, a crescente alta do preço do açúcar no mercado internacional despertou o interesse de produtores de etanol, que passaram a produzir o item para exportação.
Efeito dominó
Em consequência à alta do preço do etanol e da gasolina, são puxados para cima também os valores de uma série de outros itens, sejam alimentícios, vestuários ou eletrônicos. Como majoritariamente são transportados por via rodoviária, também são afetados pelo reajuste.
“Tudo é transportado, praticamente, utilizando diesel. Se ele sobe, sobem também o frete e todos os preços no final
Sobem também os preços de produtos agrícolas. Toda nossa produção agrícola depende de máquinas que utilizam o óleo diesel. Aí falo do grande e do pequeno produtor. Em 2021, subia preço de alimentos e caía preço de produtos importados. A partir de outubro, a gente percebeu que está tudo subindo junto”, pontua Cararine.
“Se o preço do pão sobe, por exemplo, tem como trocá-lo por outro produto. No caso dos derivados, não é possível realizar esta troca de forma fácil. Há também o gás de cozinha, que influencia na casa das famílias e restaurantes, pois aumenta o preço do produto que se usa para cozinhar”.
Ele lembra que o projeto político atual do país influencia uma sequência de desdobramentos que chega ao preço dos combustíveis, pois a instabilidade no governo é repassada a quem se relaciona com ele, o que eleva o câmbio e puxa para cima o preço do item. “Investidores internacionais olham com muito receio a política econômica do Brasil. Seja por não acreditarem que o governo vai cumprir as metas prometidas, seja porque há uma instabilidade diária em relação à economia”.
Privatizar: solução ou perigo?
Tomando como base a realidade da Bahia, onde a refinaria foi privatizada e atualmente a gasolina e o diesel são vendidos a preços superiores do que os estipulados pela Petrobras, Cloviomar alerta que, ao invés de solução, a privatização da estatal representa outro problema.
“A Mataripe vem reajustando os preços em quantidade e valor maiores que a média nacional. Os terminais da Bahia praticavam preços que acompanhavam a média nacional. Uma refinaria privatizada tende a seguir os preços internacionais com frequência maior que uma com estratégia por trás”.
Até 2014, a própria Petrobras cuidava da produção, transporte e refino, ou seja, uma única empresa era a responsável por grande parte do processo, o que permitia a prática de preços menores. Com a transferência destas atividades, uma empresa privada produz, outra transporta à refinaria e outra refina.
“Cada uma pratica o maior preço possível. Se, antes, era uma empresa só que poderia praticar preços menores a ela mesma, agora as privadas praticam os maiores. Mesmo que tenha movimento de queda do preço do barril no mercado internacional, dificilmente na Bahia os preços cairão com a mesma velocidade que pode cair no resto do Brasil”.
Alta de preço beneficia donos de postos: mito ou verdade?
Comportamento semelhante ao do consumidor Luiz Felipe tem o empresário Jomar Paraki, dono de alguns postos de combustíveis na Bahia. Ele considera que uma possível fuga do roteiro casa-trabalho-casa precisa ser muito bem avaliada. “Eu só uso agora o que não posso podar. Se houver a necessidade de ir em algum lugar, preciso avaliar. O produto aumentou para todo mundo. Os empresários estão na garganta”, conta.
O empresário critica a política adotada pela Petrobras de seguir o mercado internacional e frisa que o Real não acompanha a moeda norte-americana. Com as constantes reclamações de clientes, o ‘jogo de cintura’ passou a ser cada vez mais necessário.
“A gente tem que ter habilidade para trabalhar com os clientes para ver como ameniza a situação. As reclamações são constantes, os clientes pensam que é alteração do dono do posto, mas é coisa ‘lá de cima'”. Diferente do que já ouviu de outros motoristas, Jomar alerta que empresários do setor também são prejudicados. Com a alta dos preços, a frequência dos abastecimentos sofreu baixa gradativa.
“Com essa lei de livre comércio todo mundo se espalha quando não tem concorrente e a Landulfo Alves não tem. Nós, que somos bandeirados, não podemos sair daqui para comprar o produto mais barato, tem que comprar aqui. É loucura. Na hora que aumenta o dólar, no outro dia estão aumentando o combustível. Quando o dólar baixa, ninguém diz nada. Não entendo as contas que eles fazem”.
Rússia x Ucrânia = efeitos no Brasil
Com a pandemia da Covid-19, a importação máquinas e equipamentos em todo o mundo foi motivo de dor de cabeça, por causa do bloqueio no transporte de matéria-prima, e os setores do agronegócio e do sucroalcooleiro também tiveram essa dificuldade. Quando a situação deu indícios de possível melhora, surgem os ataques da Rússia contra a Ucrânia. Ambos são grandes produtores de fertilizantes. A Rússia produz 1/3 dos fertilizantes do mundo, e 60% do consumo do Brasil vem de lá.
Isso poderia não ser um problema, caso as três fábricas de fertilizantes que o Brasil possuía ‘em casa’ ainda estivessem em funcionamento. Entretanto, uma foi vendida e outras duas, sendo uma na Bahia, foram desativadas.
“Por mais que o governo tenha aproximação com a Rússia, não significa que vai resolver, pois a Rússia terá dificuldade para transportar. Vai faltar fertilizante e isso vai influenciar no preço do etanol, que vai influenciar no preço da gasolina lá na ponta. Esse caso agora da guerra mostra que o grande vilão está nos grupos que produzem, principalmente, a matéria-prima, que é a gasolina”, avalia Cloviomar.
“Poderíamos escapar disso? Sim, poderia reduzir o efeito disso se houvesse outra política de preço que levasse em consideração, não o preço internacional, mas o preço de produção da matéria-prima e se a gente tivesse apostado no aumento da produção nacional de fertilizantes, não fechado as fábricas e não dependesse da importação”, reflete o economista.
Há luz no fim do túnel?
Sobre uma possível redução nos preços, o presidente do Sindicombustíveis-Bahia, Walter Tannus, aposta em uma improvável queda do dólar e do preço do barril do petróleo. “Se a cotação do dólar americano diminuir e a cotação do barril do petróleo despencar, sim, podemos ter uma queda no preço dos combustíveis”.
Jomar Paraki, dono da rede de postos, sugere medidas mas aponta a ilegalidade em uma delas. “Teria que tabelar os preços, o que é proibido, e desindexar o petróleo do dólar”. Já o economista Cloviomar Cararine pontua que seria necessário possuir uma bola de cristal.
“A gente tem que olhar alguns movimentos. O governo Bolsonaro pode intervir, pois a União é acionista majoritária na Petrobras. O Congresso vem se articulando para reduzir o preço no Brasil. Tem aí a possibilidade também dos preços internacionais caírem”. Pessimista sobre a queda, ele diz que a próxima alta já pode ser aguardada. “Enquanto tiver a guerra, os preços não vão cair. Daqui a pouco, virá mais um reajuste para cima”.
Com a palavra, a Acelen
O Portal A TARDE pediu à Acelen, nova operadora da Refinaria de Mataripe, respostas sobre os pontos em que a empresa foi citada. O Portal questionou sobre o reajuste dos preços em quantidade e valor maiores que a média nacional. Questionou também sobre a tendência da empresa em seguir os preços internacionais com maior frequência.
A reportagem quis saber ainda sobre a afirmação de que a refinaria, agora sob comando da Acelen, “pratica o preço que quer”, como citado por um dos entrevistados.
A empresa se limitou a repetir o comunicado emitido no último sábado, após o quinto reajuste anunciado em 2022. Segundo a Acelen, os preços levam em consideração variáveis como custo do petróleo e, com a guerra na Ucrânia, “o preço internacional do barril de petróleo disparou, superando os US$115 por barril”.
“A Acelen reafirma sua aposta em uma política transparente, amparada por critérios técnicos, em consonância com as práticas internacionais de mercado”, disse a empresa.
Após repercussão negativa e representação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) pelo Sindicombustíveis, a Acelen se reuniu com a Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz-BA) nesta segunda-feira, 7, e propôs uma nova metodologia no cálculo para o congelamento do ICMS.
Ao Portal A TARDE a Sefaz informou que aprovou a proposta da empresa de adotar uma média entre os preços de referência por combustível praticados. A Secretaria afirmou esperar que o congelamento seja ‘cumprido imediatamente’ pela Acelen.
A pasta reforçou o posicionamento do estado, de que as frequentes altas registradas nas bombas decorrem da política de preços da Petrobras, que tem maior parte da produção em território nacional, “mas insiste em dolarizar os valores praticados para o mercado interno, o que tem resultado em frequentes reajustes dos combustíveis e em forte pressão inflacionária”.