Jornal do Comércio
A Política Nacional de Biocombustíveis é, até o momento, o único comércio regulado no País para conter o avanço climático, com um funcionamento bem parecido ao mercado regulado de carbono. Em vigor desde 2017 para dar corpo às metas do Brasil no Acordo de Paris, o RenovaBio promove a expansão dos biocombustíveis na matriz energética nacional, com geração ativos na bolsa de valores brasileira (CBIO) e ganhos para produtores e importadores de etanol, biometano e biodiesel.
De acordo com o Ministério de Minas e Energia, o volume de créditos está na ordem de 2,5 milhões de CBIOS por mês, com meta de 24,8 milhões de CBIOS até o final de 2021. Com o escopo do RenovaBio voltado aos biocombustíveis para transportes, os créditos nacionais seguem os mesmos parâmetros dos demais ativos de carbono — um crédito equivale a uma tonelada de CO2 que deixou de ser emitida.
Para que seja incorporado ao mercado de carbono, os CBIOS aplicam o conceito de “carbono equivalente”, em que outros gases causadores de efeito estufa podem ser incorporados, como é o caso do gás metano. Desde 2017, a Política já certificou um total de 272 produtores e importadores de biocombustível, com destaque para a produção de etanol (242 agentes). Porém, apenas oito deles têm CEP no Rio Grande do Sul.
Os créditos são certificados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e os produtores de biocombustíveis vendem seus CBIOS em bolsa. Posteriormente, os distribuidores de combustíveis (parte obrigada do RenovaBio) devem adquirir os CBIOS em pregão. O valor médio do CBIO até a primeira semana de maio era de R$ 30,75.
Segundo a pasta de Minas e Energia, as metas de cada distribuidor são calculadas desdobrando-se na meta anual total estabelecida pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), considerando o market share de cada distribuidor.
Diferente do RenovaBio, outros projetos de regulamentação do mercado de carbono nacional andam a passos lentos e desorganizados. O Programa Floresta +, da pasta do Meio Ambiente, instituído pela portaria 288/2020, visa fomentar o mercado privado de pagamentos por serviços ambientais em áreas mantidas com cobertura de vegetação nativa e está em fase de projeto-piloto. No entanto, a pasta não deu respostas à reportagem sobre quando ele deve ser implementado.
Já o projeto de regulação em si do mercado de carbono, de responsabilidade da pasta da Economia, não deve ser encaminhado tão cedo. Em nota, o órgão informou que “o tema ainda está sendo estudado e discutido junto aos diversos órgãos que têm competência sobre a matéria. Desta forma, não é possível atender ao pedido de informações”.
Para as emissões de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL), que são certificados pela ONU, é preciso que os projetos também passem pelo crivo federal, através de Autoridade Nacional Designada (AND). Este ente existe para que a nação que recebe os créditos possa ter o controle do número de projetos sustentáveis e que geram ativos de carbono.
No Brasil, a Autoridade é o Ministério de Ciências, Tecnologia e Inovações, através da Coordenação-Geral de Ciência do Clima e Sustentabilidade. Porém, o órgão não respondeu nenhum pedido de informações da reportagem e nem soube informar quantos projetos de MDL existem em solo nacional.
Na visão de Francisco Milanez, presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), ONG que completou meio século de história neste ano, além do mercado de carbono tentar se apropriar da luta de ambientalistas e transformá-la em lucro, o negócio é parte de uma “maquiagem ambiental”. “Não sou contra que empresas busquem o desenvolvimento sustentável, mas não é responsabilidade delas cuidar da questão climática. É uma função dos governos, que devem regrar a atividade empresarial com base em ações sustentáveis”, entende o ambientalista.
Além disso, Milanez acredita que os cálculos feitos para medir o número de créditos são lineares e superficiais e não levam em consideração impactos ambientais que antecedem a mitigação dos gases de efeito estufa. Como exemplo, cita a silvicultura e as plantações de eucalipto que, embora possam gerar créditos, são prejudiciais à biodiversidade e ao rebaixamento de lençóis freáticos, o que não é posto junto ao cálculo.
“Todo tipo de monocultura é prejudicial para o meio ambiente, então quando ela cai no bolo do desenvolvimento sustentável, tendo a desconfiar da eficiência ambiental dos créditos de carbono”, afirma.
As soluções devem ser mais locais e nacionais do que globais, mesmo que seja necessário estabelecer parâmetros e obrigações para todos os países, que gerem multas pomposas para as nações que não as cumprirem, pontua Milanez.
Mas também é preciso criar estímulos por parte do Estado com metas gerais (para os próximos dez anos) e progressivas (cada ano se avaliam os resultados), e um plano de transição para acabar com os combustíveis fósseis, acrescenta. “Mas quando o governo proíbe, ele tem que fornecer tecnologia e assistência técnica para as empresas, e isenções fiscais para quem se destacar nessas implementações ambientais. É importante lembrar que nós não temos muito tempo”.