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Comercialização de CBios em 2020 marcou pontapé inicial do programa de incentivo aos biocombustíveis

Amatriz de transportes brasileira não é a atividade que representa a maior fonte de emissão de gases do efeito estufa (GEE) na atmosfera, mas com certeza ela tem muita visibilidade para a sociedade e, portanto, recebe muitas cobranças para apresentar soluções de mitigação. A substituição de combustíveis fósseis por alternativas mais sustentáveis tornou-se a grande contribuição que o segmento pode oferecer para que o País atinja as metas do Acordo de Paris — fora do setor, o desmatamento é outro ponto crucial, como ficou evidente na reunião de líderes organizada por Joe Biden há uma semana. E a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), cuja operação plena completou um ano em 27 de abril, é a grande aposta na área específica de transportes.

A data marcou o começo do registro dos créditos de descarbonização (CBios) no mercado de balcão da Bolsa brasileira B3, dando o pontapé inicial para o primeiro mercado regulado de carbono do Brasil. A criação desse ambiente de comercialização (veja quadro sobre o funcionamento do programa) fechou o tripé da lei que criou o RenovaBio em 2017, que inclui ainda a estipulação de metas de redução de emissões para distribuidoras e importadoras de combustíveis fósseis e a certificação pela ANP das produtoras de biocombustíveis.

“O balanço desse primeiro ano do RenovaBio é positivo, apesar das dificuldades de colocar de pé um programa dessa envergadura, que é o maior em descarbonização da matriz de transportes no mundo”, afirma Evandro Gussi, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). Segundo dados do Ministério de Minas e Energia (MME), foram emitidos 18,5 milhões de CBios e negociados 14,8 milhões de créditos, o equivalente a 98% da meta para o ano.

Isso ocorreu num momento particularmente turbulento, com a pandemia causando uma redução no consumo que obrigou a um corte nas metas originais. Problemas relacionados à demora na oferta real dos títulos registrados geraram um estresse entre as partes envolvidas e os preços deram uma disparada num período, gerando queixas dos distribuidores. A BrasilCom, entidade que reúne pequenos distribuidores, chegou a entrar na Justiça contra o que considerou uma negociação desigual.

Gussi reconhece que houve necessidade de ajustes nos processos de comercialização, mas comemora o fato de que as queixas não tiveram como alvo a estrutura ou o conceito do programa. “Nenhuma ação questionou as bases, como o programa de certificação, a organização da ANP, ou os papéis da Receita Federal ou dos sistemas do Serpro, por exemplo”, afirma.

Para 2021, a meta de geração de CBios foi fixada em 24,86 milhões de créditos e quase 50% da comercialização já havia sido atingida no início de abril.

Gussi conta que está em negociação com a B3 para que se aproximem do modelo de concorrência perfeita no mercado de CBios, ao agregar outros investidores. Como está hoje, o modelo concentra as compras em quatro empresas: BR Distribuidora, Ipiranga, Raízen e Alesat ficam com 68% dos créditos.

Oportunidades

O presidente da Unica vê no programa uma grande chance de transformar a sustentabilidade em negócio. “Além de ajudar a reduzir as emissões pela substituição de combustíveis, quando vou medir a pegada de carbono em cada passo da cadeia (para a certificação) encontro oportunidades de redução, como trocar os adubos nitrogenados no plantio ou o uso de diesel no transporte. Essas oportunidades trazem mais eficiência”, afirma Gussi.

Na outra ponta do mercado de créditos, Valéria Amoroso Lima, diretora de Downstream do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), também elogia o RenovaBio, embora avalie que ele precisa de alguns ajustes e inovações. “Sabemos que a descarbonização é um caminho sem volta e que não existe um modelo que seja padrão para todos os países”, comenta. Ela considera que a matriz de transportes é uma das mais difíceis de se descarbonizar porque os combustíveis fósseis são os mais eficientes e baratos há mais de um século. O petróleo, por exemplo, ainda responde por 90% do consumo total de combustíveis no mundo.

A diretora do IBP diz que o RenovaBio é uma iniciativa importante que se encaixa em projetos globais de elevar a oferta de biocombustíveis na economia, mas que precisa inserir atualizações tecnológicas. “Nosso biodiesel hoje é de base éster, mas há novas tecnologias mais avançadas, como o biodiesel de hidrogênio. O diesel verde é uma molécula igual à do diesel fóssil, sem o problema da qualidade. A regulamentação precisa incluir esse biodiesel avançado”, sugere.

No planejamento global, no entanto, as apostas continuam a recair sobre o etanol de cana e o biodiesel. No último relatório de perspectivas para os próximos 10 anos da OCDE/FAO, a previsão é que os biocombustíveis aumentem sua participação no uso global da cana-de-açúcar para cerca de 25% em 2029, em comparação com 23% estimados em 2020. Esse aumento é atribuído exatamente à expansão planejada do RenovaBio brasileiro. (RL)

Oferta baixa de CBios elevou preço

Nem tudo foram flores no início das negociações de CBios na B3 em 2020. A Associação das Distribuidoras de Combustíveis (BrasilCom), que representa mais de 40 distribuidoras regionais, obteve uma liminar na Justiça Federal em novembro para que suas associadas cumprissem apenas 50% das metas de compras dos créditos de descarbonização.

Segundo Sergio Massillon, diretor institucional da entidade, a BrasilCom queria com a medida mostrar a preocupação com a efetiva disponibilidade de CBios para compra e a resultante elevação dos preços de comercialização. “Apesar de os produtores informarem o cadastro de milhares de certificados, o desequilíbrio existente entre a obrigação das distribuidoras de adquirir os títulos e a dos emissores de efetivamente autorizar a sua venda resultou em um aumento excessivo dos preços”, lembra.

De fato, a indisponibilidade de CBios durante um período levou o preço do título a mais de R$ 60 em meados de outubro, ante R$ 19 originais. O preço médio no ano foi de R$ 43.

O Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), que representa as grandes distribuidoras e que não entrou na Justiça no ano passado, compartilha dessas preocupações. “Precisamos de mecanismos para evitar que o preço se descole da realidade”, afirma Valéria Amoroso Lima, diretora de Downstream do IBP.

Ela lembra que, em alguns momentos do ano passado, a oferta de CBios foi insuficiente para que as empresas de distribuição pudessem cumprir suas metas. “Se não tiver oferta suficiente, como elas vão comprar? Se o preço subir muito, é um custo extra que vai parar no produto final. Não pode ter esse desequilíbrio que afete a demanda”, adverte.

Massillon vai além e diz que, como o programa se apresenta hoje, “nada mais é que um processo de transferência de renda dos consumidores para os produtores de biocombustíveis, sem gerar incentivos às novidades tecnológicas como são o diesel verde da Petrobras e o HVO”.
Fonte: Estadão

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