Que resposta o governo dará aos conflitos federativos na regulação do gás natural?

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EPBR

PACTO NACIONAL
A tentativa frustrada de um acordo entre ANP, Arsesp e Comgás sobre a classificação do gasoduto Subida da Serra levanta a pergunta sobre como a União vai proceder nos conflitos federativos na regulação do mercado de gás natural.
Afinal, a ANP já formalizou o interesse de contestar no Supremo Tribunal Federal (STF), ao menos cinco leis estaduais que, no entender da agência, invadem suas competências – além, claro, de ter reafirmado a intenção de judicializar o caso paulista.
Nove meses depois dessa formalização, porém, até agora nenhuma ação foi levada de fato à Justiça.
A bola está com o Ministério de Minas e Energia, que sinaliza querer apostar em esforços de harmonização regulatória antes de uma eventual judicialização. É um dos princípios do programa Gás para Empregar, cujas propostas vão ao crivo do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).
A pasta prepara uma consulta pública sobre o Pacto Nacional para o Desenvolvimento do Mercado de Gás Natural – acordo voluntário que formaliza compromissos entre representantes da União e estados pela harmonização das regulações estaduais e federais.
O conceito foi introduzido no decreto 10712/2021, que regulamentou a Nova Lei do Gás (14.134/2021) e prevê mecanismos que passam:
• pela formação de redes de conhecimento coordenadas pelo MME;
• formulação de propostas de padrões, políticas, guias e manuais;
• e proposição pela ANP de diretrizes (de adesão voluntária) para a regulação estadual dos serviços locais de gás canalizado.
O MAPA DOS CONFLITOS
Em janeiro de 2022, no último ano do governo de Jair Bolsonaro, a diretoria da ANP autorizou a Procuradoria Federal junto à agência a tomar medidas necessárias para questionamento, junto ao STF, da constitucionalidade do Decreto nº 65.889/2021 de São Paulo — que instituiu regras locais para classificação de gasodutos de distribuição.
Em novembro de 2023, depois de ser questionada pela Advocacia Geral da União (AGU) se, num contexto de mudança de governo a ANP teria interesse de seguir com a judicialização do caso, o regulador reafirmou sua posição e acrescentou que deveriam ser judicializadas, além do decreto paulista, as leis:
• 17.897/2022 (Ceará);
• 12.142/2021 (Paraíba);
• 17.641/2022 (Pernambuco);
• 11.190/2022 (Rio Grande do Norte);
• 11.662/2022 (Maranhão);
e quaisquer outros atos normativos de entes subnacionais que pretendam dispor sobre temas que invadam as competências regulatórias e normativas da ANP
Em sua maioria, são legislações que seguem os critérios de classificação de gasodutos de distribuição do marco paulista. Ou seja, abrem espaço para que os dutos que se conectam diretamente a fontes de suprimento (como terminais de GNL e unidades de processamento ou tratamento de gás) sejam classificados como redes de distribuição e fiquem sob o guarda-chuva estadual.
A ANP entende que essa conexão direta fere o espírito do Nova Lei do Gás e o desenho do Novo Mercado de Gás, que valorizam a construção de um mercado integrado e aberto.
O caso Subida da Serra estabelece, de certa forma, algum precedente sobre que tipo de ativo não poderá ser considerado gasodutos de distribuição.
Questionamos a ANP se o caso Subida da Serra – ou alguma das outras leis estaduais citadas – já foi judicializada. O regulador esclareceu que já realizou todos os atos de sua competência e que aguarda manifestações das autoridades competentes (MME e Presidência da República).
A AGU também aguarda uma posição. E o MME “entende que é necessário que se faça esforço pela harmonização da regulação federal junto às regulações estaduais antes de se judicializar estes temas”.
E A LISTA AUMENTA
Os critérios de classificação de gasodutos não são o único objeto de divergências entre a ANP e os estados.
Já escrevemos aqui na gas week sobre como começa a ganhar corpo também um potencial conflito na fiscalização e autorização do agente comercializador.
No fim do ano passado, a Arsesp publicou uma ampla revisão das regras do mercado livre de gás de SP. A ANP viu, na discussão, um novo caso de invasão da agência paulista sobre as competências federais.
Desde então, outros estados seguiram o mesmo caminho. O governo do Pará publicou o decreto 3651/2024, que prevê dupla autorização para exercício da atividade: da ANP, no âmbito federal, e do regulador estadual, ao qual o agente deverá solicitar um pedido de registro – que pode ser revogado ou suspenso.
Para que o agente obtenha o registro para atuar como comercializador no Pará, deve assinar termo de compromisso com o regulador contendo suas obrigações e direitos, bem como penalidades, e pagar uma taxa de fiscalização.
No Amazonas, a Arsepam também prepara uma regulamentação sobre o assunto. A proposta colocada em consulta pública adiciona novas exigências para autorização do agente comercializador e retoma a discussão sobre a cobrança da Taxa de Fiscalização e Controle sobre a Comercialização.
Para obtenção da autorização, os agentes terão que assinar um Termo de Compromisso que submete os comercializadores às atividades fiscalizatórias e penalidades da Arsepam. Abre espaço para que a autorização seja revogada ou suspensa e entra também no conteúdo dos contratos de comercialização, ao obrigar que eles tenham cláusula para coibir o usuário livre a retirar volumes adicionais às quantidades contratadas e programadas.
Outro assunto com riscos de sobreposição regulatória é o dos gasodutos virtuais. A ANP aprovou, nos últimos meses, as novas regras de distribuição de GNC e GNL a granel.
Na ocasião, a agência entendeu não haver conflito de competência entre as esferas federal (regulação dos modais alternativos ao dutoviário) e estaduais (responsáveis pelos serviços locais de gás canalizado). As distribuidoras, contudo, acusaram a ANP de ferir o pacto federativo e que os serviços locais de gás canalizado (competência dos estados) são plurais e podem incluir a distribuição por meio de GNC e GNL.
É nesse contexto que a Agerba, na Bahia, prepara uma regulamentação dos projetos estruturantes no estado. Assunto está em consulta pública.
ROTA DE COLISÃO
A Arsesp reagiu de forma veemente contra a decisão da ANP negar os recursos do regulador paulista e da Comgás e manter o entendimento original da equipe técnica, de 2021, pela classificação do projeto Subida da Serra como um gasoduto de transporte.
Em nota, o diretor-presidente da Arsesp, Thiago Mesquita Nunes, afirmou que a decisão da ANP “busca expropriar um ativo do estado de São Paulo, custeado pelos usuários paulistas, sem qualquer fundamento legal”.
E destacou que vai defender os interesses dos consumidores de São Paulo e de preservar os ativos estaduais custeados com as tarifas pagas pelos consumidores paulistas.
Alega que o gasoduto tem como uma de suas extremidades a Estação de Transferência de Custódia (city gate) de Cubatão II, e no outro extremo uma Estação Redutora de Pressão (ERP), ambas estruturas integrantes do sistema de distribuição. O Terminal de Regaseificação de São Paulo (TRSP), pertencente à Compass, do mesmo grupo Cosan, por sua vez, é conectado ao city gate de Cubatão II por um outro gasoduto, classificado pela própria ANP como um “gasoduto integrante” do TRSP.
A ANP, por sua vez, argumentou que os termos do acordo permitiriam que a Comgás injetasse na rede de distribuição o volume importado pelo TRSP, sem passar pela rede de transporte, resultando num esvaziamento da malha de gasodutos da NTS – com aumento das tarifas em 2025.
Os estudos internos da agência serviram para a ANP justificar que, em nenhum cenário, o Subida da Serra poderia ser enquadrado como de interesse local e, portanto, deveria ser mantido como transporte.
Diretores da ANP relataram também que faltou empenho da Arsesp durante as negociações, para se chegar a um acordo.

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