Em 2016, a Polícia Federal começava a investigar as três maiores tradings de commodities do mundo: Vitol, Trafigura e Glencore. Como mostrou reportagem do Estadão à época, o trio era suspeito de pagar propinas milionárias a funcionários da Petrobras para ganhar contratos de comercialização de derivados de petróleo. Dois anos depois, na fase “Sem Limites” – a 57ª das 80 que a Operação Lava Jato acumulou até fevereiro do ano passado, quando entrou em “modo espera” – as três transnacionais entraram formalmente para a lista de investigadas.
Na terça-feira (15), a anglo-suíça Glencore informou ter provisionado em seu balanço US$ 1,5 bilhão (em torno de R$ 7,8 bilhões ao câmbio atual) para cobrir custos de investigações regulatórias relacionadas a denúncias de suborno nos EUA, no Reino Unido e no Brasil. A mineradora disse que espera fechar este ano acordos para concluir inquéritos que se arrastam há anos.
Um longo artigo escrito no ano passado por uma equipe de advogados especializados em legislação regulatória e crime de colarinho branco do escritório norte-americano Debevoise & Plinpton, falava da intensificação do combate à corrupção transnacional nos Estados Unidos depois da eleição de Joe Biden. De fato, o que vem sendo constatado é que o cerco à corrupção empresarial vem se estreitando nos EUA.
E como andam os processos no Brasil? As sucessivas operações de suborno na Petrobras tornaram-se um emblema internacional de corrupção. Até hoje não se sabe qual foi exatamente o montante perdido. Em 2015, quando as descobertas da Lava Jato ainda causavam perplexidade, um laudo pericial anexado ao processo estimava em R$ 42,8 bilhões as perdas. O balanço da Petrobras de 2014 (primeiro ano da investigação policial) reconhecia perdas de R$ 6,2 bilhões.
A verdade é que nunca foi calculada – ou, pelo menos, nunca foi tornada pública – a cifra exata dessas perdas. No finalzinho do ano passado, a Petrobras informou, em comunicado ao mercado, ter recuperado até então R$ 6,17 bilhões em todos os acordos de colaboração, leniência, restrições e renúncias, decorrentes dos atos de corrupção revelados pela Lava Jato. É bastante dinheiro. Mas, ainda muito pouco diante do que foi usurpado.
Paralisia
O pior é imaginar que a paralisia imposta à Lava Jato pode tornar ainda mais distante a possibilidade de recuperação de recursos. Na Petrobras ainda há um sem-número de processos que buscam ressarcimento. Mas a velocidade com que o dinheiro escapuliu da companhia nem de longe se compara ao ritmo do retorno.
A legislação anticorrupção é uma realidade relativamente recente na história brasileira. Completará dez anos apenas no ano que vem, enquanto nos Estados Unidos e Inglaterra, por exemplo, leis desse tipo, que responsabilizam empresas pela prática de atos contra a administração pública, vigoram há décadas. Com a premissa básica de que os valores a serem devolvidos sejam superiores aos ganhos com a atividade criminosa.
No Brasil, a lei determina punições que vão de 0,1% a 20% do faturamento no exercício mais recente. Mas, não é o rigor da lei o maior diferencial, de acordo com Moroni Costa, especialista em Direito Penal Empresarial e sócio do Bichara Advogados. “Lá dificilmente chegam à fase do contencioso, de julgamento, como aqui. As resoluções vêm de acordos”, diz ele.
Como este, que está sendo aguardado ainda para 2022 pela Glencore, para tentar se livrar da pecha de corrupção que acompanha a empresa nos últimos anos. Como reduzem um pouco a burocracia, os acordos aceleram ressarcimentos. Outra diferença citada pelo advogado é que lá há um balcão centralizado para a discussão dessas causas enquanto o trâmite brasileiro atravessa vários entes públicos. “Nos Estados Unidos e Inglaterra as empresas sabem exatamente com quem estão falando.”
Em dezembro de 2020, a Vitol, outra trading gigante denunciada na mesma fase investigatória da Glencore, fechou acordo de leniência com o Ministério Público Federal e concordou em devolver R$ 232,6 milhões à Petrobras. A Glencore acaba de divulgar o resultado de 2021, um lucro recorde de US$ 4,97 bilhões. Vamos ver de quanto será o “mea culpa” que firmará.