O Estado de São Paulo
O agronegócio abateu a Petrobras na aprovação do projeto de lei do “combustível do futuro” – texto que passou no Senado e retornará à Câmara. Além de vetar a entrada do diesel R5 (com parcela vegetal), fabricado pela estatal, o setor de biocombustíveis emplacou o controle sobre fatias crescentes no mercado de gasolina e diesel com o etanol e o biodiesel.
Adicionalmente, os fabricantes de biometano afirmam que a estatal vai absorver o aumento de custos provocado pela adição ao gás natural e não repassará para a indústria – o que é questionado pelos grandes consumidores. Procurada, a Petrobras informou que “acompanha a tramitação do projeto de lei no Senado e aguarda a conclusão da etapa atual para concluir sua avaliação”.
O biometano é um gás de origem vegetal produzido no Brasil principalmente por usineiros a partir da decomposição do bagaço da cana-de-açúcar. Há também produtores que usam o lixo como matéria-prima.
O projeto do combustível do futuro cria a obrigação do consumo do biometano a partir de 2026. O objetivo é adicioná-lo à oferta de gás natural, com o objetivo de reduzir as emissões de gases de efeito estufa. A meta é que o biometano reduza em 1% essas emissões.
O porcentual pode subir para até 10%, o que preocupa a indústria e grandes consumidores de gás natural, que preveem um aumento do preço do gás natural. Isso porque o biometano, de origem vegetal, é mais caro do que o gás natural, que tem origem na produção de petróleo.
Segundo Adrianno Lorenzon, diretor de gás natural da Abrace, associação que representa os grandes consumidores de energia, será necessário produzir 850 mil metros cúbicos de biometano por dia em 2026 para fazer frente à meta de 1% de descarbonização. Isso significa um aumento de custos avaliado em R$ 658 milhões por ano aos consumidores de gás do País.
“Estamos fortalecendo os produtores da transição energética, mas jogando o custo para a indústria. E a conta é muito clara, todo custo extra para a indústria será repassado para os produtos que chegam ao consumidor final”, diz Lorenzon.
A iniciativa recebeu o apoio do Ministério de Minas e Energia. A Petrobras, que inicialmente era contra a medida na gestão Jean Paul Prates, cedeu na reta final da votação do projeto já sob Magda Chambriard.
Renata Isfer, presidente da Abiogás, associação que reúne os fabricantes de biometano e biogás, afirma que a Petrobras já tem planos de comprar biometano ou, na ausência dele, de títulos equivalentes chamados de Certificados de Garantia de Origem de Biometano (CGOB). O objetivo da estatal seria usar esses títulos para cumprir as suas próprias metas de descarbonização. Assim, a empresa não repassaria o custo extra aos consumidores de gás, absorvendo o impacto da adição do biometano.
“Não terá impacto no preço da energia, nem do gás para a indústria. Já está no plano de investimentos da Petrobras comprar biometano”, diz ela.
Governo estima impacto pequeno no preço; indústria discorda
Pelos cálculos do Ministério de Minas e Energia, o impacto da iniciativa no preço do gás seria pequeno, de 0,47%.
Lorenzon afirma que soa contraditório o governo Lula apresentar um programa para ampliar a oferta de gás natural, em decreto baixado na semana passada, e ao mesmo tempo patrocinar um texto que pode encarecer o produto. “O preço do gás natural hoje já está destruindo a indústria, que não suporta nenhum impacto adicional”, afirma Lorenzon.
A indústria de aço, vidros, alumínio, química e siderúrgica podem ser afetados diretamente por esse aumento, segundo o Fórum do Gás, que reúne grandes consumidores do insumo.
“A Petrobras virou entidade de caridade? Combinaram com os acionistas? Vai absorver o custo e não vai repassar? A Petrobras, que já é a fornecedora do gás mais caro do mundo, vai virar Papai Noel”, ironiza Lucien Belmonte, presidente da entidade e da Abividro, associação que reúne os fabricantes do setor.
Renata Isfer, da Abiogás, afirma que a indústria de biometano se prepara para ampliar a oferta, o que tende a contribuir para baixar o preço do combustível. Segundo ela, a capacidade de oferta atual é de 417 mil metros cúbicos por dia e que há 25 projetos em análise na ANP que deverão ficar prontos até 2026.
Além disso, ela afirma que há interesse de empresas na compra do combustível, ainda que mais caro, em razão de metas individuais de descarbonização para cumprir normas ambientais que já foram baixadas na União Europeia e devem ser seguida ao redor do mundo.
“Descarbonizar a produção tem um custo que as empresas de capital aberto (com ações negociadas na Bolsa de Valores) estão dispostas a arcar”, afirma Isfer.