Setores que sofrem perdas resultantes de comércio irregular cobram aprovação de propostas em tramitação no Congresso
O Globo Online
O combate à sonegação fiscal está no centro das discussões da Reforma Tributária, cujo projeto de regulamentação foi entregue ao Congresso no fim de abril. Isso porque os cofres públicos deixaram de arrecadar cerca de R$ 136 bilhões somente em 2022, de acordo com dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), resultado de impostos que não foram pagos. O valor equivale a 30% das movimentações ilegais realizadas naquele ano, que somaram R$ 453,5 bilhões o equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) de Santa Catarina.
A fim de coibir essa prática, há um projeto de lei (PL 15/2024) em tramitação na Câmara que propõe a criação de programas de conformidade tributária e aduaneira, sob o guarda-chuva da Receita Federal, e de uma regulamentação sobre devedores contumazes indivíduos e empresas que se tornam inadimplentes de forma intencional e reiterada, provocando graves prejuízos para os cofres públicos.
A pauta aguarda o parecer do relator Danilo Forte (União/CE) na Comissão de Desenvolvimento Econômico (CDE). Também tramita no Senado o PL 164/2022, que prevê normas gerais para identificar e controlar essas práticas ilícitas.
A demora do Congresso em aprovar as medidas mostra a força de quem não quer pagar impostos no Brasil afirmou Edson Vismona, presidente executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), no último dia 24, durante a live Os prejuízos do mercado ilícito na economia do país, do projeto Caminhos do Brasil, iniciativa dos jornais O Globo e Valor Econômico e da Rádio CBN, com o patrocínio do Sistema Comércio, através da CNC, do Sesc, do Senac e de suas federações.
Crime sofisticado
Segundo o especialista, existe uma sofisticação do crime organizado no Brasil, uma vez que organizações ditas empresariais se estruturam para não pagar impostos. Elas declaram, disse ele, mas não pagam a tributação.
Isso é possível porque usam o direito administrativo para adiar o pagamento, principalmente em setores de combustíveis e cigarros. Só esses dois segmentos respondem por R$ 100 bilhões em dívida ativa contou.
Para José Roberto Tadros, presidente do Sistema CNC-Sesc-Senac, a aprovação desse projeto de lei seria exemplo de medida a ser adotada para frear ilícitos, frisando que se deve considerar que mecanismos legais e eficazes precisam ser adotados e atualizados.
O devedor contumaz é aquela empresa que sobrevive do não pagamento de impostos, que foi aberta em nome de laranjas e busca sobreviver da sonegação de tributos, o que causa um grave dano à concorrência leal e à economia.
Emerson Kapaz, presidente do Instituto Combustível Legal, também concorda que o projeto de lei precisa ser aprovado com urgência. De acordo com o especialista, distribuidoras de combustíveis ligadas ao crime organizado costumam ter offshores (empresas abertas no exterior, comumente em paraísos fiscais) e, quando têm descoberto um CNPJ irregular, rapidamente abrem outra empresa.
Para a pauta funcionar, é necessário haver integração entre iniciativa privada, Ministério da Justiça, Agência Nacional de Petróleo (ANP), governos e receitas estaduais. Se não houver coordenação, o crime organizado vai continuar crescendo com força afirmou ele, acrescentando que a sonegação, adulteração e fraudes no setor de combustíveis resultam em perda de quase R$ 30 bilhões por ano.
A sonegação impacta não apenas o erário, destaca ele, mas também a concorrência. Isso acontece porque quem deixa de pagar imposto pode cobrar mais barato pelos produtos, tirando a competitividade de quem cumpre as regras fiscais do país, explica Kapaz.
O consumidor também perde, uma vez que os produtos não seguem normas técnicas. Temos dois grandes desafios: combater a oferta desses produtos ilegais e tentar impedir que a reforma tributária aumente os impostos do mercado legalizado diz Vismona.
Efeito do preço
O especialista destaca que a adoção do Imposto Seletivo, como está previsto pela Reforma Tributária, tem como intuito desestimular o consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, com aplicação, por exemplo, sobre cigarros e bebidas alcoólicas. O efeito, porém, disse ele, pode ser o inverso, de estímulo ao consumo desses produtos ilegais, pelo menor preço.
Um levantamento do Instituto Fecomércio de Pesquisas e Análises (IFec RJ) realizado em dezembro de 2023 aponta que 98,3% dos entrevistados da Região Metropolitana do Rio de Janeiro estão cientes de que pirataria é crime no Brasil. No entanto, 54,8% afirmaram já ter comprado algum produto pirata na vida e, desses, 58,3% se arrependeram da compra. Mesmo assim, 61,3% voltariam a comprar produto pirata.
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Estima-se que, no Rio de Janeiro, a movimentação financeira com compras de mercadorias ilegais seja de R$ 238,34 milhões por ano.
Quando perguntados sobre o principal motivo para comprar um produto pirata, 88,3% responderam que o preço é mais em conta, 58,6% disseram acreditar que os produtos originais são mais caros devido a impostos elevados; 11%, devido à margem de lucro elevada.
(Natália Flach é repórter do Valor)