Fonte: O Estado de S. Paulo
Numa curta trajetória de 11 anos, o pré-sal brasileiro superou limitações tecnológicas e hoje é tão competitivo comercialmente quanto o Oriente Médio. Os investimentos em pesquisa afastaram as dúvidas sobre a viabilidade de se retirar volumes extraordinários de petróleo debaixo da camada de sal, armazenados a até 7 km de profundidade. A visão hoje é que, além de viável, esse é um dos melhores negócios do mundo.
O presidente da Shell Brasil, André Araújo, chegou a dizer recentemente ao Estado que “o pré-sal é onde todo mundo quer estar”. Hoje, as áreas de pré-sal já são viáveis economicamente com o preço do barril de petróleo variando entre US$ 30 a US$ 40. No Oriente Médio, essa faixa de equilíbrio vai de US$ 20 a US$ 40.
Um único poço de pré-sal é capaz de produzir até 40 mil barris por dia, volume equivalente ao de campos inteiros de pós-sal, que contam com diversos poços. Assim, a região atingiu uma marca de produtividade 30% superior à projetada na sua descoberta, em 2006, destaca Helder Queiroz, professor de Economia da Energia da UFRJ e ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Hoje, 1,5 milhão de barris são retirados do pré-sal diariamente, mais da metade da produção nacional.
É de olho nesse nível de produtividade que 14 das grandes petroleiras do mundo vão participar, no dia 27, do leilão de oito áreas do pré-sal entre Espírito Santo e Santa Catarina. A licitação foi dividida em duas – na segunda rodada serão vendidas áreas onde é certa a existência de petróleo, por serem continuações de reservatórios já definidos. Na terceira rodada serão oferecidas áreas que prometem, mas sobre as quais pouco se conhece.
A primeira rodada de licitações de pré-sal aconteceu em 2013, quando a Petrobrás, ao lado de cinco sócias – Shell, Total, CNPC e CNOOC – adquiriram Libra, na Bacia de Santos.
Desafios. Quando o pré-sal foi descoberto, há pouco mais de uma década, o cenário de preço do petróleo era o melhor já experimentado pela indústria e os custos para ultrapassar a camada de sal não assustavam tanto. A partir de 2014, quando o petróleo despencou, no entanto, a viabilidade do pré-sal passou a ser questionada.
Foi preciso investir em tecnologias e ampliar a eficiência dos projetos. Assim, em pouco mais de uma década os poços de pré-sal ficaram mais produtivos – apesar dos desvios bilionários envolvendo a Petrobrás e revelados pela Operação Lava Jato. O custo médio de extração de petróleo passou de US$ 9,1 por barril de óleo equivalente (boe), em 2014, para menos de US$ 7/boe ao fim do primeiro semestre deste ano. “É caro (produzir no pré-sal), mas tem a vantagem da produtividade. Como é produzido muito mais em cada poço, o projeto tem um equilíbrio”, diz Antônio Guimarães, secretário executivo de Exploração e Produção do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), que representa os interesses de grandes petroleiras no País.
O diretor-geral da ANP, Décio Oddone, classifica a região como “extraordinária” em razão do grande volume de reserva e da alta produtividade dos poços. “Vai atrair muito interesse, mas o número de atores capazes de atuar no pré-sal é limitado”, afirmou na semana passada.
No início do mês, o presidente da Petrobrás, Pedro Parente, foi a Nova York dizer a investidores que as oportunidades no Brasil são tão boas quanto nos principais países produtores – Estados Unidos, China, Rússia ou mesmo membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Parente afirma que a estatal consegue ganhar dinheiro com o pré-sal ainda que o preço do petróleo esteja baixo, na casa dos US$ 30, como estava no pior momento da crise, em 2014. Hoje, está na casa dos US$ 50.
“Minha aposta é que dessa vez vai ter disputa de dois ou três consórcios para algumas áreas”, avalia João Carlos de Luca, fundador da petroleira Barra Energia.
Salto tecnológico levou à marca de 1 milhão de barris/dia
Muitas brocas foram quebradas até a Petrobrás chegar à produção de mais de um milhão de barris no pré-sal por dia, marca que levou 45 anos para ser conseguida nos campos convencionais do pós-sal. Desde 2006, em parceria com universidades, sócias, empresas de serviços nacionais e internacionais, a estatal conseguiu no mar avanços tecnológi- cos que costumam ser comparados aos obtidos pela Nasa no espaço, de tão complexos e inovadores.
Após anos de pesquisas que resolveram os principais desafios enfrentados, como a região inóspita dos reservatórios, a alta pressão, a presença de contaminantes, entre outros, a Petrobrás foi premiada em 2015 pelo conjunto de 10 pesquisas dedicadas ao pré-sal com o OTC Distin- guished Achievement Award for Companies, Organizations and Institutions, o maior reconhecimento tecnológico para uma empresa de petróleo, concedido pela OTC (Offshore Technology Conference), principal encontro internacional do setor.
Mas nem sempre foi assim. Há anos a Petrobrás sabia da possibilidade da existência de reservatórios do pré-sal e não tinha tecnologia disponível no mundo para extrair a riqueza do fundo do mar. O maior desafio era a própria camada de sal, que teimava em voltar para os poços recém-perfurados, conta o gerente-geral do centro de pesquisa da Petrobrás para desenvolvimento em exploração e produção, Farid Salomão Shecaira.
Furos. “Quando furaram os primeiros poços do pré-sal, a cama- da de sal, apesar de rígida, fluía como uma gelatina para dentro do poço. Isso era considerado um grande desafio. Hoje, a gente fura com tranquilidade, já se furou mais de 200 poços e nunca aconteceu uma catástrofe”, disse o executivo.
O problema foi resolvido após muito trabalho de geofísica e laboratório. Foi feita uma modelagem geomecânica (estudo do comportamento mecâni- co do solo e das rochas) para esse tipo de poço, explica Shecaira, medindo o peso ideal de fluido de perfuração que era necessário para atravessar o sal sem fechar o poço.
Entre o primeiro teste em 2006 e o início da produção foram apenas 30 meses. O tempo para construção de poços caiu de 225 dias, do pioneiro Paraty, para 40 dias. Só em Paraty foram quebradas 30 brocas: “Descobrimos que a tecnologia de brocas existentes na época era totalmente inútil, tivemos de aperfeiçoar isso também.”