Folha de São Paulo
É no exato momento em que o mundo e o próprio governo brasileiro fazem esforços pela transição energética que uma companhia centenária com capital aberto na Bolsa decide reconstituir sua subsidiária de petróleo.
Na última terça-feira (15), investidores se reuniram em um evento em São Paulo no qual a Azevedo & Travassos, grupo de empresas de infraestrutura, anunciou que a A&T Petróleo está voltando ao mercado e deve já iniciar a exploração de óleo em terra (onshore) neste ano.
“Achar que o consumo de petróleo está em decadência não é verdade. Nos próximos 30 a 50 anos a energia da economia continuará sendo o petróleo e o gás. Embora haja todo esse esforço mundial para melhorar a matriz, mas o óleo e o gás continuarão sendo os propulsores da economia do mundo”, disse durante o evento o empresário Nelson Tanure, que é acionista da Prio (antes chamada de PetroRio).
No país da transição energética, que tem atraído investimentos do mundo inteiro para projetos de economia verde, petroleiras seguem inflando seus números de produção e lucro.
A Prio, por exemplo, subiu em 25% seu lucro líquido no segundo trimestre deste ano na comparação com igual período do ano passado, mesmo com uma queda de 30% nos preços internacionais do petróleo Brent.
Como exportadora, a empresa perde receita com um preço menor do barril. Mas, em contrapartida, a empresa aumentou sua produtividade. Um dos grandes destaques de seu balanço de abril a junho foi a produção média de petróleo, que saltou 174% em um ano.
Já a 3R Petroleum, outra companhia conhecida como “junior oil” (petroleira independente e de menor porte) com capital negociado em Bolsa, subiu em 152% sua produção média de petróleo no segundo trimestre na comparação anual. O lucro líquido da empresa saltou 147% em um ano.
Em evento empresarial no Rio de Janeiro em junho, o vice-presidente da Shell no Brasil, Flavio Rodrigues, disse à Folha que um aumento de produção local de petróleo é uma tendência.
Segundo o executivo, o Brasil está entre os oitos países mais importantes para as operações da Shell, contribuindo com 400 mil barris por dia de petróleo, enquanto a produção global da companhia é de 1,4 milhão de barris.
A Shell é um exemplo de petroleira no mundo que chegou a fazer um movimento de redução na produção de petróleo para aumentar os investimentos em energias renováveis. A empresa chegou a estipular uma meta de corte na oferta da commodity por ano, mas a companhia acabou voltando atrás dessa política e decidiu manter a produção de óleo, com possibilidade até mesmo de aumentar.
Rodrigues afirmou que a companhia busca oportunidades em energias renováveis, e reconhece que a capacidade de produção de energia eólica e solar no Brasil já é uma realidade. Mas o executivo frisou que óleo e gás ainda são a maior fatia dos investimentos da Shell.
“Dizer que a coisa vai mudar de um dia para o outro, não é assim. Mas nós vamos transicionando ao longo do tempo”, ponderou à época.
No Brasil, a companhia está com 17 projetos de produção de óleo e gás em andamento, nas bacias de Campos e de Santos, grande parte deles em parceria com a Petrobras. A companhia ainda espera, até 2030, que três novas plataformas entrem na operação local da companhia.
Segundo o ex-diretor-geral da ANP (Agência Nacional do Petróleo) David Zylbersztajn, o desenvolvimento de matrizes energéticas limpas no Brasil historicamente coincidiu e aconteceu juntamente com a evolução do setor de óleo e gás.
Para ele, portanto, o aumento de produção de petróleo não significa que a transição energética não esteja acontecendo no país.
“O Brasil já transitou energeticamente. O Brasil é um país cuja transição energética de alguma maneira já ocorreu. E agora a gente precisa saber como aperfeiçoar essa transição energética”, disse durante o evento que anunciou a volta a Azevedo & Travassos Petróleo.