Valor Econômico
As principais petroleiras na América do Norte, América Latina e Europa multiplicaram os lucros no segundo trimestre, impulsionados pelos altos preços de petróleo e gás. A dúvida agora é se esse ímpeto se mantém diante da ameaça de uma retração mais forte da atividade econômica mundial.
Levantamento feito pelo Valor mostra que ExxonMobil, Chevron, ConocoPhillips, Shell, TotalEnergies, BP, Eni, Equinor, Petrobras, Pemex e Ecopetrol somaram receitas de US$ 594,3 bilhões no segundo trimestre, alta de 77% na comparação anual. Já o lucro mais que triplicou para US$ 98 bilhões.
A restrição na oferta de petróleo, em meio à rápida retomada da demanda no pós-pandemia, e o conflito na Ucrânia, que restringiu o acesso às fontes de energia da Rússia, em decorrência de sanções internacionais, elevaram o preço do barril a um patamar superior a US$ 100 no segundo trimestre.
A situação foi agravada pelo momento do setor, que vinha de vários anos de baixo investimento em exploração e produção.
“Nos últimos anos, muito por conta das iniciativas de transição energética e pressão dos ambientalistas, as grandes petrolíferas do Ocidente reduziram investimentos em produção de petróleo ou refino de combustíveis”, diz Adriano Pires, sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE)”. “O choque nos preços que vimos no último trimestre é consequência direta disso.”
O aumento de produção não ocorre de forma rápida. É necessário que as empresas ganhem eficiência nos poços já ativos e invistam para ampliar a capacidade. A ExxonMobil anunciou que vai adicionar capacidade de refino de 250 mil barris por dia, a maior nos Estados Unidos desde 2012, mas que estará disponível apenas no primeiro trimestre de 2023.
A maior petrolífera do Ocidente faturou US$ 115,6 bilhões no trimestre, alta de 71% na comparação anual, e lucrou US$ 4,69 bilhões, mais de três vezes que no mesmo período de 2021. A companhia também conseguiu elevar sua produção de petróleo em 4,1%, a 3,73 milhões de barris de óleo equivalente por dia.
As outras duas empresas americanas no levantamento, Chevron e ConocoPhillips, também surfaram na alta dos preços. A primeira registrou um crescimento de 83% nas receitas, para US$ 68,7 bilhões, enquanto o lucro subiu quase quatro vezes, para US$ 11,6 bilhões. A ConocoPhillips viu receita e lucro dobrarem, a US$ 21,9 bilhões e US$ 5,14 bilhões, respectivamente.
Na Europa, com a exposição mais direta aos efeitos do conflito na Ucrânia, como os cortes no fornecimento do gás natural russo, as petrolíferas conseguiram preços que muitas vezes superaram os das suas pares americanas. A francesa TotalEnergies e a britânica Shell, por exemplo, conseguiram US$ 102,9 e US$ 90,3 por barril, respectivamente, enquanto a Chevron trabalhou com US$ 89 por barril.
A francesa registrou uma alta de 58,9% nas receitas, a US$ 74,7 bilhões, enquanto o lucro no segundo trimestre mais que dobrou, a US$ 5,69 bilhões. A produção ficou estável na comparação anual, a 2,73 milhões de barris. A companhia britânica aumentou em 65% a receita de vendas, para US$ 100 bilhões, enquanto o lucro foi multiplicado por cinco, a US$ 18 bilhões, num impulso extra por causa da sua exposição ao gás.
Na Equinor, estatal norueguesa que se tornou a principal alternativa ao gás natural russo, as receitas dobraram no segundo trimestre, a US$ 36,4 bilhões, enquanto o lucro subiu mais de três vezes, a US$ 6,76 bilhões. A britânica BP e e a italiana Eni também registraram forte expansão no faturamento e lucro entre abril.
Na América Latina, a situação muda um pouco de figura. Pires, que foi cotado para assumir a presidência da Petrobras, lembra que as empresas estão mais expostas a intervenções políticas no andamento dos negócios nos mais variados graus por serem, em parte ou no todo, companhias estatais. Os efeitos da variação cambial nos balanços também têm que ser levadas em consideração.
A estatal brasileira, a maior da região, não decepcionou, com receita de vendas 65% maiores em dólares, para US$ 34,7 bilhões, enquanto o lucro avançou 35%, para US$ 11 bilhões. A mexicana Pemex, a única da lista que é totalmente estatal, sem ação em bolsa, quase dobrou as receitas, a US$ 32,8 bilhões, enquanto o lucro multiplicou por nove, a US$ 6,57 bilhões. Ecopetrol, da Colômbia, dobrou receita e lucro, para US$ 10,2 bilhões e US$ 2,44 bilhões.
Com caixa cheio e oportunidades limitadas de investimento, o dinheiro acumulado tende a ser revertido aos acionistas, seja por dividendos ou recompra de ações. A Petrobras anunciou o pagamento de R$ 6,73 por ação, seu maior dividendo da história, enquanto a Chevron vai pagar US$ 1,42 por ação. A ExxonMobil não fica atrás, com US$ 0,88 por ação.
Mas os tempos de bonança podem estar chegando ao fim. O barril dos tipos de petróleo usados como referência no mercado, o Brent e o WTI, caíram mais de 10% na última semana, puxados, em parte pelos temores de uma recessão global.
Dois assuntos ganharam força ultimamente, diz Júlia Passabom, economista do Itaú BBA. A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) vem aumentando levemente a produção, mostrando disposição em normalizá-la. E há o receio de a desaceleração global reduzir a demanda pelo petróleo . “Há uma disputa entre oferta apertada e a pressão na demanda para ver quem tem mais força.”
As sucessivas altas nos juros globais tendem a desacelerar a economia mundial, mas que a restrição na oferta do petróleo deve impedir que o petróleo fique muito abaixo de US$ 100 o barril até o fim do ano. “Ainda é um mercado apertado, com a curva negativamente inclinada, em função das sanções contra a Rússia que ficam em vigor até o fim ano.”
Essa dinâmica pode começar a se inverter no próximo ano, se houver mesmo uma recessão num momento que é esperado aumento da oferta do petróleo. “O que estamos vendo hoje é que não há mais ímpeto para o preço do petróleo voltar a bater máximas, há uma acomodação”, diz.