A Petrobras informou na noite desta quarta-feira que irá destinar R$ 300 milhões para a criação de um programa social de apoio a famílias em situação de vulnerabilidade social, para garantir que tenham acesso a insumos essenciais, com foco no gás liquefeito de petróleo (GLP), o gás de cozinha.
A decisão foi anunciada dias depois de o presidente da estatal, Joaquim Silva e Luna, ter afirmado que não haveria qualquer mudança na política de preços da estatal e que não caberia à empresa ações para subsidiar o preço do botijão de gás, um dos itens que mais pressionam os gastos das famílias de baixa renda.
Ele reagiu na segunda-feira a um discurso do presidente Jair Bolsonaro, que atribuiu a alta do preço dos combustíveis e seu impacto na inflação à política de preços praticada pela Petrobras, atrelada ao câmbio e ao preço internacional do petróleo.
Nos últimos dias, essa política foi criticada pelos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Programa vai até o fim do ano eleitoral
O programa terá duração de 15 meses, informou a Petrobras, o que incluirá o período da campanha para as eleições de outubro de 2022, quando Bolsonaro pretende concorrer à reeleição. Foi apresentado como uma ação de responsabilidade social.
De acordo com a companhia, o programa, que foi aprovado pelo Conselho de Administração, é similar a ações sociais de praticadas por outros agentes de mercado e se justifica pelos efeitos da pandemia de Covid-19.
“Somos uma empresa socialmente responsável e comprometida com a melhoria das condições de vida das famílias, particularmente das mais vulneráveis. A pandemia e todas as suas consequências trouxeram mais dificuldades para as pessoas em situação de pobreza. Tal fato alerta a Petrobras para que reforce seu papel social, contribuindo ainda mais com a sociedade”, destacou o presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna, em comunicado.
O modelo do programa está em fase final de estudos, segundo a Petrobras, incluindo a definição do critério de escolha das famílias em situação de vulnerabilidade e da busca de parceiros que possam somar esforços e ampliar o valor a ser investido, com a possibilidade da criação de um fundo que permita que outras empresas venham a aderir ao projeto.
Ação foge do papel da empresa, dizem especialistas
Diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires afirma que é preciso esperar por mais detalhes sobre o programa para avaliar quais seriam os impactos para a empresa.
De um modo geral, ele considera positivo que, em meio às discussões sobre ESG (práticas de governança ambiental, social e corporativa), a Petrobras esteja engajada em causas sociais.
No entanto, ele acredita que isso deveria ser feito através de ações como a doação de cestas básicas, por exemplo, e não de ajuda de custo:
— É compreensível que a Petrobras queira ajudar, considerando que o gás de cozinha está mesmo muito caro e a alternativa das pessoas acaba sendo a lenha, que polui muito mais do que o gás. Mas R$ 300 milhões em 15 meses teria um efeito muito pequeno do ponto de vista de redução do preço do produto.
Fábio Alperowitch, cofundador e atual diretor da gestora FAMA Investimentos, especializada em fundos ESG, não vê iniciativa da estatal como positiva.
Para ele, o papel social das empresas deve ser trabalhado através de políticas permanentes.
— O governo, como controlador da companhia, novamente passa por cima dos bons princípios da governança corporativa para atingir seus próprios objetivos.
Para o economista Mauro Rochlin, da FGV, o subsídio do gás de cozinha “não é tarefa para uma empresa estatal”, mas sim para o governo, que como principal acionista da companhia poderia usar o valor que recebe de dividendos para repassar aos consumidores através de medidas como essa.
— É uma política de estado. Deveria ser levada de forma transparente pelo governo. A interferência no preço dos combustíveis foi feita no passado e não deu muito certo. O governo Dilma usou a política de preços da Petrobras para controlar a inflação e nós vimos o que aconteceu — alerta.
Com duração de 15 meses, o programa ainda estaria vigente na data das eleições presidenciais de 2022. Por isso, o receio é que a medida tenha um viés político que acabe prejudicando a estatal e a economia.
— Qualquer política que atenda de maneira imediata às pessoas de menor renda acaba gerando uma visão simpática em relação ao governo — resume Rochlin.