Petrobras será ‘esverdeada’, mas sem matar a galinha dos ovos de ouro, diz novo diretor da estatal

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O Estado de S. Paulo

A atual gestão da Petrobras quer deixá-la mais verde, mas, apesar de temores no mercado, não será às custas do negócio principal, a exploração e produção de petróleo – o que dá lucro e engorda o seu caixa. O objetivo é investir em novas tecnologias de energia renovável como a eólica em alto mar (offshore) e também em opções mais maduras, na linha do que pares globais já têm feito. Para chegar lá, um caminho considerado é retomar parcerias no exterior, em especial, nos Estados Unidos, que saiu na dianteira após a aprovação da Lei de Redução da Inflação, o Inflation Reduction Act, na gestão do presidente Joe Biden.
A agenda está sob o guarda-chuva da nova diretoria de transição energética e sustentabilidade, capitaneada por Maurício Tolmasquim, criada no âmbito do ajuste organizacional feito pela gestão de Jean Paul Prates, alçado à presidência no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e que entrou em vigor nesta semana. “A Petrobras vai se transformar em uma empresa de energia, mas o petróleo continuará sendo o centro da sua geração de caixa e receitas. Não vamos matar a galinha dos ovos de ouro”, diz o executivo, em entrevista ao Estadão/Broadcast, durante a Offshore Technology Conference (OTC), maior evento da indústria de petróleo e gás no mar, em Houston (EUA).
Para Tolmasquim, não se trata só de ética. O movimento verde é uma questão de sobrevivência para a Petrobras. Apesar da ausência de Prates no maior evento global de petróleo e gás em alto mar, Tolmasquim afirma que a empresa foi “muito bem-recebida” no Texas, com uma agenda cheia de encontros com investidores e potenciais parceiros internacionais. Dentre os negócios já encaminhados, está a possibilidade de um memorando de entendimentos com a prefeitura de Houston para reduzir emissões de carbono. Seguindo os passos da “capital do petróleo” do Texas, a Petrobras estuda implantar um hub no Brasil para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, causadoras das mudanças climáticas.
Ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), durante os governos Lula e Dilma, Tolmasquim foi ainda secretário executivo da pasta. Abaixo, os principais trechos da entrevista:
Como foi a recepção em Houston, com a nova área de transição energética sob o seu comando e a gestão da Petrobras no governo de Luiz Inácio Lula da Silva?
Fomos muito bem recebidos. A criação da nova diretoria está sendo muito bem recebida não só no Brasil, mas aqui também. Em todas as conversas, esse é um dos temas. A Petrobras era uma das poucas grandes empresas de petróleo que não tinha uma área de alto nível tratando questões de transição energética, estava muito fora do contexto das demais petroleiras.
O que a nova diretoria levará de Houston?
Estou tendo uma série de encontros. Um deles foi na Prefeitura de Houston, onde estavam grandes empresas petrolíferas tratando da captura e armazenagem de CO2. Em 2022, a Petrobras reinjetou 10 milhões de toneladas, um quarto de tudo que foi reinjetado no mundo. Foi a empresa que mais reinjetou CO2 no mundo em 2022, mas queremos ir adiante.
Como?
Houston tem um hub de projetos de CO2 com potencial para chegar a 100 milhões de toneladas. O que está se discutindo aqui são coisas de outra dimensão. Tivemos uma reunião para ver a possibilidade de intercâmbio e de um memorando de entendimento com a prefeitura de Houston, com o objetivo de analisar a cooperação nessa área de CO2. No pré-sal, o gás é reinjetado no próprio reservatório de petróleo. Queremos, no Brasil, injetar CO2 em outras formações geológicas que não têm a ver com petróleo. Vamos fazer um projeto piloto no Rio de Janeiro para o nosso hub de CO2. Tem aí um caminho interessante. Mas esse é um exemplo.
Outros negócios foram fechados? O que a Petrobras deve levar de Houston?
De concreto, é o memorando [com a Prefeitura de Houston]. Teve uma série de outros contatos que podem resultar em negócios. Tive uma quantidade enorme de reuniões. Uma das nossas filosofias é fazer tudo em parceria com outras empresas. A parceria é uma maneira de compartilhar conhecimento, dividir riscos, transferir tecnologia e compartilhar investimentos. Ainda não temos o novo Plano Estratégico, mas estamos discutindo a possibilidade de voltar a ter iniciativas no exterior, em parcerias com algumas empresas.
Em quais áreas e em quais países?
Os Estados Unidos viraram o principal foco de atenção. O apoio financeiro dado aos projetos daqui é muito grande. Passou a ser muito atrativo ter alguma iniciativa conjunta com alguma empresa por causa do benefício do subsídio do Tesouro americano. É possível alavancar projetos que eventualmente não seriam competitivos e que se tornam altamente atrativos. Eles ajudam a “esverdear” a produção da empresa, tendo lucro ao mesmo tempo. É algo interessante. A Europa estava muito na frente, mas a lei “Inflation Reduction Act” catapultou os EUA ao primeiro plano porque a quantidade de recursos para hidrogênio verde, CO2, energia eólica é bastante significativa.
No Brasil, a situação fiscal inviabiliza uma lei nessa linha?
Não cabe a gente da Petrobras comentar isso. É mais uma questão de governo, mas olhando como empresa a gente vê uma oportunidade nos Estados Unidos. Gostaríamos de ter isso no Brasil [uma lei como a dos EUA], mas tem as restrições do País. Por isso, as parcerias fazem sentido.
O senhor acaba de assumir uma nova área na Petrobras e que vai tocar os projetos de transição energética e sustentabilidade. Qual a estratégia e o volume de investimentos previstos para os próximos anos?
Os números e os detalhes vão sair somente no Plano Estratégico, em novembro. As grandes diretrizes que a empresa está pensando em investir são atividades ligadas a descarbonização e energias renováveis. Outra é acabar com essa proibição de atuar fora do Brasil, ter a possibilidade de ter alguma parceria e a área de transição energética seria uma forte candidata para isso. Uma questão importante é a modernização do parque de refino já com uma lupa para energias renováveis. A ideia é modernizar, expandir as refinarias existentes, mas levando em consideração que o mundo está em uma condição diferente hoje, de que é necessário enfrentar as mudanças climáticas. Também é fundamental olhar a questão regional do País.
A Petrobras quer se expandir no exterior e no Brasil?
A Petrobras está se transformando em uma empresa só do Sudeste. A gente acha que a Petrobrás tem de ser uma empresa do Brasil. É claro, vai produzir petróleo onde tem, mas é possível aproveitar as especificidades regionais como a eólica no Nordeste, solar em algumas outras regiões. Podemos aproveitar esses diferentes potenciais para ter uma atuação mais nacional, que é uma demanda legítima dos estados. Mas a gente só vai para lá se a atividade for rentável. A ideia não é ir apenas por ir. A gente quer olhar novas tecnologias, eólica offshore, e também aquelas maduras e que dão retorno no curto prazo. O foco é ter um portfólio diversificado.
A Petrobras estava atrasada na transição energética?
No que diz respeito à descarbonização, a Petrobras está muito bem. Agora, onde a empresa está bem atrasada é na parte dos seus produtos. É além do petróleo, produzir energia elétrica a partir de fontes renováveis, biocombustíveis. Quando você pega o teu combustível, deixa de queimar e transforma, por exemplo, em um plástico, você está evitando a emissão de CO2. Na hora que você faz lubrificante, por exemplo, você está deixando de queimar o combustível, também está capturando CO2. Tudo isso é o que chamo de “esverdear” o produto da Petrobras. Tornamos o processo mais verde, mas o produto não. Esse é o grande desafio e nisso a Petrobras está realmente atrasada e a gente tem de recuperar o tempo perdido.
O setor de óleo e gás tem sido colocado como fundamental para a transição energética. O investimento em novas energias renováveis afeta a quantia de dinheiro voltada à produção de petróleo e gás?
Não vamos fazer novas atividades em detrimento do upstream [exploração e produção de petróleo]. A Petrobras é uma empresa de petróleo e ela vai se transformar em uma empresa de energia, mas o petróleo continuará sendo o centro da sua geração de caixa e receitas. Não vamos matar a galinha dos ovos de ouro. O pré-sal foi um bilhete premiado que o País recebeu e a Petrobras também. Não vamos rasgar esse bilhete, mas é possível usar parte desse recurso para alinhar a Petrobras com as outras do mundo. Isso não tem a ver com questão ética em relação às mudanças climáticas ou o Planeta, ou o Brasil, é claro que é importante, mas é uma questão de estratégia de sobrevivência da empresa no longo prazo.
Por quê?
Cada vez mais, existem restrições para os financiadores alocar capital. Temos recebido bancos que querem saber qual é a nossa política, e, a mesma coisa, com o investidor. Tem vários fundos de pensão que têm cada vez mais critérios de governança que os impedem de ter uma carteira maior em projetos que emitem [CO2]. A questão não é apenas da Petrobras investir na transição, criar diretoria, sob a visão ética, é fundamental do negócio, do business, de manter a empresa atrativa internacionalmente. Podemos ver o que aconteceu com o País, que acabou quase virando um pária internacional. Não queremos que isso aconteça com a nossa empresa. É uma questão que não dá para ignorar. Todas as grandes empresas de petróleo já sabem disso. Não é a Petrobras que está inventando. Estamos apenas tentando chegar próximo das outras empresas.
E qual a projeção para energia eólica offshore?
Estamos ainda começando, não dá para ter projeções. Vamos anunciar no Plano Estratégico, que será divulgado em novembro.
E o senhor continua dedicado ao Plano Estratégico da Petrobras? Como fica isso com a nova função?
Não, estou saindo do Plano Estratégico. Só estava dando uma força enquanto não estava no cargo [diretor de transição energética e de sustentabilidade], mas é incompatível, não tem como acumular. Ainda não está escolhido o sucessor. Temos um interino.
Para quando a empresa prevê aumentar a oferta de gás para o mercado? Mais ações para impulsionar a oferta de gás no Brasil estão previstas?
A conclusão da rota 3, que visa ampliar o escoamento de gás natural dos projetos em operação na área do pré-sal da Bacia de Santos, vai permitir aumentar a oferta de gás para o mercado e é um elemento importante. Estamos agindo, os preços do gás foram anunciados, houve redução e temos interesse de atender, sobretudo, a indústria, que é para onde o gás é prioritário.
Quando?
Tem um mito de que o Brasil não aproveita todo o gás e não é verdade. O País produz 140 milhões de metros cúbicos de gás por ano, 50% vão para o mercado e 50% falam que é perda, mas não é. Quarenta por cento vão para CO2, que tem de reinjetar para não ir para a atmosfera, para aproveitar melhor o reservatório. Quarenta por cento é gás natural que tem que reinjetar para aproveitar melhor o reservatório para sair mais petróleo. É uma necessidade técnica. Tem 10% que não tem consumo porque não tem mercado, que é o caso de Urucu (campo em Coari, interior do Amazonas). E os outros 10% serão resolvidos com essa rota 3. Então, não tem essa perda. Temos de tentar aumentar a oferta através de descobrimentos de novas reservas.

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