Fonte: Valor Online
Mesmo tendo incluído em seu plano de desinvestimento a participação acionária que detém na Braskem, a Petrobras pode permanecer como acionista da empresa após a possível compra do controle pela gigante holandesa LyondellBasell. A estatal pode também deixar para vender suas ações num segundo momento, após a conclusão de duas etapas capazes de valorizar o ativo em questão: a transformação da Braskem numa "corporation", isto é, numa empresa de capital pulverizado, sem acionistas controladores; e a negociação do novo contrato de fornecimento de nafta e outros insumos, uma vez que o atual expira em 2020.
A decisão da Petrobras de sair ou ficar no capital da Braskem ainda não foi tomada, o assunto nem sequer foi debatido oficialmente pela diretoria e pelo conselho de administração. Ainda vale, portanto, o que está dito no plano de desinvestimento. O ativo foi incluído no plano por uma razão muito simples: a estatal endividou-se além da medida durante os anos ufanistas de Dilma Rousseff, que planejava fazer dela a empresa com o maior orçamento de investimento do mundo, e agora precisa se desfazer de vários negócios para diminuir o endividamento.
No biênio 2017-2018, a meta da Petrobras é obter US$ 21 bilhões (cerca de R$ 81 bilhões) com a venda de ativos. Na área petroquímica, a estatal já havia concluído, em maio, a transferência ao grupo mexicano Alpek, por US$ 435 milhões, de 100% das ações que detinha na Companhia Petroquímica de Pernambuco e na Companhia Integrada Têxtil de Pernambuco, ambas localizadas no Complexo Industrial de Suape. A Braskem é um ativo muito mais relevante, vale hoje cerca de R$ 50 bilhões, mas a decisão sobre a possível venda depende da avaliação de várias questões.
Estatal pode vender participação após valorização do ativo
Maior acionista da Braskem, o grupo Odebrecht fechou acordo de exclusividade para uma possível venda do controle à LyondellBasell. A Petrobras não participa das negociações, mas, graças ao atual acordo de acionistas, tem três opções: comprar as ações oferecidas pela Odebrecht à multinacional holandesa; obter as mesmas vantagens negociadas pelo grupo brasileiro nas conversas com a LyondellBasell; aguardar a OPA (sigla de Oferta Pública de Aquisição), processo por meio do qual novos controladores fecham o capital das empresas que adquirem.
Neste momento, dois grupos trabalham na Petrobras sobre o tema Braskem. Um analisa a operação de venda do controle à LyondellBasell, e o outro, o posicionamento estratégico da estatal na área petroquímica. A discussão não tem caráter ideológico, embora no meio político - registre-se: à esquerda e à direita - e dentro da companhia afirme-se que sim - a venda da fatia da Petrobras numa empresa controlada por um grupo privado seria uma forma de "entreguismo" do patrimônio "público" e nacional ao capital estrangeiro.
A rigor, o status atual não é nada favorável à Petrobras. Quem manda na Braskem é a Odebrecht. A empresa, além de seu controlador, se envolveu em malfeitorias investigadas pela Operação Lava-Jato e o penúltimo contrato de fornecimento de nafta - pela estatal à petroquímica - envolveu o pagamento de propina. Além disso, o acordo de acionistas não dá liquidez à participação da Petrobras, de 36,1%, no capital da Braskem.
O segredo para os três atores envolvidos no assunto é o contrato de fornecimento de matéria-prima. Assim que começaram a negociar a compra do controle, representantes da LyondellBasell procuraram a Petrobras para tratar dos termos desse contrato. Não foram recebidos. Interessada em valorizar seu ativo, uma vez que sua situação financeira se deteriorou muito desde o início da Lava-Jato, a Odebrecht pressionou a diretoria da Petrobras, também em vão, a renegociar o contrato de matéria-prima, na esperança de que isso ajudasse a valorizar a petroquímica.
Para a estatal, essa negociação só faz sentido depois que Lyondell e Odebrecht concluírem o acordo de venda - segundo apurou esta coluna, uma fase delicada da operação, a "due dilligence", quando auditores vasculham as contas de uma empresa em busca de esqueletos e que tais, está indo bem. Futuras conversas sobre os termos de um novo contrato de fornecimento de insumos serão feitas entre Petrobras e Braskem, e não com a LyondellBasell. O novo contrato será, evidentemente, fundamental para a definição do valor da fatia da estatal na companhia. No fundo, a Petrobras trabalha, nessa operação, para valorizar o ativo e, no caso de confirmação da venda, obter na sua parte bem mais do que está previsto neste momento. Liquidez também é o nome do jogo.
O debate sobre se a Petrobras deve ou não investir em petroquímica é antigo. Grosso modo, faz sentido investir, uma vez que a atividade petroquímica agrega valor ao petróleo retirado pela estatal das camadas pós e pré-sal. Especialistas explicam que a correlação entre valor de mercado e preço do óleo tipo Brent é desfavorável à Petrobras. Em tese, dada a maior rentabilidade da petroquímica, manter o negócio amenizaria os ciclos - como o atual - em que essa correlação se torna mais desafiadora. Há ainda o argumento de que deixar tudo como está ajuda na integração das cadeias, uma vez que, por exemplo, o gás produzido pela companhia é usado na petroquímica.
Está claro que a presença nesse segmento é um bom negócio em alguns ciclos, mas não é certo que vá ser algo permanentemente bom para a petrolífera. A Petrobras é reconhecidamente campeã na exploração de óleo em águas profundas. Seu desafio é tirar cada vez mais petróleo do fundo do mar, ao menor custo possível e, desta forma, competir no mercado mundial, dominado por gigantes.
Nos anos de ufanismo, a estatal se meteu onde não devia e o resultado está aí: corrupção em níveis nunca vistos, prejuízos bilionários em série, mazelas que por pouco não a levaram a breca. O megaescândalo deixou uma lição: desconfie toda vez que um nacionalista bater no peito e gritar "o petróleo é nosso". É?
Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras.