Valor Econômico
Para os europeus, ter um carro elétrico é uma decisão cada vez mais natural. O continente lidera, com folga, o ranking de mercados com maior participação de elétricos nas vendas de veículos. Com o aumento da demanda, governos de alguns países começam a retirar subsídios.
O carro que “se abastece” na tomada surgiu para ajudar a reduzir as emissões de carbono da atmosfera. Mas, para a indústria europeia, é também a etapa inicial de um novo estilo de vida, de conexão do automóvel com tudo o que funciona com energia elétrica na rotina de uma pessoa.
As vendas de elétricos crescem em todo o mundo. Em 2021, dobraram em relação ao ano anterior, com 6,6 milhões de unidades, e tendem a passar de 10,5 milhões em 2022. Elétricos representaram quase 10% do mercado global de carros novos em 2021. Isso equivale a quatro vezes a fatia de 2019, segundo o Global EV Outlook, publicação do setor feita com o apoio dos países membros da Agência Internacional de Energia.
Os europeus lideram essa expansão. Dos 20 mercados com maior participação de elétricos nas vendas totais de veículos em 2021, 15 estão na Europa, sendo que as 12 primeiras posições pertencem a países desse continente. Na Noruega, líder no ranking, a fatia de elétricos no mercado de novos chegou a 86% em 2021.
Brasil fora da lista dos 20 maiores
O Brasil não aparece na lista dos 20 maiores, apesar de registrar expansão da demanda. Automóveis e comerciais leves com algum nível de eletrificação representaram 1,8% do total de vendas no país em 2021 e de janeiro a outubro de 2022, houve aumento de 44% nos volumes na comparação com o mesmo período do ano anterior.
Em geral, as estatísticas abrangem três tipos de fonte de energia. O carro puramente elétrico funciona com baterias carregadas em tomadas. O híbrido comum tem dois motores — um elétrico, alimentado por outro a combustão — e não pode ser “abastecido” em tomada. Já o híbrido plug-in tem, além do apoio do motor a combustão, a possibilidade de carregamento na tomada, o que faz com que o motor elétrico funcione mais.
Além dos 100% elétricos, a contagem brasileira inclui os híbridos comuns. Já na Europa, a maior parte dos híbridos vendidos hoje é do tipo plug-in. Nesse tipo de carro, o carregamento em tomada permite uma bateria quase sempre completa e o motor a combustão só entra em ação quando não há carga na bateria.
Globalmente, carros abastecidos em tomadas — 100% elétricos ou híbridos plug-in — são chamados de EVs (veículos elétricos, na sigla em inglês). Com o aumento do interesse do consumidor, alguns países começam a reduzir os bônus oferecidos para estimular a compra dos EVs.
No início do mês, o governo da Suécia anunciou que pedidos de elétricos feitos já a partir do dia seguinte não teriam mais direito aos bônus que variavam entre 3,5 mil a 4 mil por veículo.
Em comunicado, o governo da Suécia, terceiro no ranking mundial de países com maior participação de EVs nas vendas de carros, justificou que os custos com esse tipo de automóvel já se aproximam dos movidos a gasolina e diesel. O cálculo envolve não só valor de compra, mas o custo do uso. A Alemanha também começou a sinalizar a intenção de reduzir, em 2023, os bônus para eletrificados, que hoje chegam a até 9 mil.
Além da Europa, o governo dos Estados Unidos também anunciou que reduzirá incentivos. A indicação inicial é de que o benefício será limitado a carros produzidos no país.
“Precisaremos chegar à paridade de preços (entre elétricos e a combustão). A indústria não pode montar em subsídios por um longo tempo”, diz o presidente mundial da Volvo, Jim Rowan.
Além disso, para o executivo, esse tipo de automóvel tem outros atrativos. “O elétrico faz menos ruído, tem menos vibração, menos peças se movendo e custo de manutenção menor”, diz. “Além disso, as novas gerações não querem destruir o planeta”, completa.
Os europeus parecem não ter muito interesse em debates em torno de outras formas de descarbonização, como a indústria faz no Brasil em relação ao uso do etanol e outros biocombustíveis. Para eles, a eletrificação é óbvia.
Impacto da guerra da Rússia contra a Ucrânia
O chefe comercial global da Volvo, Björn Annwall, diz que nem a guerra na Ucrânia, que levou ao acionamento de usinas termelétricas, vai interromper a agenda da eletrificação. Segundo ele, o carro elétrico é apenas “o ponto de partida de uma jornada”. “Teremos desenvolvimentos bastante interessantes nos próximos cinco anos”, afirma. As baterias, por exemplo, diz, poderão variar de acordo com a distância média que cada motorista percorre.
Para Rowan, porém, mais do que ser um meio de transporte, num futuro próximo, uma das maiores virtudes do veículo elétrico será o compartilhamento da eletricidade que não for usada com outras necessidades, como iluminar a casa, carregar uma bicicleta elétrica e o telefone celular ou mesmo aquecer ou refrigerar uma barraca de camping. “É a mudança de todo um estilo de vida que você não teria com o motor a combustão”, destaca.
Vários modelos produzidos na Europa hoje, sobretudo luxuosos, já “nascem” elétricos. Este mês a Volvo apresenta o EX90, utilitário esportivo com essa característica. Projetos desenvolvidos a partir de uma arquitetura elétrica permitem variação de desenho e de espaço, diz o chefe de design global da Volvo, Robin Page. No EX90, as baterias foram colocadas sob o assoalho, o que libera espaço interno.
O aumento da autonomia do elétrico é mais um atrativo. Nas primeiras gerações, com uma carga de bateria o carro mal chegava a percorrer 200 quilômetros. O EX90 alcança 600 quilômetros, segundo a Volvo. É a mesma distância que a MercedesBenz promete, “no mínimo”, no EQE, sedã esportivo que começou a ser vendido no Brasil ao preço de R$ 709,9 mil.
Para Rowan, o consumidor fará opções colocando na balança preço e autonomia. “Se temos uma infraestrutura de recarga adequada a autonomia, que se tornou uma ansiedade para as pessoas, passa a ter menos importância”, diz. “E aí entra o papel dos governos. Há coisas que nós, como indústria, temos de resolver. É o caso dos sistemas de carregamento e o tipo de química das baterias. Mas infraestrutura de carregamento depende de investimento do poder público.”