O Brasil, certamente, teria problemas em aumentar a sua capacidade instalada para atender às grandes demandas de energia para o processamento de potentes ‘data centers’
Estadão Online
O recente anúncio de que os Estados Unidos irão investir US$ 500 bilhões em inteligência artificial (IA) mostra qual será o palco da grande disputa geopolítica nos próximos anos e levanta uma questão que começa a preocupar: será preciso muita, mas muita energia.
No caso da IA, essa necessidade é brutal, conforme recentes conteúdos divulgados pelo Jornal Nacional e pelo jornalista Celso Ming, em Energia para a Inteligência Artificial (Estadão, 2/2). Desde a infraestrutura para abrigar e manter ligados poderosos data centers, que consomem energia a cada consulta, à obrigação de manter essas gigantescas máquinas a baixas temperaturas, serão necessários bilhões de kWh.
Nesse contexto, destaca-se o novo direcionamento da política energética dos EUA, estimulando novamente a produção de petróleo. À luz das necessidades energéticas para a IA, esse retorno à segurança das reservas de petróleo faz sentido, já que, agora, toda a fonte capaz de gerar energia elétrica será direcionada para esse esforço.
E isso se liga a outra recente decisão dos EUA – a de suspender a política de incentivos ao carro elétrico. Afinal, nesse cenário, o veículo elétrico passa a desempenhar um papel não apenas secundário, mas incômodo. Ao disputar a mesma energia elétrica da rede, automóveis elétricos acabam por competir pela energia com os data centers e tornam-se um verdadeiro desperdício. Aposta na inovação tecnológica x consumismo automotivo.
Mas e a sustentabilidade? – perguntariam muitos. A resposta está bem diante dos olhos dos americanos: o etanol. Os EUA são os maiores produtores mundiais deste biocombustível, à frente apenas do Brasil – o governo americano, inclusive, decretou, na segunda semana de fevereiro, a reciprocidade tarifária em relação ao etanol, estabelecendo os mesmos 18% de tarifa de importação que cobramos deles para importar o biocombustível americano.
Levando em conta o ciclo completo de vida do combustível (do poço à roda), a utilização do etanol para alimentar veículos automotores – tecnologia madura e praticada há décadas – é ainda mais limpa que a própria solução disponível hoje no mercado de carros elétricos baseada em baterias de lítio.
Os próprios EUA usam desde 1996 (antes mesmo que o primeiro carro flex brasileiro) veículos movidos à mistura etanol/gasolina. Lá, no entanto, apenas cerca de 10% do volume total de combustível consumido contém etanol, conforme dados de 2023 do governo americano (U.S. Department of Energy).
Aproximadamente 52 bilhões de litros de etanol foram adicionados a 519 bilhões de litros de combustível, distribuídos entre três tipos de mistura: E10, E15 e E85. A maioria dos veículos a gasolina vendidos nos EUA utiliza E10, que contém 10% de etanol. O E15 tem 15%, enquanto o E85, até 85% de álcool. Em termos práticos, não seria preciso muito para os EUA passarem a incentivar o uso do etanol, pois a tecnologia dos motores flex já é dominada por todas as grandes montadoras americanas.
Além disso, a aposta nos carros a etanol dispensaria a construção da caríssima infraestrutura de redes de carga para elétricos pelo extenso território americano, já que a rede de abastecimento atual, formada pelos postos de gasolina, utiliza a mesma logística e praticamente os mesmos equipamentos exigidos pelo etanol.
Em termos de uso do etanol na frota automóvel, o Brasil está bem à frente dos EUA. Mas, se pensarmos em estratégia nacional para a IA, temos alguns problemas, inclusive na oferta energética. O Brasil, certamente, teria problemas em aumentar a sua capacidade instalada para atender às grandes demandas de energia para o processamento de potentes data centers.
Além disso, ao contrário dos EUA, estamos vendo por aqui um estímulo ao uso do carro elétrico, o que sempre acabará por impactar de alguma maneira a rede de energia – principalmente num cenário de forte utilização da IA. E isso com uma produção local de etanol capaz de suprir as demandas do setor de automóvel e com vários benefícios, inclusive ambientais, em relação à solução elétrica.
Primeiro porque, ao contrário da mobilidade elétrica, o etanol não compete com fontes que podem ser usadas para a produção de energia elétrica, ajudando a estratégia de dedicar a rede para outros fins. Segundo, porque essa solução usa a rede de distribuição já instalada e acaba ficando bem mais barata que a solução elétrica. E terceiro, porque ela é ambientalmente melhor do que a alternativa elétrica, sequestrando carbono e demandando menos do meio ambiente, em contraste com os danosos efeitos da extração do lítio e do descarte das baterias.
Diante da atual corrida pela IA, que mobiliza diversos países e definirá o futuro da humanidade, e dos desafios energéticos associados, o Brasil deveria priorizar não um item imediatista e de consumo, como carros elétricos, mas um tema de longo prazo, estratégico e definidor do futuro, como o desenvolvimento da inteligência artificial.