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O Estado de São Paulo

Editorial

A Petrobras, dando sequência à guinada promovida pelo governo Lula em sua estratégia empresarial, pediu e obteve do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a anulação do compromisso de venda de metade de seu parque de refino, além da transportadora de gás TBG. O acordo, firmado em 2019, no governo Bolsonaro, havia sido desenhado pela própria área técnica da Petrobras, que sugeria a venda para extinguir um questionamento sobre atuação anticoncorrencial.
Poucas horas após a petroleira tornar público o pedido, a Superintendência-Geral do Cade manifestou-se a favor e recomendou voto favorável ao plenário, que aprovou o pedido dois dias depois. Ainda que a Petrobras tenha ressaltado, em comunicado, que as propostas apresentadas foram “fruto de amplo debate técnico” entre ambos, restou a desconfiança de que os interesses do governo de ocasião no controle da empresa prevaleceram, dado que a venda foi aprovada e também revertida com inaudita velocidade.
Desconfiança é o pior sinal a ser emitido por um organismo regulador de mercado. A legislação que criou o Cade estabelece, em seu parágrafo único, que “a coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta lei”. Com isso, impõe, de forma muito clara, que sua atuação deve garantir à sociedade acesso a um mercado de livre concorrência.
Não é – ou não deveria ser – função do Cade atender aos interesses de empresa A, B ou C, sejam eles quais forem, sem antes avaliar em detalhes em que medida esses interesses podem prejudicar o mercado e os consumidores. Dito isso, foi no mínimo questionável que uma reclamação contra a Petrobras feita pela Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom) há cinco anos tenha sido solucionada por um plano produzido pela própria Petrobras.
Na época, a reclamação parecia o que a gestão de Bolsonaro e o seu ministro da Economia, Paulo Guedes, precisavam para justificar a venda e reforçar o caixa, já que o Tesouro é também remunerado na transação. Além do mais, podendo escolher com quais refinarias pretendia permanecer, a companhia, por óbvio, manteve as mais rentáveis, sem objeção do Cade. A pandemia de covid e a insegurança que cercou a decisão fizeram com que apenas três das oito unidades postas à venda fossem de fato privatizadas. Agora, sob a gestão Lula da Silva, a empresa quer voltar atrás mesmo em relação às vendas efetuadas.
Alegando que a alienação das refinarias é um obstáculo ao processo de transição energética, a Petrobras propõe alternativas para garantir a concorrência que partem do pressuposto de que o Cade confia integralmente no bom comportamento da empresa – como o compromisso de fechar contratos com “estrita observância ao direito de concorrência”, divulgar em seu site as diretrizes comerciais e não discriminar refinarias independentes.
Aceitar negócios garantidos pelo fio do bigode não é exatamente o que se espera de um órgão antitruste. Conflitos concorrenciais deveriam ser solucionados com imparcialidade e rigor pelo Cade, e não, como parece ter sido, com resolução terceirizada a uma das partes envolvidas.

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