UDOP
por Leonardo Munhoz
Em 5 de fevereiro, o Partido Renovação Democrática (PRD) ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7596), questionando a Política Nacional de Biocombustíveis – o Programa Renovabio, criado com a Lei Federal 13.576/2017.
O programa conta metas de descarbonização, sendo que os distribuidores de combustíveis fosseis devem reduzir suas emissões por meio da compra de Créditos de Descarbonização (CBIos), incentivando o uso de biocombustíveis, especialmente o etanol (e.g., cana-de-açúcar e milho)
Na ADI 7596, o PRD argumenta que as exigências estabelecidas no Renovabio, obrigando as distribuidoras de combustíveis fósseis a comprovarem a redução de emissão de gases do efeito estufa, por meio do cumprimento de metas previstas na política, causa discriminação e fere os princípios de razoabilidade e isonomia dos agentes da cadeia de combustíveis, previstos na Constituição Federal.
O partido sustenta que a norma discrimina as distribuidoras de combustíveis fósseis, por serem as únicas empresas da cadeia produtiva a serem obrigadas a pagar por CBIOs para compensar a emissão de gases causadores do efeito estufa (GEEs). Acrescenta que o programa, da forma como foi estruturado, poderá refletir, inclusive, no aumento dos preços dos combustíveis, causando grave prejuízo para as distribuidoras.
A ação pretende a declaração da inconstitucionalidade do Programa Renovabio, com a sua descontinuidade, bem como, concessão de liminar para suspensão imediata das metas do programa. Atualmente, a ação tem como relator o Ministro Nunes Marques e se encontra conclusa com o ministro para análise. Esta ADI e seu julgamento no STF possuem diversas questões, com impactos diretos no programa, mercado, ordenamento jurídico e obrigações internacionais ambientais do Brasil.
A Política Nacional e Biocombustíveis, estabelecida com a Lei Federal 13.576/2017, é um grande marco regulatório brasileiro, dentro da agenda de transição energética, climática de sustentabilidade, uma vez que visa o fortalecimento da comercialização e uso dos biocombustíveis, com metas de descarbonização.
Ordenamento Jurídico Nacional
Inicialmente, o programa faz parte do ordenamento jurídico ambiental do Brasil, dentro da agenda climática nacional, com a Lei Federal 12.187/2009 – A política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC). A PNMC constitui a política central brasileira do clima, a qual tem como base a própria constituição Federal, no artigo 225, estabelecendo o meio ambiente saudável como um direito de todos, presentes e futuras gerações.
Nesse sentido, a PNMC tem como diretriz a redução de emissão de gases de efeito estufa e a descarbonização da economia brasileira, com a redução do uso dos combustíveis fósseis.
Adicionalmente, o Renovabio também tem relação com normas de cunho financeiro, já que se trata de uma forma de tutela ambiental baseada em um mecanismo de mercado, tendo como principal instrumento a transação de créditos de descarbonização (CBios). Isso já pode ser evidenciado nas novas normativas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com o movimento de tornar os CBios ativos para lastro de Certificado de Recebíveis em fundos de investimentos (Resolução CVM 175/2022).
A redução do uso de combustíveis fósseis também faz parte do novo plano do governo de Transformação Ecológica, lançado recentemente na COP 28 no final de 2023.
Esse plano pretende a criação de uma nova economia brasileira com bases sustentáveis, por meio de 7 eixos centrais, entre eles: financiamento sustentável, adensamento tecnológico, bioeconomia, economia circular, adaptação às mudanças climáticas e transição energética.
O Renovabio orbita este plano, uma vez que a redução do uso de combustíveis fósseis, por meio da transação de CBios, tem ligação direto com os eixos de financiamento, mudanças climáticas e transição energética.
Portanto, o Renovabio faz parte de um ordenamento regulatório ambiental nacional, alinhando e sistemático, assim, questionamentos no programa e na sua lei causam assincronia de normas e rompimento de segurança jurídica – se trata de um sistema regulatório amplo e completo.
Obrigações em Tratados Internacionais
O Renovabio também faz parte de um contexto de Direito Internacional. O Brasil é signatário da Convenção Quadro Clima das Nações Unidas (UNFCCC) e de seus protocolos, em especial o Acordo de Paris. Dentro do Acordo de Paris, o Brasil, por meio da sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), se comprometeu em reduzir suas emissões por meio de 3 pilares centrais: combate ao desmatamento, implementação do Código Florestal e uso dos biocombustíveis.
Nesse sentido, deve-se destacar que esses instrumentos compõem tratados internacionais, ou seja, fontes de direito vinculante, criando obrigações legais para o Brasil internacionalmente.
Também, na última COP do Clima, a COP 28, as Partes acordaram com o texto do Global Stocktake. Se trata de um documento dentro do escopo do Acordo de Paris (artigo 14), com o intuito de conduzir um processo de balanço da implementação do Acordo de Paris e das NDCs, sendo que as Partes na COP 28 acordaram expressamente na pela redução gradual do uso dos combustíveis fósseis no mundo.
Com isso, o Renovabio faz parte de obrigações vinculantes do Brasil como parte signatária desses tratados. Assim, a descontinuidade do programa implicaria em descumprimento de tradados internacionais a atraso de implementação dessa agenda.
Experiências no Direito Comparado
Por fim, o Renovabio também pode analisado do ponto de vista do Direito Comparado. A meta de descarbonização e redução do uso de combustíveis fósseis está sendo perseguida por diversos outros países, levando a criação de sistemas semelhantes com relação à transição energética de suas respectivas matrizes. Como, por exemplo, na União Europeia, o European Green Deal tem o propósito de neutralidade climática dos países do bloco até 2025 e descarbonização em 55% até 2050.
Este possui diversos pilares de sustentabilidade, em especial a redução de emissões e uso de combustíveis fósseis. Para isso, fora os investimentos em energias renováveis e limpas a serem feitos pelo bloco, de forma complementar, este conta com o seu mercado de carbono regulado, o European Union Emission Trade System (EU-ETS) – Diretiva 2003/87.
Se trata de um sistema cap and trade para redução de emissões, em que setores selecionados (Anexo I Diretiva 2003/87) são obrigados a cumprir a meta estabelecida pelo sistema (cap) e, caso ultrapassem esse limite, devem compensar por meio da compra de créditos de carbono.
Nesse sentido, recentemente o EU-ETS foi emendando para contemplar as diretrizes do European Green Deal, com o ETS 2, agora englobando combustão de combustíveis fosseis em prédios, transporte rodoviário entre outros (setores adicionais), assim, também contemplando os distribuidores de combustíveis fósseis. Essa alteração tem como foco regular o início da cadeia de combustíveis fósseis e não o consumidor final (i.e., “emissions upstream”).
Essas novas emendas ao EU-ETS vão vigorar a partir de 2027. Adicionalmente ao EU-ETS e European Green Deal, os Estado Unidos também possui sistemas regulatórios e programas para redução de combustíveis fósseis, como o seu Green Deal, composto por normas nacionais como o Renewable Fuel Standard; Energy Policy Act, Energy Independent Act e o United States Inflation Reduction Act.
Conforme observado em exemplo de direito comparado, na União Europeia, a regulação determina setores e agentes específicos a serem obrigados em participar de um programa cap and trade de redução de emissão de gases e uso de combustíveis fósseis. Neste sentido, o Renovavbio estabelecendo que os distribuidores de combustíveis fosseis sejam obrigados a adquirir CBios e respeitarem metas é semelhante.
O Estado tem competência legislativa para desenhar estruturar regulatórias de mercado para preservação ambiental (inclusive prevista na Constituição Federal no seu artigo 24), listando setores específicos, de forma que a proteção do bem comum, neste caso o meio ambiente, seja possível. O princípio da isonomia nesse caso aplica-se ao direito de todos em ter um meio ambiente preservado.
Dessa forma, a argumentação presente na ADI 7596, com base na falta de isonomia e discriminação dos distribuidores de combustíveis fósseis, não tem amparo tanto no ordenamento jurídico nacional, como internacional e comparado. Questionamentos judiciais acerca da sua constitucionalidade somente criam insegurança jurídica, incerteza de mercado e atrasos na agenda de transição energética e mudanças climáticas do Brasil.
Por Leonardo Munhoz. Advogado e pesquisador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas. Doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).
Fonte: Money Times