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Elemento químico mais abundante no universo, o hidrogênio pode ser usado como combustível – mas sua geração implica na liberação de gás carbônico, o que o torna uma alternativa não sustentável. O hidrogênio verde surge como uma alternativa que agride menos o meio ambiente, mas transportá-lo por longas distâncias ainda é um desafio que o Brasil pode estar cada vez mais perto de superar.
O hidrogênio como combustível é considerado uma peça importante para o futuro neutro em carbono. Porém, não é tão fácil assim. Para que isso se torne realidade, é preciso que o elemento químico seja gerado a partir de fontes específicas. Além disso, seu transporte por longas distâncias é outra questão enfrentada pelo setor, já que é um processo caro e complicado.
O hidrogênio é classificado por “cores”, de acordo com sua fonte de geração e sua relação com a emissão de carbono na atmosfera. Julio Meneghini, diretor-científico do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), sediado na Escola Politécnica da USP, explica as nomenclaturas:
Hidrogênio cinza
O hidrogênio cinza é obtido a partir da queima de combustíveis fósseis, principalmente gás natural, o metano. Segundo o Escritório de Eficiência Energética e Energia Renovável, 95% de todo o hidrogênio produzido mundialmente vem do gás natural.
Essa categoria é a mais poluente para o meio ambiente. Isso porque sua produção libera e acrescenta gás carbônico na atmosfera, um dos responsáveis pelo efeito estufa.
Hidrogênio azul
Já na produção do hidrogênio azul, apesar de ser gerado a partir dos combustíveis fósseis, todo o gás carbônico produzido é captado e armazenado. “Você garante que ele fique no reservatório estocado, porque não tem função nenhuma. Pode até ser que surjam outras funções, desde que ele não vá parar na atmosfera”, explica Julio Meneghini.
O hidrogênio azul é considerado uma fonte de energia limpa, apesar de existirem controvérsias.
Hidrogênio verde (convencional)
Ao contrário dos anteriores, o hidrogênio verde não é gerado pela queima de combustíveis fósseis. Neste caso, ele é produzido a partir da eletrólise – ou seja, um processo eletroquímico que, através de uma corrente elétrica, usa a água para separá-la em seus dois elementos: oxigênio (liberado na atmosfera) e hidrogênio (captado). A emissão de carbono é zero.
Esse processo exige fontes de energia limpas como solar, hídrica ou eólica.
Superada a questão ambiental, outra problemática fica evidenciada: o transporte do gás. Sob a forma gasosa, sua distribuição precisa ser feita via terrestre ou marítima. Para longas distâncias, é preciso comprimir ou liquefazer o hidrogênio, dificultando a ação.
Hidrogênio “verde e amarelo”
A partir dessa problemática, surge o chamado hidrogênio “verde e amarelo”, que está em fase de projeto de pesquisa e desenvolvimento em solo brasileiro – daí o nome. Ao invés de ser produzido a partir da eletrólise, o novo hidrogênio que está sendo desenvolvido surge a partir do etanol, principalmente.
Apesar de liberar gás carbônico em sua produção, segue sendo considerada uma alternativa sustentável. Julio Meneghini explica: “O carbono que tem na fórmula química do etanol é um carbono de biomassa, que não tem origem fóssil, mas sim na cana-de-açúcar, do processo de crescimento da planta”.
Isso quer dizer que o gás carbônico liberado na produção do novo hidrogênio verde brasileiro, de certa forma, já existia e circulava na atmosfera, não trazendo nenhum novo impacto ao meio ambiente.
“Se esse carbono for liberado para a atmosfera, não está adicionando CO2. Ele estará em uma questão circular, já que depois vai ser recapturado pela cana-de-açúcar para atuar no crescimento dela, através da fotossíntese”, explica o professor.
Testes devem começar no próximo ano
Para que esta opção seja considerável viável, um projeto pioneiro está construindo a primeira estação experimental de abastecimento de hidrogênio renovável do mundo a partir do etanol na Cidade Universitária da USP. A previsão é que as obras terminem no segundo semestre do ano que vem e que os primeiros testes já iniciem.
Esse projeto contou com o investimento de R$ 50 milhões da Shell Brasil, tendo como um dos parceiros o Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa da USP.
Na primeira fase, serão produzidos 4,5 kg de hidrogênio por hora, aproximadamente o suficiente para abastecer um ônibus. Os veículos foram cedidos pela EMTU/SP e vão circular exclusivamente dentro da cidade universitária, além de um veículo movido a hidrogênio cedido pela Toyota.
A partir da validação desse projeto, o objetivo é comercializar o equipamento que faz essa conversão, não o hidrogênio produzido. Daí, o Brasil exportaria o etanol produzido e os outros países poderiam, eles próprios, produzir seu hidrogênio – já que transportar líquido é mais fácil e barato.
Processo de produção de hidrogênio a partir do etanol
“Exportar etanol é muito mais simples e barato do que exportar hidrogênio. É mais complicado e mais caro fazer esse transporte. Nossos portos ja têm terminais de etanol, assim como os da Europa”, explica Alexandre Breda, gerente de Tecnologia de Baixo Carbono da Shell Brasil.
Até lá, porém, há muito chão pela frente.
“Nosso objetivo é posicionar o etanol como provedor do hidrogênio. A gente quer trazer mais uma opção nesse mundo de transição energética. Não é a solução para o mundo,todas as tecnologias são necessárias e queremos colocar o etanol também nesse cardápio”, explica Alexandre Breda.
Por que usar o etanol para fazer outro combustível?
O etanol já é um combustível. Por que, então, usá-lo para produzir outro?
Segundo explica o professor Julio Meneghini, isso tem uma razão baseada na eficiência dos elementos como combustível.
“Os números mostram que nossas eficiências com o novo hidrogênio serão maiores que queimar o etanol, vai render por volta de 20% a mais. Além disso, é muito mais sustentável em sua queima, porque emite somente vapor de água”, explica.
Enquanto isso, o etanol ainda emite gases de efeito estufa durante seu uso como combustível, mesmo que em menor quantidade em comparação com outros combustíveis fósseis, como a gasolina.
Fonte: Valor Econômico