Tribuna da Bahia
‘A indústria, tanto no Brasil como na Bahia, tem perdido sua participação dentro da economia’, diz presidente da Fieb
Em entrevista exclusiva à Tribuna da Bahia, o presidente da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), Carlos Henrique Passos, traçou um panorama das expectativas e desafios que a indústria baiana enfrentará em 2025. Segundo ele, apesar das dificuldades globais e regionais, a economia baiana tende a crescer 2,2% no próximo ano, com a indústria registrando um crescimento moderado. As projeções indicam expansão de 3% para a Indústria de Transformação, 2,5% para a Construção Civil e 3,5% para a Indústria Extrativa.
À reportagem, Carlos Henrique destacou, porém, que as incertezas econômicas internacionais, como a desaceleração da economia chinesa e os impactos da guerra da Ucrânia e do conflito Israel-Hamas, devem influenciar diretamente o desempenho da indústria baiana. O setor petroquímico, por exemplo, enfrenta uma difícil competição com produtos importados a preços mais baixos. Para mitigar esses desafios, o presidente da Fieb sugeriu uma intensificação dos investimentos em inovação e tecnologia, bem como a melhoria da infraestrutura logística no estado, especialmente portuária e ferroviária.
A alta taxa de juros e os produtos importados também são questões centrais. Passos afirmou que a atual taxa de juros real no Brasil, uma das mais altas do mundo, tem dificultado a recuperação econômica do setor produtivo, sugerindo um alinhamento mais eficaz entre as políticas fiscal e monetária como uma solução. Ele também ressaltou a importância de diversificar mercados, principalmente através de uma maior inserção em setores como energias renováveis e agronegócio.
Confira a entrevista na íntegra:
Tribuna – Qual a expectativa para a indústria baiana em 2025?
Carlos Henrique Passos – A nossa expectativa é que a economia baiana deve crescer 2,2% em 2025. O setor industrial também seguirá em crescimento, porém em ritmo mais lento do que no ano passado, com perspectiva de incremento de 3,0% na Indústria de Transformação; de 2,5% na Construção Civil; de 3,5% na Indústria Extrativa; e de 2,0% nos Serviços Industriais de Utilidade Pública.
Tribuna – O que pode ser feito para superar a desaceleração prevista no crescimento da indústria baiana em 2025?
Carlos Henrique Passos – Essa desaceleração reflete o impacto de incertezas nos cenários local, nacional e internacional. Em 2025 o setor industrial baiano será impactado pelo panorama econômico internacional pouco favorável, influenciado pela desaceleração do mercado chinês e as tensões no mercado do petróleo impactado pela Guerra da Ucrânia e pelo conflito entre Israel e Hamas. Outro fator que traz incerteza é o início do governo Trump nos Estados Unidos, com ameaça de elevação de tarifas de importação de manufaturados e o acirramento das tensões comerciais. Um exemplo desses impactos é enfrentado pelo setor de Petroquímica, que passa por um ciclo de baixa dos preços em nível internacional, com invasão dos importados no mercado nacional. Para superar a desaceleração, no médio prazo, é necessário intensificar investimentos em inovação e tecnologia, além de melhorar a infraestrutura logística, especialmente portuária e ferroviária, o que é essencial para a competitividade da indústria baiana. Também precisamos fortalecer a capacitação da mão de obra, adaptando-a às novas demandas do mercado e à digitalização dos processos produtivos. Outro ponto importante é a criação de incentivos e linhas de crédito atrativas para as empresas que desejam expandir ou modernizar suas operações. Além disso, é fundamental fomentar a diversificação da matriz industrial, promovendo a integração com setores estratégicos como energias renováveis e agronegócio, que têm grande potencial de crescimento no estado. O diálogo entre o setor público e privado também deve ser intensificado para garantir que as políticas públicas atendam às necessidades reais da indústria, criando um ambiente de negócios mais favorável ao desenvolvimento sustentável e ao aumento da competitividade.
Tribuna – Quais estratégias a Fieb sugere para mitigar o impacto da taxa de juros reais elevada no setor produtivo?
Carlos Henrique Passos – A taxa de juros real no Brasil, acima de 8% ao ano, está entre as mais altas do mundo, configurando um aperto monetário desnecessário que prejudica a recuperação econômica e amplia os desafios enfrentados pelo setor produtivo, induzindo a redução de investimentos e gerando perda de competitividade. Um caminho para mitigar esse impacto passa por um maior alinhamento entre as políticas fiscal e monetária, de forma a diminuir as pressões inflacionárias, contribuindo para um ambiente econômico mais estável e equilibrado, necessário para impulsionar o crescimento.
Tribuna – Como a Fieb avalia o impacto do mercado chinês na indústria baiana?
Carlos Henrique Passos – O mercado chinês tem um impacto significativo na indústria baiana, tanto como um destino importante para nossas exportações, quanto como um fornecedor estratégico de insumos industriais. A China é um dos principais parceiros comerciais da Bahia, especialmente em setores como mineração, celulose e produtos químicos. No entanto, esse impacto apresenta desafios e oportunidades. Por um lado, a alta demanda chinesa por commodities favorece o desempenho de indústrias exportadoras, como a de mineração e agronegócio. Por outro lado, a concorrência com produtos manufaturados chineses exige que as empresas baianas invistam em inovação, qualidade e diferenciação para se manterem competitivas. Além disso, flutuações previstas na economia chinesa, como mudanças no crescimento do PIB ou políticas de importação, podem afetar diretamente o desempenho de nossas indústrias. Por isso é essencial diversificar mercados e fortalecer cadeias produtivas locais para reduzir a dependência excessiva de qualquer parceiro comercial e criar mais valor agregado nos produtos exportados.
Tribuna – Apesar da Bahia liderar no Nordeste, o que impede um crescimento mais robusto no setor industrial local? Quais os principais gargalos?
Carlos Henrique Passos – A indústria, tanto no Brasil como na Bahia, tem perdido sua participação dentro da economia. Há pelo menos duas décadas o estado passa por um processo de redução da sua atividade industrial decorrente de uma série de fatores que impactam a nossa competitividade, no que se costuma chamar de “Custo Brasil” – deficiência da infraestrutura, elevada carga tributária e taxa de juros, baixa qualidade da educação e da mão de obra disponível, etc. No caso da infraestrutura, por exemplo, estamos agora enfrentando um grande desafio com a proposta de renovação da concessão da Ferrovia Centro Atlântica [FCA] pela empresa VLI, por mais 30 anos. Importante ativo da infraestrutura do Brasil, que desempenha papel crucial na integração das regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste, essa ferrovia conecta o interior do país aos principais portos do litoral, sendo a única ligação ferroviária do Nordeste para o Sudeste. Na Bahia, a modernização de todos os trechos da FCA é essencial para que o Brasil tenha uma opção de baixo custo de movimentação de cargas com o aproveitamento do complexo portuário de Aratu, que está em um dos melhores sítios portuários do mundo. A despeito dos graves problemas de manutenção da malha ferroviária no estado, o desenvolvimento econômico da Bahia não parou, tendo ocorrido crescimento da mineração, do agronegócio e de várias atividades industriais que hoje necessitam recorrer quase que integralmente ao modal rodoviário, mas que poderiam ser usuários da FCA. Outro fator fundamental para o desenvolvimento econômico é a educação, pois uma população bem-educada é capaz de impulsionar a inovação e aumentar a produtividade. Por isso é fundamental investir em programas de qualificação e requalificação profissional, alinhados com as demandas do mercado, para preparar nossa força de trabalho para os desafios do futuro. Além dessas questões estruturais, as empresas industriais precisam se ajustar às tendências globais, investir na inovação e na renovação dos portifólios, na descarbonização de processos e produtos. É preciso apostar na chamada Indústria 4.0, da tecnologia embarcada, na internet das coisas, entre outras vertentes, que podem as tornar aptas a participar ativamente de novas cadeias globais de valor.
Tribuna – Os produtos importados, especialmente da China, prejudicam os segmentos locais?
Carlos Henrique Passos – Os produtos importados, especialmente os de origem chinesa, podem trazer desafios significativos para os segmentos locais, principalmente devido à competitividade de preços. A China possui uma capacidade de produção em larga escala e uma estrutura de custos muitas vezes inferior, o que resulta em produtos mais baratos no mercado brasileiro. Isso pode prejudicar segmentos locais, especialmente pequenas e médias empresas, que enfrentam dificuldades para competir com esses preços. No entanto, a questão vai além do preço. A entrada de produtos importados pode incentivar as indústrias locais a buscarem maior eficiência, inovação e diferenciação. O desafio está em criar políticas públicas que protejam os setores mais vulneráveis sem prejudicar a competitividade geral do mercado. Medidas como incentivo à modernização industrial, melhoria da infraestrutura logística, capacitação de mão de obra e estímulo à produção de bens com maior valor agregado são essenciais. Além disso, é necessário intensificar o combate à importação de produtos que não atendem aos padrões regulatórios brasileiros, garantindo uma concorrência justa e equilibrada.
Tribuna – Que tipo de políticas públicas ou incentivos seriam mais eficazes para fortalecer a competitividade das indústrias baianas?
Carlos Henrique Passos – Para fortalecer a competitividade das indústrias baianas, seria necessário implementar um conjunto de políticas públicas e incentivos que promovam a inovação, a qualificação da mão-de-obra, a infraestrutura e o acesso a mercados. Em primeiro lugar, programas de capacitação profissional focados nas demandas específicas das indústrias locais seriam cruciais para enfrentar a escassez de trabalhadores qualificados. Parcerias entre o setor público, o Sistema Fieb e instituições de ensino técnico e superior podem acelerar esse processo. Outro aspecto importante é a ampliação dos incentivos a competitividade para empresas que investem em tecnologia, pesquisa e desenvolvimento, especialmente em setores estratégicos como o químico, petroquímico, energia renovável, construção civil e agroindústria. Isso permitiria às indústrias locais aumentarem sua eficiência e competir em mercados nacionais e internacionais. Além disso, políticas que promovam a infraestrutura logística, como melhorias em portos, rodovias e ferrovias, são essenciais para reduzir custos de transporte e facilitar a exportação. Por fim, fomentar a internacionalização das indústrias baianas, através de incentivos à exportação e à atração de investimentos estrangeiros, ajudaria a diversificar mercados e fortalecer a posição do estado na economia global. Políticas integradas que combinem esses aspectos são as mais eficazes para garantir o desenvolvimento sustentável e competitivo do setor industrial na Bahia.
Tribuna – Há hoje uma alta rotatividade da mão-de-obra. Por que isso ocorre? Quais os impactos disso para a indústria?
Carlos Henrique Passos – A alta rotatividade da mão-de-obra, em qualquer setor produtivo, ocorre devido a uma combinação de fatores estruturais e conjunturais. Um aspecto importante para isso é a taxa de desemprego. Geralmente, a alta rotatividade é maior em lugares onde o desemprego é baixo. No caso da Bahia, embora o estado venha registrando queda na taxa de desemprego, ainda temos a segunda maior taxa do país, com 9,7%, de acordo com o IBGE, atrás apenas de Pernambuco, com 10,5%. Aí precisamos levar em conta outro aspecto, que é a escassez de trabalhadores qualificados, que cria uma dinâmica onde profissionais qualificados são disputados pelas empresas, levando a um maior turnover. Os impactos da alta rotatividade de mão-de-obra são significativos para as indústrias. A saída frequente de trabalhadores qualificados aumenta os custos operacionais, devido à necessidade constante de recrutamento, treinamento e integração de novos funcionários. Além disso, afeta a produtividade e a qualidade dos produtos e serviços, já que o tempo de adaptação dos novos colaboradores interfere nos processos. Para enfrentar esse desafio, a indústria precisa investir em programas de capacitação e retenção, buscando alinhar as demandas do mercado com as qualificações da força de trabalho local.
Tribuna – Que setores da indústria baiana apresentam maior potencial de crescimento em 2025?
Carlos Henrique Passos – Há a expectativa de retomada da produção de automóveis na Bahia, com a inauguração da fábrica da BYD em Camaçari, prevista para o primeiro semestre, que deverá ter um impacto positivo na economia, com o anúncio de geração de 10 mil postos de trabalho e renda. Outro segmento industrial com horizonte mais positivo é a Construção Civil, apesar da elevação da taxa de juros, que deve inibir as vendas no mercado imobiliário, pois há a expectativa de ampliação de obras do Programa Minha Casa, Minha Vida e alguns investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Também devem crescer, embora em ritmo não muito intenso, os segmentos voltados para a produção de bens finais, como Alimentos, Bebidas, Couros e Calçados, Têxteis, Vestuário e Informática, Eletrônicos e çpticos e Móveis.
Tribuna – Como a Fieb avalia o papel das energias renováveis no futuro da indústria baiana?
Carlos Henrique Passos – Por suas características, a Bahia e o Nordeste estarão no centro do próximo ciclo de crescimento brasileiro e têm atraído investimentos devido ao potencial para produção de energias renováveis. Dados do Observatório da Indústria da Fieb apontam que a Bahia deve receber cerca de R$ 30 bilhões na área de energias renováveis até 2030, o que demonstra o grande potencial do estado para se firmar como um líder nacional na área. Há investimentos neste setor que podem causar grandes impactos aqui no estado, dentre os quais se destaca a produção biorrefinaria de diesel e querosene verdes da Acelen. O investimento estimado é de cerca de R$ 13 bilhões, sendo cerca de R$ 2 bilhões somente para pesquisa e desenvolvimento. Caso seja concretizado, toda a cadeia de refino será beneficiada. A grande aposta está na produção do SAF (Combustível Sustentável de Aviação), que será produzido a partir de recursos renováveis, em um primeiro momento com o óleo de soja e em seguida com o óleo extraído da macaúba. Destaca-se, ainda, a parceria entre a Shell, o Senai Cimatec e a Unicamp com o programa Brave [Brazilian Agave Development ou Desenvolvimento da Agave, traduzido], que visa explorar o potencial da Agave como fonte de biomassa para a produção de etanol, biogás e outros produtos. Esses empreendimentos são portadores de futuro e ganharam mais impulso com a aprovação e entrada em vigor da ‘Lei do Combustível do Futuro”, que cria os programas nacionais de diesel verde, de combustível sustentável para aviação e de biometano. Essa nova legislação fará com que toda a cadeia de produção de combustíveis renováveis seja alavancada. Outro marco favorável à atração e expansão de investimentos em energias renováveis para a Bahia foi a aprovação da Lei nº 25.542/2024, que estabelece a Política e o Programa Estadual de Transição Energética [Protener], criando um arcabouço legal favorável à atração e expansão de investimentos em geração de energias renováveis e de baixo carbono. Além de promover o desenvolvimento sustentável, a lei também proporciona segurança jurídica aos investidores, criando um ambiente mais estável e atrativo para novos projetos.