No Rio, CV e PCC fazem acordo e avançam para os mercados de internet e combustível

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 Para ingressar nos negócios da economia formal, os criminosos aproveitam brechas em legislações.

 O Globo Online

Se há dúvidas sobre suposta união entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) no tráfico de drogas e armas, ao menos em duas atividades econômicas investigações apontam que essas facções criminosas mantêm um pacto estratégico: cada uma respeita o mercado da outra. Enquanto a organização paulista estendeu seus tentáculos para o Rio na exploração de combustíveis do furto em dutos de petróleo até a venda do produto adulterado nas bombas dos postos , os traficantes fluminenses atuam no monopólio do serviço de internet, criando suas próprias empresas em nomes de laranjas.

Para ingressar nos negócios da economia formal, os criminosos aproveitam brechas em legislações. Por exemplo, para montar uma empresa que preste serviços como provedor de internet com até 5 mil clientes ativos, não é necessário a outorga da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Ou seja, eles ingressam nesse setor de forma legal.

Característica de máfias’

O secretário Nacional de Segurança Pública, Mario Sarrubbo, afirmou ao GLOBO que há um acordo tácito entre PCC e CV, que, em sua avaliação, já atingiram o patamar de máfias.

Já classificamos essas grandes facções não mais como mero crime organizado. Elas já são máfias pelas características que apresentam. Essa consciência é importantíssima. A única resposta que o Estado brasileiro pode dar é se organizando. E é o que estamos fazendo garante Sarrubbo.

Segundo o secretário, há sinais de que essas máfias estão firmando acordos, demonstrados justamente em ramos como a exploração de combustíveis e internet:

O PCC tem histórico de manter atividades econômicas. Em tese, é menos violento e busca estruturar-se como um grande negócio. Diferentemente, o CV sempre foi pautado muito mais pela violência, apesar de também ter negócios. No entanto, eles se aproveitam do terror para explorá-los em seus territórios. É o caso da internet. Essas informações estão no radar das forças de segurança em nível nacional.

Em março, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, defendeu a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Segurança Pública, na qual as polícias das três esferas passariam a trabalhar de maneira integrada no combate ao crime organizado, justamente para frear essas máfias. A PEC foi entregue ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Hugo Motta. A informação foi debatida no evento Caminhos do Brasil, promovido pelos jornais O GLOBO e Valor Econômico, além da rádio CBN. O ministro disse que o crime passou a ser nacional e transnacional, daí necessidade de interferência do governo federal.

A entrada dos grupos criminosos em determinadas atividades econômicas permite que lucrem sem correr riscos como no tráfico de drogas, na opinião do secretário de Segurança Pública do Rio, Victor Santos:

Como a exploração do combustível é a maneira de o PCC auferir lucro em São Paulo e, agora, no Rio, o CV elegeu a internet como o seu atrativo número um. Então, tem que explorar serviços que deem lucro, e todo mundo precisa. É um dinheiro sem esforço. Se tem operação na favela, não tem venda de droga, então dá prejuízo para eles. Mas a internet continua funcionando e, o pior, com aparência de negócio lícito.

O secretário ressaltou que o PCC e o CV agem nas falhas da regulamentação.

Uma comunidade de 50 mil moradores, eles abrem 10 empresas sem outorga. Estamos fazendo um mapeamento delas. A maioria dessas empresas está em área do CV. Há provedores que estão em nome de parentes de criminosos ou laranjas afirma Santos, lembrando que o governo federal pretendia universalizar o acesso à internet, mas as quadrilhas se aproveitaram da situação.

Dispensa de outorga

Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), há 890 empresas de banda larga dispensadas de outorga no estado e 820 prestadoras de banda larga fixa outorgadas. A agência informou que, sem necessidade legal da permissão, as pequenas prestadoras devem ser registradas e cumprir a lei e os regulamentos vigentes para empresas desse tipo.

O delegado Pedro Brasil, titular da Delegacia de Defesa dos Serviços Delegados (DDSD), investiga crimes praticados pelas duas facções. Sobre a internet administrada pelo tráfico, informa que, em 2024, a Polícia Civil registrou 210 ocorrências, e, no primeiro trimestre deste ano, já são 90.

A exploração de internet pelo CV virou a nova boca de fumo. Em toda comunidade tem afirma Brasil.

As investigações sobre furto e fraude de combustíveis também estão a cargo da DDSD. Na semana passada, a polícia interditou dois postos sem licença da Agência Nacional do Petróleo e que vendiam combustível adulterado. Documentos e máquinas de cartão foram apreendidos para análise. O delegado suspeita que os postos sejam do PCC para lavagem de dinheiro:

O PCC pratica crimes ligados ao abastecimento de combustível há muito tempo em São Paulo. Desde o ano passado, investigamos a atuação deles no Rio. Muitas transações são feitas em espécie, para lavar o dinheiro do tráfico de drogas e armas.

Outra investigação dessa delegacia revelou que até bicheiros estariam explorando o chamado ouro negro. Vinicius Drumond, filho do falecido contraventor Luiz Pacheco Drumond, o Luizinho, patrono da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense, é investigado por integrar uma quadrilha que furta petróleo de dutos, não só no Rio, mas até na Bahia. Em fevereiro, foram cumpridos mandados de busca e apreensão na casa dele.

Relatório divulgado há dois meses pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) aponta que o setor de combustíveis lidera a lista de atividades exploradas pelo crime organizado. Em 2024, o faturamento foi de R$ 61,5 bilhões, ou 41,8% da receita dessas quadrilhas. Anualmente, são 13 bilhões de litros comercializados ilegalmente.

Infiltrados na economia

Esse volume seria suficiente para abastecer toda a frota de veículos do país por três semanas. O pesquisador Nivio Nascimento, assessor internacional do FBSP, alerta para a atuação das facções.

O que observamos de novo é o avanço das facções, que antes tinham negócios mais restritos a mercadorias ilegais. Agora, elas se infiltraram de diversas maneiras na cadeia lícita. E o combustível é o mais afetado dentre os quatro produtos da nossa pesquisa, que inclui ouro, cigarro e bebidas afirma Nivio.

Emerson Kapaz, presidente do Instituto Combustível Legal (ICL), diz que a entidade, representantes do setor e da segurança pública buscam soluções:

As organizações criminosas se especializaram e atuam em todos os elos da cadeia. Vão do poço ao posto: furtam petróleo dos dutos, cometem fraudes fiscais, adulteram o produto e ainda lesam o consumidor na bomba. No país, o rombo anual com a sonegação de impostos é de R$ 14 bilhões.

Em nota, a Transpetro informou que adotou medidas que resultaram na redução de 90% nos furtos de dutos nos últimos cinco anos. Ressaltou ainda que se preocupa com acidentes em decorrência desse crime, uma vez que os dutos atravessam áreas habitadas, com riscos para o meio ambiente.

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