G1
A partir desta sexta-feira (1º) o óleo diesel comprado nos postos de combustíveis terá o maior percentual de biocombustível já praticado no país, com uma mistura de 14% de biodiesel.
A adição de biodiesel é uma política nacional. As distribuidoras de combustível são obrigadas a comprar o biodiesel para misturá-lo ao diesel de origem fóssil, comprado nas refinarias ou importado. O combustível vendido nos postos, chamado de diesel B, é o produto dessa mistura.
Como o biodiesel é mais caro, o preço do óleo diesel nas distribuidoras (etapa anterior aos postos de combustível) deve aumentar cerca de R$ 0,02, segundo especialistas ouvidos pelo g1.
O preço final para o consumidor, segundo os analistas, é mais difícil de estimar, porque envolve outros fatores, como a margem de lucro dos revendedores.
O governo busca aumentar a proporção de biodiesel por se tratar de um combustível menos poluente e por essa ser uma pauta importante para o agronegócio (biodiesel pode ser feito de óleo de soja, por exemplo).
O óleo diesel vendido a partir desta sexta, portanto, passa a emitir um pouco menos de gases poluentes. Por outro lado, fica mais caro nas distribuidoras.
Há um projeto em discussão no Congresso que prevê aumentar gradativamente a proporção de biodiesel na mistura (veja mais abaixo).
Impactos no preço
O aumento de 12%, praticado até então, para 14% de biodiesel deve ter pouco impacto no preço do diesel B, afirmam especialistas consultados pelo g1.
Segundo projeção da Leggio Consultoria, o aumento no preço do diesel B será de 0,6%, sem considerar impostos e custo de distribuição.
“Hoje, o biodiesel está cotado a um preço cerca de 30% maior que o diesel, mas o volume representa apenas 14% do total do produto. Portanto, o efeito sobre o preço da mistura não é tão forte. Outro efeito da medida é a contribuição para a redução da emissão de gases do efeito estufa”, explica Marcus D’Elia, sócio da Leggio.
Para o especialista em combustíveis da consultoria Argus, Amance Boutin, o preço pode aumentar entre R$ 0,01e R$ 0,02 por litro.Essa projeção considera o preço na distribuidora de combustíveis –etapa anterior à venda nos postos.
Boutin explica que o custo logístico de levar o diesel B da base de distribuição até os postos e a margem de lucro do revendedor são fatores mais difíceis de precificar.
“O comportamento do preço na bomba vai depender de outros fatores também. Se amanhã tem aumento do diesel pela Petrobras, é claro que vai embaralhar um pouco, vai ficar mais difícil, ou também o revendedor pode optar por aproveitar para aumentar. Isso a gente não tem visibilidade”, explica.
De acordo com a Argus, o preço do biodiesel caiu 22,4% desde fevereiro de 2023, por causa da redução no valor da principal matéria-prima para o biodiesel, o óleo de soja.
“Estamos com um cenário bom para o governo, que é propício para se fazer essa mistura. Como se pode ver, estamos falando de entre um a dois centavos por litro [de aumento], é pouca coisa. Se tivesse sido feito em algum outro momento, talvez a pressão inflacionária tivesse sido maior”, conta Boutin.
Expectativas do setor
No final de dezembro, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) antecipou o aumento da mistura para 14% a partir de 1º de março –a maior proporção já praticada no país.
Em 2023, vigorou o percentual de 10% de biodiesel misturado ao diesel entre os meses de janeiro e março, e de 12% no restante do ano.
Nesse período, as distribuidoras de combustíveis venderam mais de 60 bilhões de litros de diesel B, contendo 7,4 bilhões de litros de biodiesel –o suficiente para encher 2.880 piscinas olímpicas. Os dados são da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a pedido do g1.
A expectativa do setor é que a demanda por biodiesel aumente entre 21% e 22% para suprir o aumento da mistura a partir desta sexta-feira (1º), afirma o diretor de Biodiesel do grupo Delta Energia, Silvio Roman.
“Infelizmente, com esse atraso que teve para a chegada do B14 [14% de biodiesel], o mercado ficou muito ocioso. Hoje com o B12 [12% de biodiesel, em vigor até quinta-feira], temos quase que o dobro de oferta perante a demanda”, afirmou.
Idas e vindas da mistura
O cronograma original previa que a mistura de biodiesel chegasse a 14% em 2022. Mas o plano foi adiado por decisões do CNPE que visavam reduzir o preço do diesel B na bomba, em meio à alta no valor dos combustíveis em 2021 e 2022.
O percentual estava em 13% em abril de 2021 e foi reduzido a 10% durante a maior parte do ano. Depois, em 2022, o CNPE decidiu manter a mistura ao longo do ano e no início de 2023.
Nos primeiros meses de mandato, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estabeleceu um novo cronograma, que previa o aumento gradual da mistura, que chegaria a 15% em 2026.
Em dezembro, com apoio do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), o governo antecipou o cronograma. Dessa forma, o chamado “mandato de biodiesel” será de 14% em 2024 e 15% em 2025.
Projeto Combustível do Futuro
Em setembro do ano passado, o governo enviou um projeto de lei ao Congresso com medidas de incentivo ao setor de biocombustíveis. Intitulado “Combustível do Futuro”, o texto estabelecia que o teor de biodiesel no diesel chegaria a 20% em 2030.
Na Câmara dos Deputados, o projeto recebeu nesta semana uma nova redação, que estabelece um cronograma para essa elevação e traz a possibilidade de aumento para 25%.
O texto foi bem recebido pelo setor, apesar de gerar resistência no governo por uma eventual perda de autonomia do CNPE para definir o calendário.
“Nós recebemos o relatório muito bem porque nos traz a assertiva em lei que nós vamos chegar no B20. Então, você pode se planejar melhor. Nós nos planejamos com uma sinalização do CNPE, que foi frustrada porque no final do governo passado houve uma redução, e agora o relatório do [deputado Arnaldo] Jardim é bastante confortável para planejarmos nossos investimentos”, afirmou o vice-presidente Institucional e Regulatório da Delta Energia, Luiz Fernando Leone Vianna.
Ao g1, o presidente da Frente Parlamentar Mista do Biocombustível (FPBio), deputado Alceu Moreira (MDB-RS), disse não ser contra o CNPE decidir o cronograma.
“A questão que nós temos que garantir para o investidor [é que] daqui a dois ou três anos não tenha outra decisão que queira mudar isso [o cronograma]”, declarou.
A FPBio também quer estabelecer um piso para a mistura, ou seja, um valor mínimo para a adição de biodiesel ao diesel fóssil. Para Moreira, esse piso deve ser de 15%, “porque com 15% as indústrias instaladas funcionam”.
Quando enviou o texto, o governo chegou a estimar um aumento de 0,7% no preço do diesel final a cada um ponto percentual de elevação da mistura. Ou seja, o preço aumentaria em 0,7% no caso de alta do percentual de 15% para 16%, mais 0,7% na elevação de 16% para 17% e assim por diante.
“Não tem como falar em questão de preço sendo commodity. Hoje existe esse preço, amanhã, ou ano que vem, ou outro ano, pode estar abaixo ou em um valor acima. Então, não é questão da mistura e sim como vai estar a economia do mundo”, disse o diretor da Delta, Silvio Roman.
Marcus D’Elia, da Leggio Consultoria, também ressalta a necessidade de aumento de produção e de esmagamento da soja –a matéria-prima mais usada para se fazer biodiesel.
“Neste cenário, para garantir o suprimento de B20, será necessário que se atinja entre 46% e 48% de esmagamento, um valor demasiado alto em relação aos níveis atuais”, explica.
Em nota, as entidades do setor afirmam que as usinas existentes já têm capacidade para suprir a demanda por B20 –ou seja, 20% de biodiesel no diesel. O levantamento aponta uma demanda de 13,2 bilhões de litros de biodiesel ou aproximadamente 90% da capacidade atual disponível.