Valor Econômico
A União Europeia (UE) está às vésperas de cortar efetivamente os laços com a Rússia, sua maior fornecedora externa de diesel, no início de fevereiro, quando sanções sobre a importação do combustível russo entrarem em vigor.
Leia também: Teto de preço do petróleo russo vai se manter até março
A medida, que será coordenada com um teto de preços apoiado pelo G-7 (grupo das principais economias ricas) sobre as vendas russas de combustível refinado a partir de 5 de fevereiro — similar as medidas já aplicadas ao petróleo desde dezembro —, tem o potencial de desencadear uma nova rodada de turbulência nos mercados globais de petróleo.
A oferta de diesel já está apertada, o que contribui para que os preços na bomba estejam bem acima dos da gasolina em muitas regiões. Os países europeus estão entre os maiores usuários mundiais de diesel em relação a outros combustíveis, e a Rússia é, há décadas, sua principal fornecedora.
Um trader de petróleo de uma corretora europeia disse que há a perspectiva de um cenário “caótico” nos mercados de petróleo nas próximas semanas, devido aos desafios de logística envolvidos pela expectativa de aumento da demanda com a retomada da atividade econômica da China.
“Qualquer déficit de exportações do produto russo poderá coincidir com o aumento da demanda na China, o que apertará ainda mais os mercados e aumentará a perspectiva de altas dos preços que renovam as pressões inflacionárias”, disse o analista Henning Gloystein, do Eurasia Group.
Mas o setor de petróleo está profundamente dividido em torno do pressuposto de que as medidas levarão à disparada dos preços e talvez até a episódios de escassez. Muitos acham que um setor que se acostumou à rupturas ocasionais nos fluxos de comércio — por pandemias, sanções ou guerra — pode se adaptar rapidamente.
O que está em jogo é uma nova alta dos preços do petróleo que poderá neutralizar algumas das vantagens que a economia mundial vem obtendo de um desaquecimento dos preços do gás natural e frustrar as esperanças de que os preços dos combustíveis tenham alcançado seu pico, num momento em que a invasão da Ucrânia pela Rússia se aproxima de seu primeiro aniversário.
O mercado de petróleo já sofreu um abalo nas últimas semanas. Os preços do petróleo tipo Brent começaram o ano em retração, ao cair de US$ 85 o barril para pouco mais de US$ 77 o barril nos dois primeiros pregões de 2023, com os preços do diesel acompanhando essa tendência. Mas, desde então, os preços do petróleo deram uma guinada, mais do que compensando todas essas perdas, com a cotação subindo para acima de US$ 87 o barril no fim da semana passada.
Jorge Leon, da consultoria Rystad, acha que os mercados têm razão em estar nervosos, mas se mostra razoavelmente confiante de que as sanções funcionarão conforme o pretendido, ao prejudicar a economia da Rússia, em vez de prejudicar excessivamente as economias ocidentais.
“Haverá um impacto sobre os preços, mas isso não será um divisor de águas”, disse Leon. “Os compradores europeus têm estocado diesel, inclusive por meio do aumento das importações da Rússia, nos últimos meses, portanto estamos iniciando esse choque em potencial ao sistema [a partir] de uma posição razoavelmente boa.”
As exportações russas de diesel e de querosene de aviação para a Europa aumentaram em mais de 25% no quarto trimestre de 2022, se comparadas ao trimestre anterior, segundo dados de monitoramento de navios. Analistas da Redburn disseram que os estoques de diesel na região de Antuérpia-Roterdã-Amsterdã voltaram ao seu nível mais alto desde outubro de 2021.
Mesmo assim, Benedict George, especialista produtos refinados da Argus, disse que prevê uma alta dos preços do diesel assim que a proibição entrar em vigor. “Importar de fontes não russas significa competir com outros compradores que estão fisicamente mais próximos da fonte, como a América Latina, no caso do diesel americano, ou Cingapura, no caso do diesel indiano.”
A Europa dependerá muito estreitamente das novas grandes refinarias da Índia e do Oriente Médio, bem como de um aumento das exportações da China, para substituir a oferta russa. Um carregamento chinês já está a caminho da Letônia, mostrando que até mesmo os vizinhos geográficos mais próximos da Rússia já começam a garantir alternativas vindas de locais distantes.
Mas, segundo Leon, apesar das preocupações, quem tem mais a temer é a Rússia. A rodada anterior de sanções da UE e os limites de preços do G-7 sobre as vendas de petróleo da Rússia a partir de dezembro têm permitido aos compradores asiáticos exigir grandes descontos sobre o petróleo russo. Esse é um padrão que deverá se repetir, segundo ele, no caso dos combustíveis refinados.
Os petróleos de grau de exportação da Rússia estão sujeitos a descontos de cerca de 50% — sendo negociados à faixa próxima de US$ 40 a US$ 45 o barril —, o que prejudica a receita de Moscou, como pretendia o Ocidente.
“Suspeito que China e Índia vão pedir descontos ainda maiores, potencialmente de até 60%”, disse Leon. Segundo ele, o transporte do diesel a longas distâncias é mais complicado do que o petróleo.
Navios-tanque de produtos refinados tendem a ser menores e projetados para rotas curtas, enquanto que os barris russos — antes destinados a mercados de altas especificações na Europa — provavelmente terão de concorrer com diesels mais baratos, com altos teores de enxofre, em mercados como a África Ocidental e a Ásia.
As exportações de petróleo da Rússia poderão, efetivamente, aumentar nas próximas semanas se o país tiver dificuldades em encontrar novos compradores para o seu diesel, restando a eles a exportar o petróleo não refinado.
Para alguns traders e refinarias, isso poderá ser uma oportunidade, de apostar na alta das margens do diesel se houver uma queda dos preços do petróleo com o aumento da oferta, enquanto os preços do diesel serão sustentado pela oferta apertada.
Gloystein, do Eurasia Group, alertou que a Rússia poderá, além disso, estar mais disposta a tentar retaliar nos mercados de combustíveis refinados do que nos mercados de petróleo, onde qualquer iniciativa de usar as exportações de petróleo como arma correria o risco de indispor o país com aliados importantes, como a China.
“O mercado de subprodutos do petróleo é, talvez, onde a Rússia mantém alavancagem significativa, caso opte por usar as exportações como arma”, disse Gloystein.
Se as exportações de diesel russas caírem de uma maneira demasiadamente exagerada, a China poderá restringir suas exportações do combustível, a fim de proteger sua economia do impacto — o que retiraria do mercado barris que os compradores europeus esperam que ajudem a substituir o fornecimento russo.
Embora o desfecho continue incerto, o setor está, sem dúvida, preocupado com uma nova possibilidade de volatilidade no mercado de petróleo. “Está claro que a oferta de diesel na Europa, e globalmente, enfrentará turbulência nos próximos meses”, disse George, da Argus.