Fonte: DCI
As medidas propostas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para aumentar a concorrência e reduzir os preços dos combustíveis causam divergências entre entidades do setor, sinalizando que haverá forte resistência para implantar mudanças.
“Algumas medidas propostas pelo Cade ainda podem ser alteradas. Existem discussões sobre a venda direta de etanol do produtor aos postos e sobre a fiscalização da qualidade dos combustíveis, por exemplo. Um grupo de trabalho foi criado justamente para discutir possíveis entraves”, explica o economista-chefe do órgão, Guilherme Mendes Resende.
No final de maio, o Cade publicou um estudo com nove propostas para o setor de combustíveis. Entre elas, a permissão de venda direta de etanol aos postos pelas usinas, repensar a proibição de uma distribuidora ou refinaria possuir postos e extinguir a vedação à importação de combustíveis pelas distribuidoras. O órgão concorrencial acredita que essas restrições previstas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) produzem ineficiências econômicas por impedir o livre comércio e dificultar a concorrência.
“Trabalhamos esse documento pensando em algumas medidas pró-competitivas para o setor. Lançamos nesse momento por toda questão conjuntural causada pela crise de abastecimento. Talvez seja uma oportunidade para encaminhar mais rapidamente”, afirma Resende.
No Brasil, é vedado por lei a um posto de gasolina pertencer a uma distribuidora ou a uma refinaria. O Cade defende que os custos e os preços da venda de gasolina aumentam quando se proíbe a verticalização. Já a permissão de importação pelos distribuidores de combustível reduziria os custos de transação e as margens de remuneração do importador, além de estimular o aumento do número de agentes na etapa de fornecimento de combustíveis, com possível diminuição dos preços. “A proibição da verticalização é uma proposta de caráter regulatório, depende de um convencimento da ANP. A vedação de importação é mais simples, geralmente é feita por empresas que pertencem às distribuidoras, e seria mais uma simplificação do processo do que uma mudança”, explana Resende.
No início de junho, Cade e ANP instituíram um grupo de trabalho para analisar a estrutura do mercado de combustíveis e avaliar a implementação das propostas do estudo.
Na última semana, uma proposta de decreto legislativo que derruba a proibição da venda direta dos produtores de etanol aos postos de combustíveis foi aprovada no Senado e aguarda votação na Câmara. Diversas entidades do setor criticaram a iniciativa. “Essa proposta precisa ser ponderada a luz de suas implicações nos interesses das empresas envolvidas e em políticas públicas. Nas duas esferas, há possibilidades de riscos que precisar ser consideradas”, afirma o membro do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), Plínio Nastari. De acordo com o regramento atual, o fornecedor só poder vender etanol a um distribuidor autorizado pela ANP ou ao mercado externo.
Nastari acredita que o Brasil possui um sistema de distribuição eficiente em nível nacional e uma mudança dessa magnitude poderia gerar distorções. “A liberação de venda direta só aplicaria aos postos de revenda de bandeira branca [que não são de grandes redes]. Os postos embandeirados, via de regra, têm relações contratuais que estabelecem fidelização com distribuidoras.”
Logística e tributação
A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) se posicionou contra a comercialização direta de etanol combustível pelo produtor ao posto revendedor, alegando “dificultar a implementação da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio).”
O programa visa a expansão da produção de biocombustíveis no Brasil, em linha com os compromissos ambientais assumidos no Acordo do Clima de Paris. Em nota para a imprensa, a Unica afirma que “as distribuidoras são parte estratégica dessa política, pois terão que cumprir as metas de descarbonização por meio da compra e venda de certificado de redução de emissões de carbono.” Para Nastari, a venda direta é completamente inconsistente com o RenovaBio. “Não há como o produtor participar do programa”, avalia.
A Associação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Lubrificantes, Logística e Conveniência (Plural) também se posicionou contrariamente ao projeto. A entidade declarou que “as usinas produtoras não possuem logística necessária para chegar aos mais de 40 mil postos espalhados pelo Brasil”.
Tanto a Plural quanto a Unica também alertaram para possíveis problemas quanto à tributação. Atualmente, PIS e Cofins incidentes sobre o etanol são recolhidos pelo produtor e distribuidor. As entidades defendem que a ausência da rede de distribuição exigirá mudanças na legislação que regula a cobrança, concentrando a arrecadação no produtor ou repassando o custo para os revendedores. Resende afirma que é preciso haver uma conversa com a Receita Federal para avaliar quais medidas podem ser implementadas em substituição aos tributos. “Passa por uma discussão de eficiência na arrecadação, mudar essa forma de cobrança.”