Lobby do petróleo emperra o avanço da transição energética

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VALOR ECONÔMICO

Quase dez anos depois do Acordo de Paris, a transição da matriz energética global de fóssil para renovável continua a passos lentos e em ritmo insuficiente para se alcançar o chamado “net zero” (emissões líquidas zero) até 2050. O investimento anual em capacidade renovável precisa triplicar até 2030, saindo do recorde de investimento de US$ 570 bilhões em 2023 para US$ 1,5 trilhão por ano, de acordo com o relatório de progresso das metas de energia estabelecidas em Dubai, lançado pela Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena, na sigla em inglês) em parceria com a troika das COPs, formada pelas presidências das COPs de Dubai, Baku e Belém.

Segundo o relatório, as nações do G20, responsáveis por mais de 80% do consumo de energia do mundo, dependem de combustíveis fósseis para mais de 70% de sua energia primária. Apenas o Brasil se destaca com uma participação menor, em torno de 50%. Apesar da constatação de que o mundo precisa se mover mais rápido na transição energética, a COP29 pouco acrescentou ao que havia sido acordado na COP28, quando se chegou ao texto histórico que reconheceu a necessidade da substituição gradual dos fósseis.

A conferência de Baku começou com um choque de realidade: o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliev, se referiu ao petróleo e ao gás natural como “presentes de Deus”, posto que 48% do produto interno bruto (PIB) do país é gerado a partir da produção de combustíveis fósseis. Nos corredores do Estádio Olímpico de Baku, preparado para receber as delegações, a forte presença de mais de 1.700 lobistas do setor de petróleo também foi alvo de protestos de organizações da sociedade civil.

“O documento final da COP29 frustrou quem esperava um avanço na menção aos combustíveis fósseis, assim como a meta de financiamento global, que ficou aquém do necessário para se fazer a transição”, diz Yuri Rugai Marinho, CEO da Eccon, consultoria da área de soluções ambientais e mercado de carbono.

É consenso entre especialistas que, se depender dos processos da Convenção do Clima da ONU (que exigem consenso entre os 195 países signatários), as decisões sobre a substituição dos combustíveis fósseis virão de forma lenta, aquém do ritmo necessário para evitar que a temperatura média global tenha uma alta acima de 1,5 ºC, objetivo primordial do Acordo de Paris. Vários fatores travam o abandono gradual da energia fóssil, o chamado “phaseout”. Entre eles, a dependência da maior parte dos países dessas fontes, o consumo crescente – a Agência Internacional de Energia projeta uma demanda de 103,8 milhões de barris por dia em 2025 – e a pujança econômica do setor, que movimentou cerca de US$ 3 trilhões em 2023, equivalente a 3% do PIB global.

“O ‘phaseout’ do petróleo, como se colocou em Dubai, não vai acontecer. Mas o mundo vai demandar um petróleo descarbonizado, com menor intensidade de carbono, e nisso o Brasil é competitivo”, diz Roberto Ardenghy, presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP). Segundo ele, hoje existem campos no país que produzem petróleo com uma pegada de carbono de 6 kg de CO2 por barril, enquanto a média mundial é de 25 Kg CO2 /barril; alguns países, como o Canadá, ultrapassam valores de emissão de 50 kg CO2 /barril.

O mundo vai demandar petróleo descarbonizado, com menor intensidade de carbono, e nisso o Brasil é competitivo”

— Roberto Ardenghy

De olho nessa demanda internacional, o Brasil almeja saltar do atual posto de oitavo maior produtor mundial de petróleo para o quinto em 2030. Para o setor de óleo e gás, isso não será impeditivo para que o país invista na transição energética. Segundo Ardenghy, as principais agendas de descarbonização passam por diversificação dos investimentos em fontes renováveis, com a aposta em novos produtos, como os SAFs (combustíveis sustentáveis de aviação, na sigla em inglês) e diesel renovável, tecnologias que reduzem as emissões na extração do petróleo, captura, utilização e armazenamento de carbono (CCUS) e a compensação por meio da compra créditos de carbono. “O setor de óleo e gás reconhece seu papel histórico nas emissões de gases de efeito estufa, não negamos a ciência. Mas sem um alto investimento em tecnologia, é impossível fazer a transição”, afirma Ardenghy.

O crescente custo dos eventos climáticos extremos associados às mudanças climáticas, porém, é um dos fatores que podem acelerar a transição energética. Projeções apontam para um impacto desses eventos de 18% no PIB global, ou seja, de mais de US$ 20 trilhões em 2040. Assim, o investimento necessário anual de US$ 1,5 trilhão na transição, como estima a Irena, se torna efetivo para evitar os piores cenários.

“O custo dos extremos climáticos já começa a doer no bolso dos países e das empresas. As forças para fazer a transição acontecer começam a se equilibrar com as forças de reação”, ressalta Ricardo Assumpção, sócio líder de sustentabilidade para a América Latina da consultoria EY. Entre os principais desafios estão a substituição das infraestruturas existentes baseadas em combustíveis fósseis – refinarias, oleodutos, postos de combustíveis – e a perda de empregos associados a essas atividades.

“A transição energética passa por equilibrar a perda de empregos e de receitas dos combustíveis fósseis com os novos investimentos que precisarão ser feitos”, afirma. Um exemplo pode vir da China, que atingiu um novo marco em 2023, com 85% de sua nova capacidade de geração de energia proveniente de energias renováveis.

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