O Estado de S.Paulo
O Imposto Seletivo proposto pela reforma tributária tem movimentado tributaristas e entidades empresariais pelo risco de encarecer serviços hoje considerados essenciais, como energia elétrica, combustíveis e telecomunicações – que, além do consumidor final, afetam outras cadeias produtivas.
A nova taxa, a ser cobrada além do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) – que vai unificar os tributos atuais –, foi criada para desestimular o consumo de produtos considerados prejudiciais à saúde e (uma novidade) ao meio ambiente. Por isso, também é conhecido como “imposto do pecado”.
Atualmente, itens como bebidas alcoólicas e cigarros já têm tributação adicional, mas a lista pode aumentar com a previsão expressa na Constituição a atividades que economistas classificam como geradoras de “externalidades negativas”.
No caso da energia elétrica, há o temor de que a geração seja considerada danosa ao meio ambiente e, por isso, passível de ser taxada pelo Imposto Seletivo. A matriz energética brasileira é composta, por exemplo, por termelétricas movidas a carvão, fonte mais poluente. Até mesmo as hidrelétricas poderiam ser consideradas prejudiciais devido à construção dos reservatórios, que interferem na fauna e na flora. Quanto aos combustíveis fósseis, o receio também está ligado à questão ambiental, já que a queima gera gases de efeito estufa.
O texto da reforma tributária aprovado na Câmara estabelece que o Imposto Seletivo será de responsabilidade do governo federal, e poderá ter a alíquota alterada a qualquer momento por iniciativa da União, sem a necessidade de aval do Congresso. Também não será necessário esperar até o ano seguinte (princípio da anterioridade) para começar a valer.
A regulação desse imposto está prevista para lei complementar, com a menção explícita a bens e serviços passíveis da sobretaxa. No entanto, uma redação incluída na PEC deixou alguns setores preocupados. É o caso de energia elétrica, telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais.
A nova redação do artigo 155 da Constituição afirma que esses bens e serviços não serão taxados por nenhum outro imposto, à exceção do IBS – novo imposto que substituirá o ICMS (estadual) e o ISS (municipal) – e do seletivo.
“Essas atividades permitem uma arrecadação muito alta ao governo. Telecomunicações e energia são consumidas por todos. Esses setores sabem que são alvos fáceis”, diz Luiz Roberto Peroba, sócio da área tributária do Pinheiro Neto Advogados.
SERVIÇOS ESSENCIAIS. A questão é que eletricidade, combustíveis e telecomunicações receberam tratamento de serviços essenciais pelo Supremo Tribunal Federal, que determinou que eles não poderiam ter taxas elevadas de ICMS e deveriam ser tributados pela alíquota modal (padrão) de cada Estado.
Esse entendimento embasou uma lei complementar proposta pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no ano passado, que obrigou os governadores a baixar o ICMS sobre combustíveis temporariamente. Agora, durante a tramitação da reforma tributária, esses setores batalham para ser considerados essenciais e, assim, escapar do seletivo.
No entanto, o advogado Rodrigo Bevilaqua, sócio da área tributária do escritório Cescon Barrieu, afirma que a essencialidade, por si só, não é suficiente. “O enquadramento como essencial é um caminho, mas não basta para afastar o risco do seletivo”, diz. “Seria necessário prever que, como essenciais, eles merecem tratamento diferenciado com taxação não superior aos demais.”
Bevilaqua afirma que a gestão da União sobre o seletivo também deixou em alerta o setor de petróleo, após o Ministério da Fazenda ter elevado o imposto sobre as exportações de óleo bruto em maio.
A diretora de Assuntos Técnicos e Regulatórios da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Mariana Amim, afirma que o reconhecimento da essencialidade seria apenas o primeiro passo para o setor negociar tratamento diferenciado, por meio de alíquotas reduzidas. Isso porque a PEC proíbe a cobrança desse novo tributo sobre bens e serviços que tenham redução de alíquota. “Por isso a importância de o Senado reconhecer a energia elétrica como um insumo essencial”, afirma. •
O que falta regulamentar
• Definição de alíquotas
Uma lei complementar vai regulamentar o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) fixando as alíquotas dos futuros tributos. Estados exigiram que essa regulamentação fosse simultânea, ainda que os prazos de transição sejam diferentes. O Ministério da Fazenda será o responsável por calcular as alíquotas dos novos impostos
• Itens da cesta básica isentos
O texto construído na Câmara optou por estabelecer a criação de uma cesta básica nacional, cujos produtos terão alíquota zero. Atualmente, cada Estado e a União têm uma definição dos itens que compõem essa cesta – além dos triviais arroz e feijão, itens como queijos finos e salmão também contam com benefícios tributários. Para uniformizar, uma lei complementar vai definir qual será a lista de produtos que terão alíquota zero daqui em diante
•Alcance do Imposto Seletivo (IS)
A função do Imposto Seletivo será regulatória. O novo tributo vai incidir sobre itens que o governo deseje coibir o consumo, e que sejam prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Esse tipo de cobrança também é conhecida como “imposto do pecado”, e costuma incidir sobre itens como bebidas alcoólicas e cigarros
• Critérios de divisão do Fundo Regional
Os critérios de divisão dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FDR), que receberá aportes do governo federal para Estados e municípios, serão estabelecidos em lei complementar. A União se comprometeu a bancar o fundo com aporte de R$ 8 bilhões em 2029 e elevação gradual, até chegar a R$ 40 bilhões a partir de 2033
• Fundo da Amazônia
O texto aprovado prevê a criação de um fundo específico para o desenvolvimento do Estado do Amazonas, também bancado pela União. Não há estimativa de custo. Sua criação depende de lei complementar, que vai determinar o valor mínimo de aporte anual e critérios de correção