Valor Econômico
Na Petrobras, o governo planeja reviravolta radical rumo a um passado caótico
Sem norte definido, o governo improvisa perigosamente ao sabor de conflitos internos que poderiam ser resolvidos sem algazarras públicas e sem tentativas explícitas de minar a autoridade do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Sob a mira do PT, Haddad se desvia de soluções adequadas – supondo que as busque – em direção ao subótimo ou ao francamente ruim, como ocorreu no caso da desoneração da gasolina e do álcool. Entre a opção binária da reoneração total ou escalonada, surgiu do nada e foi aceita a péssima ideia de um imposto de exportação, raramente usado no Brasil.
Com exceção das áreas sociais – saúde, educação, Bolsa Família – onde o governo Lula tem reconhecida expertise, há animosidade e divergências que continuam produzindo muito ruído e desgaste político. Até agora, em 64 dias de gestão, o próprio presidente Lula contribui para a confusão e agita bases do PT para ações inócuas. Os ataques ao Banco Central, que pareciam ter cessado, continuam. Na linha de frente, Lula. Na quinta, Lula voltou a criticar o presidente do BC, Roberto Campos Neto. “Ora, por que esse cidadão, que não foi eleito para nada, acha que tem o poder de decidir as coisas?”, indagou. “Este país não pode ser refém de um único homem”.
O assédio é esdrúxulo. Campos Neto não obteve esse poder por vontade pessoal ou golpe, mas por delegação explícita do Congresso, que votou pela autonomia do BC. Arthur Lira, presidente da Câmara, e Rodrigo Pacheco, do Senado, a quem Lula se dobra para poder governar, deixaram claro que não pretendem mais discutir um assunto encerrado. Se Lula acredita em tudo o que fala, poderia reunir sua minoria no Congresso e tentar derrubar a autonomia concedida. Como sabe que não terá sucesso, fica esperneando nervosamente à toa, agindo para a plateia enquanto os juros, já altos, sobem por isso.
Na Petrobras, o governo planeja, se é que o termo é adequado, reviravolta radical rumo a um passado caótico, marcado por corrupção em grande escala. Lula, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, Haddad e o presidente nomeado da estatal, o ex-senador petista Jean Paul Prates, mostraram mais indignação com o lucro gigantesco da Petrobras – R$ 188,3 bilhões – do que com prejuízo de R$ 34,8 bilhões que a empresa teve em 2015, na gestão de Dilma. A estatal pagou dividendos de R$ 215 bilhões no ano passado. Como principal acionista, o governo recebeu R$ 72 bilhões, ajuda essencial para que as contas públicas voltassem ao azul em 2022. Mas esse não é o ponto. A fórmula que permite distribuir dividendos muito além do mínimo de 25% definido em lei está errada.
A regra de distribuição atende ao modelo de negócios da empresa na gestão Bolsonaro: concentração exclusiva na prospecção e extração. Com isso, segundo fontes próximas à empresa, a estatal gera muito caixa, mas não tem o que fazer com ele – caso digno de estudos em patologias empresariais. A Petrobras renunciou à transição energética, ao contrário do que suas gigantes rivais estão fazendo. Explorar todo o óleo que existir, até quando ele for necessário, e fechar as portas depois – esse foi o ideal do ex-ministro Paulo Guedes, que merece ser abandonado.
Algo bem diferente é como esse modelo será modificado. Lula já disse que quer que a Petrobras faça tudo ao mesmo tempo já: financiar a indústria naval, exemplo histórico de fracassos e prejuízos, e investir em refinarias que só se pagarão quando o petróleo se tornar uma relíquia poluidora. O problema do financiamento para tudo isso está ligado aos preços, que serão menores se o governo mudar, como é certo, a fórmula de paridade com as cotações internacionais. “Abrasileirar” os preços significa reduzi-los e incentivar o uso de combustíveis fósseis, um contrassenso gritante. Um subproduto essencial dessa política será a eliminação da concorrência e a volta do monopólio da Petrobras. “Temos que ter o melhor preço para conquistar e manter o cliente”, disse Prates, desconfiando da vantagem de existir importadores. Se o preço da Petrobras for inferior ao do produto importado, será impossível concorrer com ela.
Tornou-se lugar comum dizer que a transição energética abre o caminho para uma revolução tecnológica cujo vetor essencial é a descarbonização. O que o governo deseja para sua maior empresa de energia é de um anacronismo acachapante. Há pessoas suficientemente sensatas no governo capaz de fazê-lo mudar de rumo, desde que tenham discernimento e vontade política para dissuadir o presidente da República.