O Estado de S.Paulo
A Cidade Universitária da USP inaugura neste ano a primeira estação experimental de abastecimento por hidrogênio renovável do mundo – um combustível alternativo com potencial para reduzir significativamente as emissões de gás carbônico, o principal causador do efeito estufa.
O desenvolvimento do combustível alternativo é fruto de uma parceria entre a universidade e empresas privadas, e tem como principal objetivo o combate ao aquecimento global. A ideia é oferecer uma alternativa de baixo carbono para o transporte pesado, sobretudo caminhões e ônibus, que trocariam o diesel (que emite CO2) pelo hidrogênio produzido a partir do etanol (que emite somente água).
Este posto-piloto terá capacidade de produzir 4,5 kg de hidrogênio (em forma de gás) por hora, o suficiente para abastecer três ônibus cedidos pela Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU) e um veículo Mirai, oferecido pela Toyota Brasil, que circularão pelo câmpus por pelo menos um ano para testar a eficiência do novo combustível.
Assinado em 2015, o Acordo de Paris prevê esforços para limitar a alta da temperatura global a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais (meados do século 19). Tecnologias que permitam uma transição energética são essenciais para evitar a queima de combustíveis fósseis. Relatório do Observatório Europeu Copernicus deste mês confirmou que 2023 foi o ano mais quente já registrado – até agora. Pela primeira vez, a temperatura de todos os dias do ano ficou 1ºC acima dos níveis pré-industriais. Pelas contas dos pesquisadores, são as temperaturas mais altas dos últimos 100 mil anos. Segundo os mesmos especialistas, 2024 vai pelo mesmo caminho.
A estação de abastecimento é resultado de um projeto de pesquisa desenvolvido pelo Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), da Escola Politécnica da USP, em parceria com a Shell Brasil, a Raízen, Hytron, Senai Cetiqt e Toyota.
COMBUSTÍVEIS RENOVÁVEIS. O RCGI é um centro de pesquisa em engenharia que desenvolve estudos exclusivamente voltados ao uso sustentável de gás natural, biogás e hidrogênio, além da gestão, transporte, armazenamento e uso de CO2. “O Brasil tem condições de ser um dos líderes mundiais na pesquisa de combustíveis renováveis pelo fato de conseguirmos aliar agricultura, energia e engenharia, áreas do conhecimento que se tornarão cada vez mais importantes para vencer os desafios impostos pela mudanças climáticas”, afirmou o diretor-geral do RCGI, Julio Meneghini. “No País, 10% dos gases do efeito estufa vêm do setor de transporte. Vejo um potencial enorme no uso do hidrogênio para descarbonizar o transporte pesado e público”, acrescenta ele, professor da área de Engenharia Mecânica da universidade.
O hidrogênio é um gás instável e, para contornar o problema, a ideia é levar o etanol até a estação e lá mesmo produzir o hidrogênio. Por conta do uso do álcool combustível, o País já dispõe de uma infraestrutura para distribuição do etanol.
Entre os equipamentos instalados na estação, haverá um reformador a vapor, onde o etanol será convertido em hidrogênio por meio de um processo químico de “reforma a vapor” – que ocorre quando o etanol, submetido a determinadas temperatura e pressão, reage com a água em um reator.
No carro a hidrogênio, a energia usada para mover o veículo é produzida no motor, de forma constante, o que o torna mais eficiente. “No Brasil, há muitos centros de inovação. Universidades como a USP, que estão entre as cem melhores do mundo. A área de óleo e gás conhecemos muito bem, mas a de transição energética é mais nova”, diz o diretor-geral de Tecnologia e Inovação da Shell Brasil, Olivier Wambersie. “É difícil investir grandes fundos numa área que não conhecemos tão bem. Então criamos centros de inovação dentro das universidades”, continua ele. O RCGI, segundo Wambersie, tem 80 projetos e recebeu R$ 250 milhões de investimentos da multinacional.
A iniciativa é um exemplo de parceria entre o mundo acadêmico e a iniciativa privada, modelo que a USP quer explorar mais para alavancar seus projetos ligados à inovação. Na década de 1970, o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), por exemplo, pôs o Brasil na dianteira do desenvolvimento de bioenergia graças ao esforço conjunto de cientistas, empresas e poder público.
A assinatura da parceria com as companhias do setor energético ocorreu em setembro de 2022. Na época, o presidente da Fapesp (Fundação Paulista de Amparo à Pesquisa), Marco Antonio Zago, disse que o acordo era “representativo da cooperação entre o mundo acadêmico e o empresarial, necessária e fundamental para o desenvolvimento econômico não só do Estado de São Paulo, mas do País”. •
Teste de eficiência Durante um ano, dois ônibus da EMTU e um veículo da Toyota circularão pela Cidade Universitária