Saídas pontuais trazem riscos de tiros no pé, mas soluções estruturais pedem um tempo que não existe
Poder 360
As resistências dos índices de inflação, na economia brasileira, se mantêm entre as principais preocupações neste ano eleitoral de 2022. Relatos da 1ª reunião do ano entre economistas do mercado e diretores do Banco Central, um protocolo para a elaboração dos Relatórios Trimestrais de Inflação (RTI), apontam piora nas expectativas para a variação do IPCA em 2022, com projeções já indicando alta anual de 6% no fim do ano.
Um dos motivos para essas preocupações é o comportamento instável esperado para as cotações do petróleo e dos preços dos combustíveis. Se, para qualquer economia do planeta, as cotações de petróleo são importantes na marcha dos preços em geral, no caso específico da economia brasileira, essa influência é decisiva.
No Brasil, uma empresa estatal é dominante no mercado de combustíveis e a sua política de preços potencializa as pressões inflacionárias quando as cotações internacionais do petróleo estão em alta. Mesmo não mais detendo monopólio em nenhuma etapa da cadeia de produção de petróleo e comercialização, a Petrobras é a grande protagonista do mercado e sua política de preços determina os valores praticados por todo o setor.
Adotada em 2016, logo depois da substituição por impeachment da presidente Dilma Rousseff por seu vice, Michel Temer, a política do PPI (Preço de Paridade de Importação), transfere as variações nas cotações internacionais de petróleo, quase automaticamente, para os preços cobrados às refinarias. A fórmula é combustível explosivo, sem trocadilhos, para a inflação.
Embora o Brasil seja produtor e exportador relativamente relevante de petróleo, é importador de derivados. A correção automática de preços pela cotação internacional, sobretudo quando o valor do dólar ante o real está em alta, protege a Petrobras de descapitalizações e perdas de rentabilidade, beneficiando também seus acionistas -a começar do maior, o próprio governo-, mas penaliza consumidores e a economia. A economia é ferida na medida em que ações para conter a inflação impõe travas à expansão da atividade econômica, restringindo o emprego e a renda.
As cotações de petróleo subiram em torno de 50% em 2021. Ano passado, no Brasil, o preço do litro da gasolina aumentou 47,5% e o do etanol, que não tem quase nada com essa história, mas entra na mistura dos derivados e nos custos de oportunidade, 62,2%. Como os preços dos combustíveis afetam praticamente todos os demais preços da economia, é fácil entender o peso desses aumentos na inflação -e nas atribulações cotidianas dos brasileiros.
Mais da metade da inflação de 10,06% registrada no ano passado veio das altas de preços dos combustíveis e da energia elétrica (em alguma parte também afetada pelos preços de derivados de petróleo). Só a gasolina respondeu por 1/3 de toda a inflação de 2021. O tamanho do impacto deixa claro que a política de preços da Petrobras é insustentável.
Há incertezas em relação à evolução das cotações internacionais de petróleo e do dólar ante o real ao longo do ano. Mas poucos discordam de que a tendência, nos 2 casos, é de alta. Em relação ao petróleo, além de tensões geopolíticas, como a dança militar e diplomática que se desenrola agora na Ucrânia, a expectativa de aumento da demanda, com a retomada gradual da atividade em diferentes países, combinada com barreiras na oferta, indicam perspectiva de cotações pelo menos nos níveis altos atuais. São poucas, em resumo, as apostas no preço do barril abaixo de US$ 90 neste ano.
Quanto ao dólar ante o real, depende do que o Fed, banco central americano, fará, concretamente, a partir de março, com os juros de referência nos Estados Unidos. Tão mais rápido e mais intensa seja o processo de enxugamento da ampla liquidez injetada no mercado durante a pandemia, com mais forte e mais rápidas altas nos juros, mais as nuvens de recursos que zanzam no momento pelos países emergentes tenderão a ‘voar para a qualidade’, retornando ao mercado norte-americano, e valorizando o dólar contra as moedas emergentes.
Tudo indica, portanto, que acabar com o PPI é questão de tempo. O problema é o que botar no lugar para garantir alguma estabilidade nos preços, sem complicar a administração e os resultados da Petrobras. Diferentemente daqueles conhecidos problemas complexos com soluções simples e equivocadas, trata-se de um problema complexo, com soluções complexas, e ainda assim com risco de serem equivocadas.
Retirar tributos não é tão simples como parece e pode sair pela culatra. Cortar arrecadação, em meio a pressões estruturais de gastos, é convite a deficits públicos, elevação de dívida bruta e? pressões inflacionárias pela via dos chamados riscos fiscais. Sem falar no corte de recursos, sobretudo para Estados, com manobras para reduzir o peso do ICMS na composição dos preços, piorando a gestão pública mais perto do cidadão -saúde, educação, saneamento, transporte público etc etc etc.
Recorrer a fundos de estabilização para evitar gangorras nos preços e limitar a frequência de aumentos também não é simples. Dependem dos fundos já existentes aos quais se vai recorrer e de como eles serão retroalimentados, ou de como tirar recursos para formar novos fundos. Lembrando que se queimou a bala de impostos como a Cide combustíveis, exaurida quando se fez necessária, são arriscadas, por exemplo, as sugestões de lançar mão de fundos constitucionais, já com destinações prévias, ou de recorrer às reservas cambiais.
Existem projetos em discussão no Congresso, mas ainda não parecem maduros para serem votados. Um deles, já aprovado na Câmara e aguardando aprovação no Senado, estabelece reajustes anuais, por valores médios fixos, para o ICMS de combustíveis. Há meses, porém, por decisão dos governos estaduais, o ICMS está congelado e nem por isso os preços dos combustíveis deixaram de oscilar, com tendência de alta.
Projeto do senador petista Rogério Carvalho (SE), relatado pelo também petista Jean Paul Prates (RN), também na plataforma de lançamento do Senado, foi sendo aos poucos ampliado, passando de uma desoneração ao diesel, para esforços envolvendo também a criação de um auxílio-gás e de um fundo, com recursos fiscais, para estabilizar preços. Nem no PT, pelo que circulou, formou-se consenso em torno da proposta.
Além de todas essas dificuldades e riscos, as tentativas de, de uma forma ou de outra, subsidiar preços dos combustíveis remete à questão ambiental. Não faz sentido estimular o uso de combustíveis fósseis, poluidores, mas como fazer diante da realidade de uma transição muita atrasada para veículos elétricos, ao mesmo tempo em que a ampliação do transporte de massas nas regiões metropolitanas transcorre com exasperante lentidão?
A exemplo de tantos outros problemas nacionais, faltam soluções estruturais e abrangentes, enquanto sobram quebra-galhos pontuais e de curto alcance -muitas vezes apenas eleitoreiros. Mais um dilema brasileiro para ainda sem solução, exceto as conhecidas saídas pontuais e desestruturadas.