Valor Econômico
Entidades do setor pretendem doar à ANP equipamentos para fiscalizar teor de biocombustível no diesel fóssil
Distribuidoras de combustíveis pediram à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) que sejam liberadas, por 90 dias, da adição obrigatória de 14% de biodiesel ao diesel tradicional. Ao mesmo tempo, entidades que representam empresas do setor pretendem doar equipamentos e tecnologia à agência para viabilizar ações de fiscalização “in loco”, em busca de postos que estejam vendendo diesel sem o biodiesel adicionado, prática irregular que cresceu nos últimos meses.
A suspensão do mandato, como é conhecida a adição obrigatória, é prevista em lei, desde que em caráter excepcional. O processo deve ser sorteado entre os diretores da ANP, mas ainda não há previsão de quando será a sessão de sorteio, apurou o Valor.
A suspensão do mandato por 90 dias foi pedida pelo Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes (Sindicom), que representa empresas como Ipiranga, Raízen (Shell) e Vibra (BR). A iniciativa se justifica para permitir a aquisição dos equipamentos e a celebração do convênio com a ANP, que tem vivenciado falta crônica de recursos, o que compromete a fiscalização efetiva das fraudes.
Atualmente, a ANP dispõe de apenas um equipamento de aferição de teor de biodiesel. Segundo o diretor-executivo do Sindicom, Mozart Santos Rodrigues Filho, o crescente mercado irregular de diesel sem adição de biodiesel motivou a ação da entidade. “Houve um aumento das ações irregulares.” Procurada, a ANP não retornou até o fechamento desta edição. Segundo fontes a par do tema, a aquisição e doação dos equipamentos será custeada por associações do setor e está sendo orquestrada pela Frente Parlamentar do Biodiesel (FPBio).
Apesar de estarem juntos no processo de doação dos equipamentos para a ANP, a FPBio não apoia o pedido do Sindicom para suspender temporariamente a adição de biodiesel ao diesel vendido no país. A FPBio classificou a iniciativa como “mobilização ardil e pouco transparente”, com objetivo de “eliminar as energias renováveis” do país. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) ressaltou que, caso a ANP acate o pedido, o Brasil deixará de esmagar 10 milhões de toneladas de soja. Com isso, a oferta de farelo de soja pode cair cerca de 8 milhões de toneladas, com efeitos sobre a inflação.
A venda de diesel “puro” ou com biodiesel abaixo do percentual obrigatório fere a concorrência legal, segundo as fontes, porque o combustível é vendido com diferenças expressivas de preço, prejudicando postos que seguem os padrões exigidos pela lei. O diesel irregular é vendido no país em média a R$ 0,22 por litro abaixo do diesel “correto”, dizem as fontes. Os valores variam entre Estados.
“No Rio de Janeiro, por exemplo, um revendedor que comercializa diesel sem adição de biodiesel consegue ofertar o produto R$ 0,31 [por litro] mais barato do que aquele que vende o ‘diesel b’ conforme”, destaca um relatório sobre o tema, ao qual o Valor teve acesso. A margem de um revendedor com o diesel em geral varia entre R$ 0,06 e R$ 0,08 por litro.
O caso tem ganhado proporções preocupantes no setor: em janeiro, o volume de biodiesel produzido indicava um déficit de 100 mil metros cúbicos (m3) em relação à demanda das distribuidoras. Também em janeiro, o Instituto Combustível Legal (ICL) realizou uma campanha denominada “cliente misterioso”, segundo a qual, de 507 postos vistoriados entre março e novembro de 2024, 179 tiveram amostras com biodiesel fora das especificações.
A alta do preço do biodiesel foi um dos principais causadores da crescente irregularidade. O produto tende a custar mais que o combustível fóssil e grande parte tem a soja como matéria-prima, cujo preço é atrelado às cotações internacionais. As distribuidoras têm percebido aumento da proporção do custo do biodiesel na composição do preço final. Como exemplo, em janeiro, a diferença entre o preço do litro do biodiesel praticado pelos produtores (R$ 6,21) e o diesel fóssil vendido nas refinarias (R$ 3,88) era de R$ 2,33 por litro, segundo dados da ANP.