Décio Oddone: A interminável discussão sobre o preço dos combustíveis

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Nas economias desenvolvidas os preços dos derivados do petróleo flutuam. Somente em casos extraordinários viram notícia. No Brasil, entretanto, variações significativas causam discussões intermináveis.

Combustíveis são commodities. Manter os preços alinhados aos do mercado internacional e ao câmbio não é crítico só para o setor de petróleo, gás e biocombustíveis. É fundamental para garantir o abastecimento, atrair investimentos e estimular a redução da dependência externa. Também é importante para a inserção da economia brasileira nas cadeias produtivas globais. Falar em controlar os preços ou calculá-los com base nos custos são equívocos conceituais, que foram tentados sem êxito por décadas. Quando, por fim, os preços seguem os internacionais, é importante consolidar essa prática.

O custo do diesel e da gasolina nas refinarias representa uma parcela do valor ao consumidor. Um pouco mais de 50% no caso do diesel e de 30% no da gasolina. No entanto, concentra a discussão. Isso ocorre porque a posição da Petrobras no refino faz da estatal a principal formadora dos preços. Como a empresa tem lucros, setores da sociedade entendem que seria possível alguma intervenção para proteger o consumidor. Esse raciocínio está equivocado. Mas, enquanto a companhia for dominante, estará presente a percepção que o governo é responsável pelo preço e que pode fazer algo para reduzi-lo.

Uma análise acurada do valor cobrado pelos derivados do petróleo deve abranger todos os seus componentes: produtos, incluído os biocombustíveis utilizados na mistura, margens de distribuição e revenda e tributos.

Diesel e gasolina são commodities, ou seja, produtos similares, produzidos e negociados mundialmente, como café, soja, milho, minério de ferro ou cobre. Nenhum país é formador de preço. Exceto os que adotam controles, todos praticam valores alinhados aos internacionais. A precificação não tem relação com o custo de produção. O Brasil, apesar de exportar petróleo, por falta de capacidade de refino, tem que importar derivados. Para viabilizar a venda no mercado interno de um produto adquirido no exterior é necessário assumir, além do valor de compra, todos os outros custos incorridos pelo importador, como perdas, fretes e seguros. Importações por privados e investimentos só se justificam quando os preços seguem esse conceito, chamado de preço de paridade de importação.

O biodiesel e o etanol misturados ao diesel e à gasolina também têm cotações atreladas ao mercado internacional. A do etanol tende a acompanhar a da gasolina, enquanto a do biodiesel segue a de outra commodity, a soja. Com o aumento do custo da matéria-prima, o preço do biodiesel disparou. O do etanol também subiu. Porém, não há questionamentos e nem o governo é responsabilizado pelo valor desses produtos. Tampouco aparecem demandas de intervenção por parte do executivo. Possivelmente, porque na produção de biocombustíveis não haja a concentração existente na do combustível fóssil. E, porque, o plantio e o beneficiamento da cana e da soja não sejam objeto da politização associada à exploração do petróleo.

As margens de distribuição e revenda são estabelecidas no mercado. Por isso, é necessário que a competição seja a mais ampla possível. Os tributos são definidos pelos governos federal e estadual. Embora a sociedade tenha a percepção que os tributos sobre os combustíveis são elevados, a definição do seu nível é uma questão de política pública. Há países em que os tributos são mais baixos que no Brasil. Também existem os que tributam mais.

Enquanto os preços e as margens devem ser estabelecidos em um mercado aberto, dinâmico e competitivo, os tributos devem ser cobrados de forma racional e eficiente. Há espaço para melhorias. A metodologia de cálculo do ICMS amplifica os movimentos de preço e não incentiva a venda a valores mais baixos que os de referência. As diferenças de alíquota entre os estados incentivam a sonegação. Por isso, é recomendável aplicar um valor fixo por litro, ao invés de um percentual do preço final. Também é desejável uniformizar as alíquotas e o preço de referência. Essas medidas dariam maior estabilidade de preço ao consumidor e mais previsibilidade à arrecadação de cada Estado, além de ajudar no combate à sonegação.

Apesar das dificuldades, alguns avanços são visíveis na formação dos preços dos combustíveis no Brasil. Os valores nunca estiveram tão próximos dos internacionais. O acordo firmado entre o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e a Petrobras para que a empresa diminua sua participação no mercado de refino começa a dar resultados. A situação do País é diferente da vivida no passado, quando os aumentos no preço afetavam negativamente a balança de pagamentos. Agora a extração de petróleo está gerando recursos que poderiam ser empregados para atenuar a volatilidade da cotação dos combustíveis ao consumidor. Uma intervenção em nível de produtor ou importador seria um equívoco. Empregar, no entanto, parte da arrecadação adicional produzida quando o preço do petróleo superar o adotado no orçamento para reduzir tributos e compensar impactos no preço na bomba seria uma decisão política. A questão que surge é se, em tempos de transição energética e de busca do melhor emprego para os recursos públicos, esse seria o destino adequado para os ingressos extraordinários.

Para que a abertura tenha continuidade, as ideias intervencionistas precisam ser superadas. Só quando houver outras empresas refinando petróleo e disputando efetivamente espaço com a Petrobras, e existir maior competição ao longo de toda a cadeia, os preços serão formados da forma mais justa possível. Só assim, o governo perderá a capacidade de interferir, deixando de ser responsabilizado, e cobrado, pelo comportamento dos preços. Só assim, mais de 20 anos depois do fim do monopólio, a politização, as expectativas de intervenção e as eternas discussões sobre o preço dos combustíveis ficarão para trás. Só assim, o setor de petróleo e gás poderá dedicar toda sua energia à criação de riqueza, não desperdiçando esforços em intermináveis debates que só destroem valor.

*Décio Fabrício Oddone da Costa é CEO da Enauta S.A. Escreve mensalmente para o Broadcast Energia. Este artigo representa exclusivamente a visão do autor.

Fonte: Broadcast Energia

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