Fonte: Automotive Business
Em uma rara união prática entre os setores privado e acadêmico, o CPEbio trabalha no desenvolvimento de um motor a etanol para veículos comerciais leves com eficiência próxima dos propulsores a diesel. Este é o primeiro projeto do Centro de Pesquisas em Engenharia Professor Urbano Ernesto Stumpf, dedicado a pesquisas em biocombustíveis que em seu nome homenageia o pioneiro criador do motor a álcool no Brasil. O CPEbio é formado por professores, pesquisadores e laboratórios de quatro das mais renomadas universidades de engenharia do País, Poli USP, ITA, Unicamp e Instituto Mauá de Tecnologia, que desenvolvem em consórcio o projeto com patrocínio do Grupo PSA e da Fapesp, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
Em 2012 o Grupo PSA (dono das marcas Peugeot e Citroën) e a Fapesp assinaram acordo de 10 anos para incentivar pesquisas em biocombustíveis no País, com investimento de R$ 1,6 milhão por ano dividido em partes iguais pelos dois patrocinadores. Após lançamento de consulta pública, a definição da primeira proposta a ser financiada, apresentada pelo CPEbio, foi feita em novembro de 2013 e as pesquisas foram iniciadas no ano seguinte, com previsão de término até outubro de 2018. “A PSA teve uma visão estratégica de longo prazo, o que não é muito comum no Brasil. A empresa não só financia como também participa ativamente do nosso projeto”, afirma Waldyr Luiz Ribeiro Gallo, professor da Unicamp e coordenador do CPEbio, que apresentou o balanço das atividades realizadas até agora pelo centro.
Ao todo, o primeiro projeto do CPEbio deve receber investimento de R$ 12,5 milhões em seus primeiros quatro anos (2014-2018), sendo R$ 3,2 milhões da PSA, R$ 3,2 milhões da Fapesp e mais R$ 6,5 milhões aplicados pelas universidades participantes. Em 2018 espera-se a definição de um novo projeto com participação de mais parceiros privados da indústria, que assim como a PSA poderão receber incentivos tributários – ainda em discussão pelo governo no Rota 2030 –, em troca de investimento em pesquisa, desenvolvimento e engenharia.
Conforme explicou Gallo, o CPEbio aproveita de forma complementar as competências de cada uma das quatro universidades do consórcio, com várias linhas de pesquisa simultâneas para o desenvolvimento do “motor avançado a etanol para veículos comerciais leves”. O centro também conta com um board internacional de aconselhamento técnico, formado por professores convidados de renomadas universidades europeias. “O objetivo é desenvolver projetos pré-competitivos, na fronteira do conhecimento”, afirma Gallo. “Mas vamos usar os resultados de nossas descobertas de forma prática, para o atendimento de metas de eficiência energética que são propostas pelo Rota 2030 (o novo programa de desenvolvimento do setor automotivo nacional em discussão no governo).”
Para superar o desafio de desenvolver um motor a etanol com consumo próximo dos veículos a diesel, diversas possibilidades estão sendo exploradas. As pesquisas são feitas tanto com motor aspirado de injeção indireta como turbinado de injeção direta. “Um motor dedicado pode trazer vantagens”, diz Gallo. Uma delas é que está prevista a concessão de bônus porcentuais de eficiência energética para os fabricantes de veículos que usarem motores a etanol com relação de consumo mais próxima da gasolina.
Na média atual, o etanol equivale a 70% do consumo da gasolina – em outras palavras, o biocombustível gasta 30% mais. Pela regra já contida no Inovar-Auto, o fabricante que conseguir reduzir essa relação para 75% pode aplicar bônus de 4% em sua média de eficiência energética medida em megajoule (MJ) por quilômetro, ou de 6% se a redução for para 80%, tornando mais fácil o atingimento de metas de consumo.
DIVISÃO DE TAREFAS
Cada universidade envolvida empresta sua melhor competência para desenvolver o projeto que envolve pesquisas em estratégia de injeção de combustível, partida a frio, uso de turboalimentação e recirculação de gases.
No Instituto Mauá de Tecnologia, em São Caetano (SP), os experimentos acontecem na Divisão de Motores e Veículos (DVM), que tem staff dedicado de 51 pessoas e 40 anos de experiência em testes e validações. O DVM tem 14 dinamômetros para medir emissões, combustão, calibração de motores e ensaios com peças e componentes. A missão é gerar dados experimentais para os outros grupos de estudo. Para a pesquisa do CPEbio, já foram testados para comparação motores usando etanol anidro puro (sem hidratação), álcool hidratado a 85% e 95%, além da gasolina nacional misturada com 27% de etanol. Nos testes foram usadas também variações com dois injetores por cilindro.
No Laboratório de Propulsão, Combustão e Energia (LCPE) do ITA em São José dos Campos (SP), estão sendo realizados para o projeto do CPEbio experimentos em um motor de 500 cc com acesso óptico, onde é possível filmar e analisar a injeção e velocidade de queima e compressão dentro do cilindro. Lá os testes envolvem análises comparativas de termodinâmica, formato de spray de injeção, chama e emissões de 32 gases e material particulado emitidos por diferentes tipos de combustíveis em ciclo otto, como etanol, gás e gasolina.
O LETE (Laboratory of Environmental and Thermal Engineering), da Poli USP em São Paulo, os estudos estão concentrados na análise de combustão turbulenta, que transforma em dados computacionais medidas de tamanho e turbulência da chama com diversos tipos de combustíveis e injeções. Os experimentos podem até determinar o tamanho de uma gota do spray injetado, para reconhecer as diferenças de queima entre combustíveis e suas misturas.
Em Campinas (SP), o Laboratório de Motores a Biocombustíveis do departamento de Engenharia Mecânica da Unicamp trabalha com duas linhas de pesquisa. A primeira analisa o comportamento do motor a etanol com aplicação de diversas tecnologias, como diferentes taxas de compressão, aspiração natural ou turboalimentação com ou sem recirculação de gases (EGR), intercooler, variação de abertura e fechamento de válvulas, incluindo a simulação de emissão de poluentes. Também estão sendo feitas simulações para conhecer melhor os efeitos de injeção direta d’água no cilindro, para resfriamento e redução de NOx.
Ao mesmo tempo, no laboratório da Unicamp também está sendo realizado estudo sobre aplicação de materiais leves e texturização no virabrequim, com o objetivo de reduzir peso e atrito de 2% a 5% e consequente diminuição de consumo.