Folha de São Paulo
A ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) diz que corte orçamentário anunciado pelo governo em março vai afetar suas atividades, enxugando programas como os que monitoram a qualidade e o preço dos combustíveis no país.
Uma das mais antigas agências reguladoras federais, a ANP completa 26 anos em 2024, com o desafio de regular o novo mercado de gás natural em um cenário de escassez de servidores, segundo já apontou o TCU (Tribunal de Contas da União).
A agência é responsável por regulamentar e fiscalizar os setores de petróleo, gás e biocombustíveis, da produção e importação aos postos de gasolina. É ela quem realiza os leilões de áreas para exploração e produção de petróleo no país.
Um dos programas sob risco na ANP atingem justamente uma das preocupações do mercado sobre a atuação da agência, a qualidade dos combustíveis. Outra preocupação está na demora em regulamentar a lei que deveria ampliar a competição no mercado de gás.
O diretor-geral da ANP, Rodolfo Saboia, diz que a agência vem sofrendo sucessivos cortes orçamentários. “O orçamento que temos hoje é um terço do que tínhamos há dez anos, sem contar a inflação. Se corrigirmos, vai a um quinto”, reclama.
Em março, o governo anunciou novo corte, de 18% sobre o valor previsto para 2024. “Isso teve efeito devastador em nosso planejamento de contratos que já tinham sido assumidos. Nos obriga a mais do que cortar do que cortar na carne, estamos amputando os primeiros dedos.”
Nesse processo, a agência reduzirá convênios com universidades para coletar amostras de combustíveis em postos de todo o país e deve também reduzir contratos para a pesquisa semanal de preços dos combustíveis.
O controle da qualidade dos produtos é uma preocupação no mercado, diante de uma onda de adulterações de gasolina com metanol, produto altamente cancerígeno, que explodiu em 2023. Em outra frente, fraudadores passaram a vende diesel com menos ou sem biodiesel, que é mais caro.
O varejo de combustíveis se tornou ainda um negócio rentável para lavagem de dinheiro de organizações criminosas, o que amplia o desafio da agência.
Saboia afirma que o aumento na adulteração foi detectado justamente pelo programa de monitoramento da ANP e que, ao longo do segundo semestre, a fiscalização foi reforçada, reduzindo os indicadores de não conformidade na venda de combustíveis.
Mas diz temer que a redução da abrangência do programa pela falta de recursos possa reverter o quadro. “Controle de combustível é assunto extremamente importante. Monitoramos um mercado muito sensível e muito exposto a interesses fraudulentos.”
A ANP vem perdendo também servidores ao longo dos anos. Ao fim de 2023, eram 638, queda de 7,5% em relação a dez anos antes. Saboia diz que vem pedindo, sem sucesso, a abertura de concurso, principalmente diante da necessidade regulamentar o novo mercado de gás.
Em abril, o TCU divulgou relatório em que classifica como “grave” o déficit de servidores na agência. Segundo o tribunal, a ANP tem “dificuldades para lidar com todas as demais atribuições que lhe foram imputadas” pela Nova Lei do Gás, de 2021.
Entre essas atribuições, está estabelecer as condições para a abertura do sistema de transporte do combustível —hoje ainda concentrada em contratos com a Petrobras— e para o uso de unidades de processamento de gás, também ocupadas pela estatal.
Saboia concorda com o TCU, mas diz que o gás é hoje prioridade na agenda regulatória de curto prazo da ANP, com debates, por exemplo, sobre temas como tarifas de transportes pelos gasodutos, definição de gasodutos de transporte.
Outra tarefa de curto prazo é rever a carteira de áreas de exploração e produção em oferta no país. UJm dos objetivos é retirar da prateleira blocos com sensibilidades ambientais e sociais, que têm motivado protestos sem atrair o interesse das petroleiras.
O diretor-geral da ANP defende a abertura de novas fronteiras para a exploração de petróleo no país, mesmo diante das pressões contra combustíveis fósseis e das seguidas catástrofes climáticas, como as enchentes no Rio Grande do Sul.
“A transição energética tem que ser realizada pela redução da demanda por petróleo e não pela redução da oferta”, argumenta. “Só vai acontecer coma expansão das energias renováveis ou de emissão zero. Imaginar que pode acontecer pela restrição da oferta é condenar os mais pobres.”
Ele alega que o petróleo brasileiro tem baixa emissão de carbono e, por isso, tem boas condições de contribuir com a segurança energética enquanto a capacidade renovável se expande no mundo. E que, sem descobrir novas reservas, o Brasil voltará a importar petróleo na próxima década.
“Não vejo contradição em buscarmos novas fronteiras para repor nossas reservas e a transição energética”, conclui.
RAIO-X DA ANP (por Folha)