O Estado de S.Paulo
Às vésperas de deixar a presidência da Petrobrás, Roberto Castello Branco vai tentar fazer com que o conselho de administração da empresa aprove, amanhã, a última privatização de sua gestão – da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), instalada na Bahia. Em documento enviado aos membros do colegiado, ao qual o Estadão/Broadcast teve acesso, a diretoria informa que o valor de R$ 1,65 bilhão fechado com o Mubadala, fundo de investimento dos Emirados Árabes, é inferior à faixa média de referência calculada por ela, antes da pandemia. Argumenta, no entanto, que o cenário econômico mudou e, sem vender refinaria, vai ser difícil manter os preços dos combustíveis alinhados aos do mercado internacional.
Os sucessivos aumentos do óleo diesel em 2021 levaram o presidente da República, Jair Bolsonaro, a demitir Castello Branco pelas redes sociais no dia 19 do mês passado. O mandato do executivo terminou há três dias, mas ele optou por não renunciar. Vai ficar no cargo até a chegada de seu substituto, após o dia 12 de abril, quando a assembleia geral extraordinária de acionistas (AGE) deve aprovar a indicação do general do Exército Joaquim Silva e Luna para o comando da estatal. Com ele, deve entrar um novo conselho de administração.
Enquanto isso, o atual presidente da Petrobrás mantém o projeto de dar fim ao domínio estatal no refino, sobretudo nas regiões Norte, Nordeste e Sul do País. A RLAM deve ser a primeira, de um grupo de oito refinarias postas à venda pela estatal, a ser privatizada.
De acordo com o documento enviado aos conselheiros na semana passada, para que decidam seus votos amanhã, o valor oferecido pelo Mubadala está abaixo da referência. Com a crise sanitária, a empresa revisou suas projeções, considerando as novas condições de mercado, e alterou o valor. Nesse segundo momento, concluiu que o total proposto pelo fundo árabe até supera suas expectativas.
Aos conselheiros, a diretoria da empresa diz que a “avaliação da oferta acima ou abaixo do cenário base não constitui informação suficiente para a tomada de decisão”. Segundo os gestores, o “timing é adequado”, diante do risco de o negócio não acontecer ou de a empresa não conseguir proposta melhor que a do Mubadala. No documento, a diretoria ainda alega que, se a RLAM não for vendida logo, há severo risco da “não implementação de política de preços competitivos e flexíveis nos próximos três anos”.
Desde 2016, a Petrobrás tenta equiparar os valores de seus derivados aos de importação, incorporando as oscilações da cotação da commodity e do câmbio a seus preços. Essa política, no entanto, tem sido criticada por consumidores, principalmente pelos caminhoneiros, cujas despesas dependem do diesel. Insatisfeitos com a estatal, eles pararam o País, em uma greve histórica em maio de 2018 e ameaçam repetir o feito este ano. Na época, a paralisação acabou motivando o então presidente da companhia, Pedro Parente, a pedir demissão.
A Petrobrás, por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que estabelece uma faixa de valor que norteia a transação. Na definição dessa faixa, seriam considerados critérios técnicos, de produtividade e do potencial do ativo, além de cenários corporativos de planejamento, como as projeções de preço do petróleo e câmbio.
“No caso da RLAM, o’valor de US$ 1,65 bilhão está dentro da faixa de valor interna e foi considerado justo por instituições financeiras que emitiram avaliações independentes e atestaram que a transação foi realizada a valores alinhados ao mercado. Nos casos em que essas condições não são atendidas pelas ofertas, o processo de desinvestimento não segue para as etapas seguintes, como ocorreu com o processo de venda da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná”, diz.
A empresa afirma ainda que todo processo de desinvestimento é auditado por órgãos de controle. “A venda só é concluída após aprovação das instâncias competentes e concluídas as condições precedentes, como, por exemplo, a aprovação pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica)”, argumenta.
No documento enviado aos conselheiros, a Petrobrás diz que os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) ainda não avaliaram o negócio. Apenas a Secretaria de Fiscalização de Petróleo e Gás Natural (Seinfra Petróleo) do TCU fez questionamentos e, ao fim, não se posicionou contra a venda.
Valo inferior
Em fevereiro, quando a Petrobrás anunciou a proposta de US$ 1,65 bilhão do Mubadala, ao menos duas instituições consideraram o valor inferior às projeções. Em relatório, o BTG Pactual afirmou’que a proposta ficou 35% abaixo do limite inferior de suas estimativas. Já o Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) projetou valor de US$ 3 bilhões para o ativo, quase o dobro do que será pago pela refinaria.
“Os dados revelam que a RLAM tem potencial importante de geração de caixa futura que, a depender das premissas utilizadas, pode estar sendo subvalorizada nesse momento de venda”, afirmou Rodrigo Leão, coordenador técnico da entidade, na época do anúncio da venda.
O TCU respondeu ao Estadão/Broadcast que, “caso seja identificada alguma falha ou irregularidade no processo de venda, o Tribunal poderá adotar medidas corretivas”, mas que “a decisão pela venda da refinaria encontra-se no âmbito da discricionariedade (liberdade de decisão) da Petrobrás e independe de aprovação do TCU”.
Já o Cade afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que a empresa tem até o fim de abril para assinar os contratos de venda das refinarias e a conclusão do negócio deve acontecer até dezembro. Os prazos fazem parte do Termo de Compromisso de Cessação (TCC) firmado com a estatal, em 2019.
Projetos de compra e venda de ativos da Petrobrás estão sempre na mira dos órgãos fiscalizadores do governo. Durante a Operação Lava Jato, ex-executivos da empresa e membros do conselho de administração foram questionados por terem aprovado negócios considerados prejudiciais à companhia, como a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. Alguns desses executivos foram condenados pela Justiça e há ainda processos em aberto.
De lá para cá, a visão das entidades de controle sobre aquisições ou desinvestimentos da Petrobras ganhou peso ainda maior na tomada de decisão dos membros do conselho de administração, que podem ser pessoalmente julgados por seus votos.