EPBR
A revisão dos termos do contrato de exportação do gás boliviano ao Brasil, recém-negociada entre Petrobras e a YPFB, tende a abrir espaço para que empresas privadas importem mais gás do país vizinho. Esses agentes, porém, devem continuar a enfrentar, em 2024, a concorrência da Argentina pela oferta declinante de gás da Bolívia.
Com o crescimento da produção interna na Argentina, havia a expectativa de que o país vizinho reduzisse sua demanda por gás boliviano e que a YPFB direcionasse volumes maiores de sua oferta para os comercializadores privados, no Brasil, a partir do ano que vem.
A situação na Argentina, porém, mudou. O atraso na licitação das obras de reversão do fluxo do Gasoduto Norte – que levará gás de Vaca Muerta à região Norte da Argentina – ameaça os planos do país de declarar a independência da importação de gás da Bolívia no inverno de 2024, como prometido pelo presidente anterior, Alberto Fernández.
O governo recém-empossado de Javier Milei decretou esta semana situação de emergência energética na Argentina até o fim de 2024. O governo quer abrir caminho para uma revisão das tarifas – em linha com a promessa de campanha de atrair investimentos com a redução dos subsídios no setor.
Mas ainda não há uma definição sobre o Gasoduto Norte. O despacho de gás firme da Bolívia para a Argentina já não está mais garantido para 2024 e a exportação passará a ser feita, em sua totalidade, na modalidade interruptível a partir de meados do ano.
O discurso, na YPFB, é de que todo o gás que se deixe de exportar para a Argentina será realocado no Brasil. O sócio-diretor da Gas Energy Latin America, Álvaro Ríos, acredita, no entanto, que a flexibilização dos compromissos entre YPFB e Petrobras abre caminho para que a estatal boliviana volte a colocar o mercado argentino no radar.
“O gás boliviano ainda vai ser muito necessário na Argentina”, avalia Ríos, ex-ministro de Hidrocarbonetos na Bolívia. “Há espaço para a importação de gás na modalidade interruptível [pelos comercializadores privados] no Brasil, mas a Bolívia está muito limitada na oferta”, complementou.
O que mudou no contrato entre Petrobras e YPFB
A Petrobras informou, na semana passada, que o novo aditivo com YPFB mantém o volume máximo de importação de 20 milhões de m³/dia, mas com “maior flexibilização dos compromissos firmes” de acordo com a sazonalidade e disponibilidade da oferta.
A flexibilização dos compromissos firmes de entrega e recebimento garante, segundo a estatal brasileira, o fornecimento “em equilíbrio contratual para as empresas” e possibilitará à Bolívia vender volumes adicionais para outros importadores brasileiros.
Ríos explica que o que está em jogo é a flexibilização das penalidades para ambas as partes:
• do lado da Petrobras, existe a cláusula de take-or-pay: a regra estabelece um volume mínimo de gás que deve ser retirado, para não pagamento de penalidades;
• do lado da YPFB, existe a cláusula de deliver-or-pay: caso o fornecedor não entregue o volume previamente solicitado pelo comprador, paga uma multa proporcional aos volumes não fornecidos.
Segundo Ríos, o novo aditivo formaliza um comportamento de entrega e retirada que já vinha acontecendo ao longo do ano. Os detalhes sobre as penalidades são mantidos em confidencialidade.
De acordo com dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), entre os meses mais críticos, entre maio e setembro, a entrada de gás boliviano na malha da Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG) foi, em média, da ordem de 13 milhões de m3/dia – patamar distante do teto estabelecido em contrato.
“YPFB e Petrobras já haviam flexibilizado no dia a dia, agora está formalizado… Há uma conveniência mútua nesse acordo. Dá condição de apoiar a Argentina. A Bolívia hoje tem menos produção e o Brasil não está necessitando de todo o volume [contratual]”, comentou Ríos.
A depender do ritmo de envio de gás boliviano ao Brasil, as importações do país vizinho pela Petrobras podem se estender para além de 2025, quando se encerra o contrato com a YPFB.
Procurada, a Petrobras esclareceu que o “contrato permanece com o modelo de contratação de bloco de gás, sendo o prazo de vigência prorrogado automaticamente até a entrega integral dos volumes pactuados”.
O fato de o mercado brasileiro conviver com uma hidrologia favorável e um consumo industrial errático facilitaram a revisão dos compromissos contratuais, segundo fontes.
Esta, aliás, não é a primeira flexibilização das penalidades entre Petrobras e YPFB. No ano passado, as duas companhias já haviam negociado ajustes nesse sentido.
No inverno de 2022, a YPFB cortou parcialmente as exportações para a Petrobras para realocar volumes extras no mercado argentino – que buscava alternativas para reduzir sua dependência dos preços recordes de gás natural liquefeito (GNL).
Como sua produção de gás declinante, a Bolívia não conseguiu atender ao aumento da demanda argentina e, ao mesmo tempo, manter o envio de gás ao Brasil nos mesmos níveis. A YPFB resolveu, então, aproveitar oportunidades mais vantajosas no mercado argentino.
Agentes que possuem contrato com a YPFB veem como positivos os efeitos da revisão dos termos do contrato da estatal boliviana com a Petrobras sobre a abertura do mercado no Brasil.
As fontes relatam, sob a condição de anonimato, contudo, que a relação comercial do lado boliviano é pragmática: entre a Argentina e os traders privados no Brasil, leva o gás quem pagar mais.
No mercado brasileiro, o principal cliente da YPFB é a Petrobras, mas a estatal boliviana vem, nos últimos anos, se aproximando de comercializadores privados. Na prática, contudo, esses contratos pouco têm sido acionados, por falta de disponibilidade de molécula da Bolívia, relatam fontes do setor.
A YPFB possui alguns contratos interruptíveis com empresas que se dispõem a pagar mais que a petroleira estatal pelo gás boliviano. Comercializadoras como Tradener e Delta chegaram a conseguir importar gás interruptível do país vizinho em 2022, mas enfrentaram dificuldades para manter as remessas este ano.
Além delas, também possuem contratos do tipo como a YPFB empresas como a MDC e a Blueshift.
Outra cliente dos bolivianos é a Âmbar Energia, do grupo J&F, que opera a termelétrica Cuiabá (MT) e assinou recentemente contrato com a Copel para aquisição da usina de Araucária (PR) – térmica que está conectada ao Gasbol. É uma candidata natural a buscar mais gás na Bolívia.
Bolívia descobre mais gás
Esta semana, a YPFB anunciou a descoberta de 230 bilhões de pés cúbicos de gás (BCF) no poço Churumas-X2, localizado em Tariquía, Tarija. A estatal boliviana solicitou a declaração de comercialidade do campo.
A redução dos investimentos em exploração na Bolívia, ao longo de anos, cobra o seu preço hoje: o país vive dificuldades de repor suas reservas. No início do ano, a Wood Mackenzie publicou um relatório em que projeta um declínio da produção mais rápido do que o esperado no país vizinho.
A consultoria estima que o Brasil pode não dispor mais de gás boliviano ao fim da década. E destacou que, na virada da década, a Bolívia pode passar a ser importador de gás, se não houver sucesso exploratório no país.
O presidente da Bolívia, Luis Arce, chegou a afirmar este ano que a produção de gás natural do país “chegou ao fundo”. A produção da estatal YPFB caiu de 59 milhões de m³/dia para 37 milhões de m³/dia em nove anos.
A atual gestão da YPFB conduz desde 2021 um plano para aumentar as reservas, que inclui a execução de 42 projetos exploratórios. O programa foi anunciado depois que a estatal não teve nenhuma nova perfuração durante todo o ano de 2020.