Empresa de petróleo assume 100% do negócio brasileiro de cana e paralisa investimentos em bioquerosene de aviação nos EUA e na Alemanha
Globo Rural Online
A petrolífera britânica BP decidiu priorizar o Brasil em sua aposta em biocombustíveis como uma das vias de transição energética, ao acertar ontem a compra dos 50% de participação que a Bunge detinha na joint venture criada pelas duas empresas em 2019, a sucroalcooleira BP Bunge Bioenergia.
Em paralelo, suspendeu o desenvolvimento de duas plantas de bioquerosene de aviação (SAF), uma nos Estados Unidos e outra na Alemanha, e vai avaliar a continuidade de outros três projetos do combustível renovável, duas na Europa e uma na Austrália.
Foi uma escolha “difícil”, afirmou ao à reportagem Nigel Dunn, vice-presidente sênior de biocombustíveis da BP. A decisão foi pautada pelo ganho econômico de cada negócio. Segundo Dunn, o retorno da operação de cana é “extremamente atrativo”, enquanto os estimados para as plantas de SAF nos Estados Unidos e na Alemanha não eram tanto assim.
A incorporação do negócio de cana à BP encaixa-se na meta da petrolífera de obter de sua atuação com bioenergia um retorno de mais de 15% e um lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) de US$ 2 bilhões até 2025. Desde a safra 2020/21, a BP Bunge Bioenergia passou a dar lucro, e nas duas temporadas seguintes, as sócias receberam R$ 495 milhões em dividendos cada.
A BP deve pagar à Bunge um valor entre US$ 700 milhões e US$ 800 milhões – a BP não divulgou quanto será transferido, mas a trading americana informou que espera receber, líquido, em torno de US$ 800 milhões quando a operação for concluída. Além do pagamento pelas ações da Bunge, a BP também vai assumir a parte da dívida correspondente à sócia, o que resulta em uma transação de US$ 1,4 bilhão. Atualmente, a joint venture tem US$ 500 milhões em dívida líquida e US$ 700 milhões em obrigações de arrendamento.
Com a saída da Bunge do negócio, a BP pretende acelerar alguns planos de investimento para aumentar sua eficiência e diversificar suas operações. Segundo Dunn, em até dois anos, o plano é colocar sua capacidade global de trading de combustíveis à disposição da operação no país.
Perspectivas
No médio prazo (em até cinco anos), o plano é investir em retirada de gargalos industriais e erguer plantas de biogás. A gestão atual já começou a avaliar esses projetos e sua engenharia.
Esses aportes devem ter prioridade em relação aos investimentos para preencher a capacidade instalada. Das 32 milhões de toneladas de cana de capacidade de moagem nas 11 usinas da empresa, a joint venture processou 28,7 milhões de toneladas no ciclo passado, ou 4% da moagem do Centro-Sul, e espera moer 29,3 milhões de toneladas neste ciclo (2024/25).
Para daqui cinco anos em diante, os planos são mais ambiciosos. A ideia da BP é apostar no Brasil em capacidade de produção de SAF a partir de etanol – tecnologia conhecida como ATJ (alcohol-to-jet).
Para os projetos de médio prazo, Dunn avalia que o negócio poderá se financiar por conta própria. Já para um projeto em ATJ, o executivo admite que a BP poderá fazer aportes próprios.
“Esses projetos são de centenas de milhões de [dólares] investimento. Precisaria de um investimento de capital da BP. Mas temos como estratégia da BP de financiar a transição e a bioenergia. Queremos deixar de ser uma companhia internacional de petróleo para ser uma companhia integrada de energia”, afirmou.
Segundo Dunn, a BP mantém sua visão de que faz mais sentido construir indústrias de SAF perto de onde há demanda, como hoje na Europa e nos Estados Unidos, que têm políticas de mandatos de mistura do bioquerosene ao querosene fóssil para os aviões.
No Brasil, o projeto de lei Combustível do Futuro, em discussão no Congresso, pode dar mais um incentivo aos planos da BP. “Se tiver um mandato aqui, vai ser mais atrativo. Os mandatos nos dão confiança de que a demanda estará lá”, disse. Além disso, o país pode ter o diferencial de possuir uma oferta de SAF a partir de etanol, que tem menor pegada de carbono que outras matérias-primas, observou. Sem mandatos, o SAF não consegue concorrer hoje livremente com o querosene de aviação por ser três vezes mais caro.
O avanço da BP no setor sucroalcooleiro do Brasil marca não só a saída definitiva das grandes tradings do segmento – a Bunge foi a última das “ABCD” a vender seus ativos no ramo – como marca o aumento da participação na área das petrolíferas, que buscam fugir da pecha de causadoras do aquecimento global. A anglo-holandesa Shell tem 50% da Raízen, a maior do setor, que moeu 84 milhões de toneladas de cana na safra passada.
Além disso, o fundo árabe Mubadala, que no Brasil controla a refinaria de Mataripe e tem diversos investimentos em petróleo no Oriente Médio, Rússia e sudeste asiático, é hoje controlador da Atvos, terceira maior processadora de cana do país.
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