Valor Econômico
Maioria dos fatores que compõem o preço final da gasolina e do diesel reforça a pressão inflacionária sobre os combustíveis
Sete reais o litro da gasolina. Em quatro Estados do Brasil (Acre, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Tocantins), o preço máximo encontrado nos postos ultrapassou os R$ 7 na semana de 15 a 21 de agosto, de acordo com a última pesquisa de preços ao consumidor da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Embora o preço médio realizado tenha ficado abaixo desse patamar, os atuais valores cobrados nas bombas seguem em alta no país. Em 2021, o preço do litro da gasolina acumula uma alta de 30,5% nos postos. Quem abastece com diesel vive a mesma realidade. O aumento acumulado do derivado no ano é de 24,2%.
Por que, afinal, os preços dos combustíveis têm subido tanto no Brasil?
A seguir, vamos explicar o que tem levado o brasileiro a se assustar tanto na hora de abastecer o seu veículo e, em seguida, apresentar quais podem ser os caminhos e dificuldades para conter a inflação dos combustíveis no país.
Antes de tudo, o petróleo
Para compreendermos o encarecimento dos derivados, é preciso primeiro entender como o preço dos derivados é composto no Brasil. Um dos principais pesos para o aumento dos preços da gasolina e do diesel está num fator conjuntural do mercado internacional já bem conhecido: a valorização da ordem de 30% do barril do petróleo, fator que influencia diretamente nos preços dos combustíveis.
Os preços dos derivados no Golfo do México (EUA), mercado de referência para o Brasil (que é importador), estão em alta. A recuperação da demanda no mercado americano a partir do avanço da vacinação contra a covid-19 se reflete na valorização dos combustíveis. O balanço apertado entre oferta e demanda, dada as restrições ainda existentes nas cotas de produção dos membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e aliados, também ajuda a manter os preços em alta, em relação ao ano passado. Em 2021, o preço médio o barril do tipo Brent está em cerca de US$ 67, ante a média de US$ 41 registrada em 2020.
Como a Petrobras adota uma política de alinhamento ao mercado internacional (o preço de paridade de importação, o PPI), o petróleo mais caro se traduz em reajustes para a gasolina e diesel. Em 2021, os preços praticados pela estatal nas refinarias acumulam um aumento de 52,4% para a gasolina e de 39,2% para o diesel, de acordo com o Valor Data. Embora tenha reduzido a frequência dos reajustes, a gestão de Joaquim Silva e Luna na Petrobras, a partir de abril, tem mantido os reajustes de preços na gasolina e no diesel.
Nessa equação, também é preciso considerar a desvalorização do real em relação ao dólar e o aumento das paradas programadas para manutenção das refinarias no primeiro semestre, o que reduz momentaneamente a oferta de combustíveis. “No Brasil tem a questão do câmbio: o dólar sobe e o consumidor sente na bomba uma vez que o produto tem como referência a moeda americana, mas é vendido em reais, o que leva a reajustes”, diz Felipe Perez, diretor e estrategista de refino e combustíveis da IHS Markit para a América Latina.
No caso do diesel, vale destacar também que o setor agrícola tem ajudado a puxar o consumo do derivado para cima, afirma Perez. Segundo ele, a demanda por gasolina e diesel no Brasil tem sido melhor que a expectativa.
Um preço, muitos fatores
Mas não só o preço do petróleo justifica esse aumento expressivo dos preços dos combustíveis no Brasil. Os preços praticados pela Petrobras representam 33,3% do preço final da gasolina, segundo dados da própria empresa no período de 8 a 14 de agosto. Os impostos também pesam no bolso: a tributação federal (Cide, PIS/Pasep e Cofins) responde por 11,6% e o ICMS cobrado pelos Estados por mais 27,8% do preço final do produto. A distribuição e revenda ficam com 11% e o etanol anidro, misturado à gasolina, responde por 16,3% da composição final do preço do derivado.
No caso do diesel, a fatia da Petrobras corresponde a 52,4% do preço final do produto ao consumidor; a distribuição e revenda respondem por 13,4%, o ICMS por 15,9%; os impostos e taxas federais por 7%; e o biodiesel por 11,3%.
A maioria dos fatores que compõem o preço final da gasolina e do diesel reforça a pressão inflacionária sobre os combustíveis.
Os biocombustíveis estão mais caros
O litro da gasolina comum leva 27% de álcool anidro, enquanto o litro do diesel leva 12% de biodiesel. Acontece que ambos os biocombustíveis estão com preços em alta hoje, contribuindo para o aumento dos derivados de petróleo. De acordo com levantamentos do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CepeaEsalq/USP), o preço do etanol anidro acumula uma alta de 56,5% no ano.
Já o biodiesel, negociado em leilões promovidos pela ANP, foi negociado, nos quatro primeiros certames do ano, a um preço médio de R$ 4,4 a R$ 5,5 o litro — mais caro que a média de R$ 2,7 a R$ 3,8 registrada nos quatro primeiros leilões do ano passado.
Imposto contribui para inflação
Algumas distorções na cobrança do imposto também ajudam a encarecer os combustíveis justamente nos momentos em que os preços no mercado disparam. Isso porque os Estados cobram a alíquota de ICMS em cima do chamado Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final (PMPF). Trata-se de um valor definido pelos Estados, quinzenalmente, com base numa pesquisa do preço de venda à vista nos postos. Ou seja, esse mecanismo de cobrança acaba por acentuar as tendências inflacionárias, uma vez que, quanto maior o preço do combustível no mercado, maior o valor cobrado pelos Estados. Como o ICMS é cobrado sobre os preços nas bombas, o tributo incide também sobre o PIS/Cofins, num caso também de bitributação.
Perez, da IHS Markit, diz que é preciso considerar a necessidade de uma reforma tributária para os combustíveis. Ele acredita que o ideal seria, no caso do ICMS, haver uma cobrança de um valor fixo em reais por litro.
O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, diz que a cobrança de alíquotas diferentes pelos diferentes Estados também prejudica o mercado, ao estimular fraudes tributárias no elo da distribuição.
Como resolver o peso dos tributos?
De olho nas eleições de 2022, Jair Bolsonaro manifestou a intenção de zerar a cobrança de Pis/Cofins sobre o diesel no ano que vem, uma pauta cara aos caminhoneiros, base de apoio do presidente da República.
A medida custaria R$ 15 bilhões e é interpretada por Adriano Pires como uma forma de o presidente pressionar politicamente os governadores a adotarem medidas para reduzir a tributação estadual sobre o derivado. O consultor, no entanto, vê a medida como pouco eficaz, uma vez que os Estados, em dificuldades financeiras, têm pouca margem para cortar fontes de arrecadação nesse momento. Ele lembra também que a desoneração do diesel foi implementada este ano, entre abril e maio, sem ter conseguido aplacar a inflação do combustível. Isso porque os tributos federais são a menor parcela no preço final do derivado.
“Não é simples arranjar fontes de compensação para essa perda fiscal. É uma grande ginastica, com efeitos limitados. Do ponto de vista da política ambiental, subsidiar fósseis pode ser um tiro no pé na reputação internacional do país”, comentou Pires.
O que mais pode ser feito para baratear os combustíveis?
O governo lançou este mês uma medida provisória que, dentre outros assuntos, permite a venda direta de etanol entre usinas e postos, sem necessidade de intermediação das distribuidoras; e flexibiliza a tutela regulatória de fidelidade à bandeira, medida que abre espaço para que revendedores vendam combustíveis de outra empresa que não aquela que estampa sua marca no posto. Hoje, pela regra, um posto “bandeirado” só pode adquirir e vender combustível fornecido pelo distribuidor com o qual possui acordo para exibição da marca. A ANP fiscaliza a execução desses contratos.
Adriano Pires vê ambas as iniciativas com certo ceticismo. Ele acredita que os efeitos sobre o preço ao consumidor devem ser menores que o esperado. No caso da venda direta do etanol, a expectativa é que a medida beneficie casos muito particulares, de postos localizados próximos às usinas. Já em relação à flexibilização da fidelidade à bandeira, o consultor lembra que os contratos entre as distribuidoras e revendedores tendem a continuar sendo regidos por cláusulas de exclusividade e que a medida pode ser “inócua”, com impactos negativos para a segurança jurídica do setor.
As líderes de mercado (BR, Ipiranga e Raízen) são contra a proposta. Entre as empresas menores, não há um consenso. A Gran Petro é uma das vozes mais ativas na defesa da flexibilização e vê, na medida, uma forma de reduzir a concentração de mercado.
Ele defende que a discussão sobre política de preços dos combustíveis no Brasil deve preservar o alinhamento da Petrobras ao mercado internacional, mas que uma reforma tributária e políticas públicas para os preços dos derivados são bem-vindas.
Uma solução, cita Pires, seria a criação de um fundo de estabilização voltado para atenuar os efeitos das altas no mercado internacional sobre os preços internos. Esse assunto está em debate desde o governo Michel Temer, em resposta à greve dos caminhoneiros de 2018, mas não saiu do papel até hoje. Segundo o consultor, o fundo poderia ser financiado com recursos dos royalties ou dividendos da Petrobras, por exemplo.
Perez, da IHS, por sua vez, destaca que um problema no Brasil está no fato de a boa parte da frota ser formada por caminhoneiros autônomos que não têm condições de se proteger de eventuais altas do diesel. O caminhoneiro fecha um frete e pode ocorrer que, durante a viagem, o diesel sofra aumento, o que leva o motorista a ter perda. Uma solução, embora complexa, poderia ser a criação de “hedges” (seguros contra a oscilação de preços) para os caminhoneiros.
O custo logístico
Um aspecto que chama a atenção na última pesquisa da ANP é que os preços mais altos, no caso do diesel, estão em regiões extremas do Brasil, caso do Pará e do Acre, por exemplo. Perez diz que os dados demonstram que é preciso investir na malha de infraestrutura para o combustível chegar na ponta de forma mais eficiente e competitiva. Ele acredita que a venda das refinarias da Petrobras é um elemento importante para permitir novos investimentos no setor.