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Ao ver os preços dos combustíveis nas bombas dos postos, a maioria das pessoas talvez ache que o que influencia no valor são preços internacionais, questão de safra ou puro repasse para o consumidor.
No entanto, embora tais fatores possam influenciar, há outros que são menos discutidos, mas que ganharam publicidade nos últimos tempos.
O principal deles veio à tona na semana passada: a Medida Provisória número 1.227/2024, que foi publicada em 4 de junho e impõe restrições à compensação de créditos de PIS/Cofins para pagar débitos de outros tributos federais e dificulta o ressarcimento do saldo credor decorrentes de ambas tarifas. Além disso, o setor de combustíveis também questiona as exigências de compra de créditos de carbono.
A Brasilcom ( Federação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Gás Natural e Biocombustíveis) alega que a restrição pode resultar em aumentos de custos operacionais e financeiros para as empresas do ramo, custos que impactarão em toda a cadeia, inclusive para o transporte público, frete de cargas e alimentos, além do consumidor final. Estima-se que o aumento nas bombas possa ser superior a 10 centavos por litro.
Ainda de acordo com a associação, a medida seria um retrocesso em relação à reforma tributária, prejudicando o fluxo de caixa e competitividade das empresas associadas, que talvez tenham que recorrer a mais empréstimos para manter as contas equilibradas.
‘A restrição imposta pela MP 1.227/2024 resultará em aumento de custos operacionais e financeiros para as empresas que comercializam combustíveis. Esses custos adicionais impactarão toda a cadeia, inclusive para o transporte público, frete de cargas e alimentos, com impactos diretos sobre o consumidor final e sobre a inflação’, afirma o comunicado emitido pela Brasilcom.
Cbios: como mecanismo funciona
O programa federal obriga a compra de CBios (Créditos de Descarbonização) para permitir o desenvolvimento de produtores de combustíveis renováveis – ou biocombustíveis -, algo que deve se intensificar cada vez mais.
O programa obriga as distribuidoras a comprarem créditos em uma meta anual.
É uma forma de compensar as emissões dos combustíveis fósseis, tais como gasolina e diesel, uma missão nobre, mas que gera polêmica dia após dia, em discussões com o setor agro, o principal responsável pelos biocombustíveis no Brasil. Uma das bandeiras das distribuidoras é transferir a obrigação de compra dos créditos de carbono também para as refinarias, importadores e produtores.
Os créditos são emitidos por produtores de biocombustíveis e são investidos na busca de melhor eficiência e diminuição do impacto ambiental da cadeia.
‘O RenovaBio, Política Nacional de Biocombustíveis (instituída pela Lei 13.576/2017 e implementada pelo Ministério de Minas e Energia), visa promover a expansão da produção de biocombustíveis, como o etanol e o biodiesel no Brasil, alinhando-se com os compromissos do país no Acordo de Paris para a redução das emissões de gases de efeito estufa’, explica Daniel Caiche, professor de MBAs da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Caiche acrescenta que o programa funciona através da certificação de produtores de biocombustíveis, que devem comprovar a eficiência energética e a redução de emissões em suas operações para receberem os CBios.
Cada CBio representa uma tonelada de CO2 que deixou de ser emitida, incentivando a produção e uso de combustíveis mais limpos
Em novembro do ano passado, um estudo feito pela PUC-RJ divulgado pela Brasilcom, que encomendou a pesquisa, apontou que as metas de descarbonização acrescentaram, em 2023, cerca de 14 centavos ao preço do diesel e 12 centavos ao da gasolina.
‘O custo adicional da aquisição de CBios por parte das distribuidoras para cumprimento das metas estabelecidas pela ANP [Agência Nacional do Petróleo] é distribuído no preço final da gasolina. O como esse custo é distribuído depende de uma série de fatores de mercado que podem influenciar esse cálculo, como margens de lucro, impostos, e estratégias de precificação’, afirma Daniel.
Não é uma conta simples, o impacto sobre os preços não é algo direto, depende de vários fatores. Culpabilizar um programa de escopo ambiental pelo preço da bomba não seria o caso.
Dentre outros fatores, a valorização dos créditos de carbono talvez impacte mais nos próximos tempos. De acordo com o governo, o volume previsto de CBios será 3,3% maior do que em 2023.
O impacto sobre os consumidores é inegável.
‘Os CBios são negociados em um mercado específico, onde produtores certificados podem vendê-los para distribuidoras de combustíveis fósseis, que são obrigadas a adquirir uma quantidade proporcional ao volume de combustíveis fósseis que comercializam. Essa obrigatoriedade serve como uma compensação pelas emissões geradas pela queima de combustíveis fósseis. O preço dos CBios é determinado pelo mercado e pode variar conforme a oferta e a demanda, influenciando diretamente o custo que as distribuidoras precisam repassar aos consumidores’, diz Daniel.
As tendências de valorização e demanda dos créditos são cada vez mais crescentes.
Essa tendência vem acompanhada da necessidade de aprimoramento dos sistemas de certificação e rastreabilidade dos CBios, garantindo maior transparência e confiabilidade aos compradores e investidores.
Isso inclui o desenvolvimento de padrões e critérios mais rigorosos para a produção e comercialização dos biocombustíveis, bem como a implementação de tecnologias de monitoramento mais avançadas’, sugere o professor.
O mercado de créditos é sujeito a flutuações do mercado de energia e de commodities agrícolas, também sendo influenciado por políticas governamentais e regulamentações ambientais, aponta Daniel.
‘O valor médio que se está comercializando o crédito está por volta de R$ 115, valor que, apesar das oscilações de mercado, representa uma tendência de elevação, segundo dados da Bolsa de Valores Brasileira (B3).
De acordo com dados da ANP, prossegue, há uma grande demanda pela aposentadoria dos créditos (ou seja, a utilização e a retirada de circulação do mercado) para cumprimento da meta estabelecida, fato que demonstra a demanda por CBios.
˜Sinal do crescimento e amadurecimento desse mercado, é a recente notícia da criação do primeiro fundo de investimento em CBios, lançado em abril na B3. Este fundo tem como foco os ativos ambientais e ligados à economia de baixo carbono’.
A distribuição dos recursos arrecadados pelos CBios também viraram uma polêmica, mas ela parece ter sido resolvida.
‘Nesse contexto, destaco avanço na garantia de uma distribuição equitativa dos recursos gerados pelos CBios. Um acordo estabelece que o produtor rural que fizer parte da certificação da unidade produtora com dados padrões receberá no mínimo 60%, enquanto os produtores que tiverem os dados primários, ou seja dados locais sobre a emissão de CO² relativa à produção de biomassa, receberam 85% da receita líquida obtida pela indústria com a venda dos CBios’, analisa Daniel.
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