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Valor Econômico

Por Joe Ryan

Transição energética é um caminho sem volta e, no mundo dos negócios, o mercado premia quem chega primeiro

Mais de duas décadas atrás, o executivo da indústria automotiva Wan Gang defendeu no Conselho de Estado da China que o país deveria parar de investir em veículos a combustão e focar no que ele considerava a tecnologia do futuro: carros elétricos. Se a China investisse na nova tecnologia antes de outros países, ele argumentou, o país se tornaria líder incontestável em veículos elétricos (EV) no mundo.

O governo chinês adotou políticas e programas de incentivo para desenvolver essa nova indústria – dos minerais essenciais à produção até concessionárias. Gang estava certo e a China é hoje um peso-pesado em carros elétricos, responsável por 60% das vendas globais. Três de suas fabricantes de baterias elétricas respondem por mais da metade do mercado mundial.

O Brasil vislumbra oportunidade semelhante agora que o planeta embarca na próxima fase de transição energética. O país poderia obter retornos significativos de investimentos iniciais em novas tecnologias limpas, o que ajudaria a gerar nova riqueza e a alcançar metas climáticas mais rapidamente.

Primeiro, vamos considerar o contexto. O mundo se comprometeu a atingir a meta de zero emissões até a metade do século, com os maiores poluidores adotando políticas claras para isso. Os setores naval e de aviação também deram passos concretos na transição para combustíveis limpos.

É um caminho sem volta. E no mundo dos negócios, o mercado premia quem chega primeiro.

Além do já pujante setor agrícola, o Brasil tem 40 milhões de hectares de terras de pasto degradadas. Alguns argumentam que essa área poderia ser utilizada para o plantio de cana de açúcar para a produção de etanol para veículos. Mas isso seria um erro.

Os principais mercados e fabricantes de carros do mundo estão abandonando veículos a combustão em favor de carros e caminhões 100% elétricos. Insistir no etanol resultaria na transferência de empregos na fabricação de carros elétricos para outros países e faria as emissões provenientes do transporte caírem em ritmo mais lento. Com o fim do desmatamento e um aumento na geração de energia limpa, o setor de transporte surgiria como a maior fonte de emissões do Brasil.

Em vez de olhar no retrovisor e adotar políticas antiquadas, o Brasil deveria acelerar na direção de carros e caminhões de zero emissões. O programa Mover, que é considerado um marco, representa um momento crucial para o país investir em tecnologias de baixa emissão e estimular a adoção de veículos de maior eficiência pelos consumidores.

Ao mesmo tempo, como as baterias não são uma solução simples de energia limpa para a aviação ou o setor naval, países capazes de oferecer combustíveis sustentáveis alternativos têm uma vantagem.

Em vez de produzir etanol, o Brasil pode usar lavouras alternativas e os resíduos vegetais vindos de seu processamento para criar biocombustíveis de segunda geração para aviões e navios, reduzindo o impacto climático dessas indústrias globais gigantescas. Pesquisas mostram que a demanda por combustíveis sustentáveis para o transporte marítimo será igual a toda a produção global de energia renovável atual. É uma oportunidade ótima para investidores.

O Brasil é um dos países, talvez o único, entre os grandes potenciais exportadores de biocombustíveis do mundo, com terras suficientes para garantir que sua produção seja verdadeiramente neutra em carbono. Outros concorrentes precisariam derrubar florestas ou fabricar biocombustíveis a partir do milho, da soja ou do óleo de palma, uma estratégia fadada ao fracasso quando mercados como os EUA e a Europa passarem a exigir combustíveis neutros em carbono.

As vantagens do Brasil não param aí. Os ventos estáveis no Nordeste são perfeitos para a energia eólica, e por isso a capacidade do Brasil é quase o dobro da média global. Análises indicam que as costas brasileiras poderiam produzir 700 gigawatts de eletricidade eólica offshore, mais de 3,5 vezes a capacidade elétrica do país hoje.

Se o Brasil tiver sucesso na sua estratégia eólica, poderá gerar um excedente de energia limpa, enquanto outros países ainda terão dificuldade em produzir energia renovável suficiente para suas redes. Esse excedente faria o país sair na frente na corrida para produzir hidrogênio verde – outro combustível limpo que será crucial para a redução de emissões globais.

O hidrogênio só gera zero carbono se for produzido com eletricidade renovável para quebrar moléculas de água (H2 O) em oxigênio (O2) e hidrogênio (H2). A Agência Internacional de Energia observa que para substituir o atual hidrogênio “cinza” do planeta, ou seja, o hidrogênio produzido usando combustíveis fósseis, seriam necessários 3.000 terawatts-hora por ano em novas energias renováveis – o equivalente à atual demanda energética da Europa.

No futuro, o hidrogênio verde será vital para a redução das emissões da indústria. Ele pode substituir o carvão na fabricação de aço de baixo carbono, que estará em alta demanda na medida em que os países tentam reduzir a intensidade de carbono de bens importados e as empresas buscam limpar cadeias de suprimentos para alcançar suas metas climáticas. O hidrogênio verde também é essencial na produção de fertilizantes de amônia de baixo carbono.

O excedente de energia limpa do Brasil permitiria a produção de hidrogênio verde a um custo muito mais baixo do que de outros países. Ao mesmo tempo, permitiria a produção de amônia e aço de baixo carbono, que poderiam ajudar a reduzir as emissões no mercado interno ou serem exportados.

Estima-se que o mercado de hidrogênio verde atinja US$ 1,4 trilhão por ano até 2050, e que crie 2 milhões de empregos por ano no mundo entre 2030 e 2050. Com sua capacidade de gerar um enorme excedente de energia limpa, o Brasil pode capturar a maior parte desse mercado.

Os líderes brasileiros precisam desenvolver uma estratégia energética integrada e marcos regulatórios para o país tirar proveito dessas oportunidades. E as comunidades locais também precisam colher benefícios reais. Uma abordagem desorganizada que atenda a interesses especiais corre o risco de deixar essas oportunidades nas mãos de outros países.

Finalmente, o Brasil pode liderar na criação de mecanismos rigorosos e transparentes que determinem a intensidade de carbono dos combustíveis vegetais. Se os agricultores e a indústria puderem demonstrar aos compradores que apenas o combustível que eles produzem realmente atende a exigências regulatórias cada vez mais rigorosas, o país pode vir a dominar esse mercado.

O Brasil já liderou o mundo em outras áreas de transição para energia limpa, e políticas inteligentes podem ajudar a repetir esse sucesso. O Brasil liderou o mundo em combustíveis de etanol. E foi pioneiro em leilões de energia renovável que se mostraram uma estratégia chave para garantir grandes volumes de capacidade de geração a preços competitivos.

Com essa mesma visão e criatividade, o Brasil poderá mostrar ao mundo como prosperar na transição para a energia limpa.

Joe Ryan, Ph.D., é o diretor-executivo da Crux Alliance, que ajuda legisladores dos 20 países com maior emissão de carbono a elaborar políticas de mitigação de carbono para os setores econômicos essenciais à estabilidade climática de longo prazo.

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