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Valor Econômico

A importação brasileira de diesel e de fertilizantes fez o Brasil crescer no mapa de exportações da Rússia e tornar-se o quinto maior mercado externo dos russos. Em 2022, o Brasil estava em 20º lugar, já bem acima da 28º posição que ocupava em 2019. Ao galgar postos, o Brasil deixou para trás Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido, que ocupavam, respectivamente, o segundo, o quarto e o quinto lugares entre os maiores destinos das exportações russas em 2021, antes de Vladimir Putin anunciar operação militar de invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022.

Em 2023 os americanos ficaram na nona posição. As exportações russas aos EUA caíram 67,5% no ano passado, contra 2022. De 2021 para 2023 o recuo foi de 84%. Para a Alemanha, que caiu para a 17ª posição em 2023, os embarques russos recuaram 86,3% contra 2021. Os britânicos despencaram para o 31º lugar no ano passado, com redução de 98,6% dos embarques russos ao Reino Unido de 2021 para 2023.

Em sentido oposto, as exportações dos russos ao Brasil cresceram 27,4% em 2023 contra o ano anterior. Em relação a 2021, a expansão foi de 75,6%. Na comparação com o pré-pandemia de covid-19, em 2019, a alta foi de 171,8%.

Os dados foram retirados do Centro de Comércio Internacional – International Trade Center (ITC), na sigla em inglês -, agência conjunta da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da Organização das Nações Unidas (ONU).

Nos dados brasileiros de balança comercial, os russos subiram no ranking dos maiores fornecedores externos, do 11º lugar em 2019 para o sexto em 2022 e para a quinta posição no ano passado, posto que manteve no primeiro semestre de 2024, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/Mdic).

As sancões dos americanos e europeus às exportações da Rússia após a invasão da Ucrânia é o pano de fundo por trás das estatísticas do comércio russo-brasileiro. Desde ano passado, isso resultou em importação brasileira em nível histórico de diesel russo. A compra externa de diesel da Rússia evoluiu rapidamente no decorrer de 2023 e os russos tornaram-se líderes na venda do produto ao Brasil, desbancando os Estados Unidos, tradicional fornecedor do combustível.

A importação de diesel russo, que não chegou a US$ 100 milhões em 2022, saltou para US$ 4,53 bilhões no ano passado, bem à frente dos US$ 2,56 bilhões fornecidos pelos EUA. A mudança foi significativa em relação a 2022, quando o Brasil comprou US$ 8,02 bilhões em diesel americano, seguido dos Emirados Árabes, que forneceram naquele ano US$ 1,93 bilhões.

No primeiro semestre de 2024 a Rússia manteve a liderança conquistada em 2023. O Brasil importou no período US$ 2,94 bilhões em óleo diesel russo. O valor representa 70% do diesel importado de janeiro a junho. Dos Emirados Árabes vieram US$ 332,6 milhões. Os americanos caíram para a terceira posição, com US$ 297,5 milhões.

Em volume, diz Bruno Cordeiro, analista de inteligência de mercado de petróleo da StoneX, os russos forneceram 72% do diesel importado no primeiro semestre de 2024, seguido de 7% dos Emirados Árabes e 6,4% dos americanos. “É um cenário de fornecimento externo de diesel amplamente russo desde abril do ano passado, reflexo da mudança estrutural do mercado internacional do combustível. As sanções europeias dos derivados de petróleo russo fizeram a Rússia mirar na América Latina, com foco no Brasil, que tornou-se o segundo maior mercado russo de diesel, só perdendo para a Turquia”, observa.

A Turquia também é grande importadora de petróleo bruto russo, ao lado da China, ressalta Cordeiro. Os dados do ITC mostram que a China se mantém ao menos desde 2019 na liderança absoluta das exportações totais russas. Os turcos, que estavam em terceiro lugar no ranking russo em 2021, ficaram em segundo no ano passado.

Sanções europeias fizeram Rússia mirar na América Latina, com foco no Brasil”

— Bruno Cordeiro

As perspectivas, diz Cordeiro, são de que as sanções à Rússia se mantenham em período extenso e enquanto o preço do combustível russo continuar atrativo, a importação brasileira deve permanecer relevante.

José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), diz que num cenário pós-pandemia de preços ainda muito pressionados, o Brasil encontrou na Rússia um fornecedor novo e com abundância do produto. “Foi uma boa oportunidade vinda de um país que já fornecia tradicionalmente adubos e fertilizantes e oferecia diesel a preços mais competitivos. Para o Brasil foi bom porque diversificamos fornecedores e aliviou a pressão sobre o preço do combustível na comercialização no mercado doméstico.”

Cordeiro destaca que o Brasil não é auto-suficiente na produção de diesel e importa entre 20% e 30% do que consome internamente. Ele também ressalta que, considerando as importações de diesel, o produto mais barato está atualmente R$ 0,52 acima do preço da Petrobras, o que dá cerca de 15% de defasagem.

Diesel e adubos e fertilizantes predominam e representam 83,4% do que os russos vendem atualmente ao Brasil, pelos dados da Secex. Para Castro, embora a Rússia não tenha dinamismo comercial relativamente baixo, a situação atual também pode favorecer a entrada de outros produtos. “O cenário hoje permite a troca de fornecedores e a Rússia tem tirado proveito disso.”

Nos dados da Secex, chama atenção a importação de urânio russo pelo Brasil. A compra começou em 2023 com US$ 62,9 milhões em urânio natural e US$ 19 milhões na versão enriquecida, no ano todo. No primeiro semestre de 2024 foram US$ 35,2 milhões em urânio natural e US$ 11,3 milhões enriquecidos. Segundo dados da Secex, o Brasil nunca havia comprado urânio natural russo antes de 2023. Enriquecido, foi importado da Rússia somente em 1999.

No início deste ano a Indústrias Nucleares do Brasil (INB) divulgou nota sobre o recebimento de cerca de 21 toneladas de urânio enriquecido importado da Rússia. Segundo a nota, o urânio foi destinado para a fabricação de 44 elementos combustíveis que compõem a 19ª recarga de Angra 1.

O Brasil tem a sexta maior reserva de urânio do planeta e é um dos poucos países que dominam a tecnologia de enriquecimento para fins pacíficos, mas consegue minerar apenas 40% do que precisa para Angra 1. Antes de 2023, os dados da Secex mostram que o Brasil importava mais frequentemente urânio natural dos EUA, Canadá e Reino Unido. Na versão enriquecida, além dos britânicos, destacam-se origens como Alemanha e Suécia.

Mas o avanço dos russos nas importações totais brasileiras, na verdade, começou antes de 2023.

Após uma queda no comércio global em 2020, sob impacto da pandemia de covid-19, a retomada, em 2021, resultou em descompasso entre oferta e demanda no mercado internacional e os gargalos logísticos se generalizaram, resultando em inflação global, com forte pressão de preços de insumos. A cesta de produtos importados da Rússia, na qual predominavam adubos e fertilizantes, acabou experimentando alta maior que a média das importações brasileiras. De 2019 para 2021, enquanto o desembolso total do país com compras externas avançou 18%, o das importações origem Rússia subiu 53,4%, indicam dados da Secex.

O impacto do descompasso entre oferta e demanda no demanda global ainda não tinha ficado totalmente para trás quando os russos invadiram a Ucrânia, em fevereiro de 2022. O primeiro grande impacto para o Brasil ficou claro já no decorrer do primeiro semestre daquele ano. De janeiro a abril de 2022 as compras brasileiras da Rússia subiram 89% contra iguais meses de 2021, colocando os russos como quinto maior fornecedor do Brasil. Em igual período do ano anterior os russos estavam na 12ª posição. Dependente da importação de adubos e fertilizantes, o Brasil antecipou compras desses insumos agrícolas num período em que os preços estavam altamente pressionados. Na época, adubos e fertilizantes representavam 70% do que os russos exportavam para o Brasil. Até então especialistas apontavam que a posição da Rússia entre os cinco maiores fornecedores não seria permanente, porque resultava de um cenário em que se misturavam efeitos da pandemia exacerbados pela invasão da Ucrânia pelos russos.

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