Valor Econômico
A bp, uma das dez maiores empresas de petróleo do mundo, não pretende abandonar sua participação no negócio de etanol no Brasil e tem nos biocombustíveis o “coração” de sua estratégia de descarbonização. Foi o que disse ao Valor o executivo Nigel Dunn, em sua primeira visita ao país na posição de vicepresidente sênior de biocombustíveis da multinacional.
Dunn, que está na bp há 30 anos, assumiu o cargo há oito meses, para coordenar o plano da empresa de se tornar uma referência global em biocombustíveis. Para a companhia, o segmento reúne etanol, diesel renovável e biocombustível de aviação (SAF). Em 2020, a bp anunciou um pacote de US$ 5 bilhões para investir na produção de diesel renovável e em SAF, negócios em que almeja alcançar 20% de participação de mercado, enquanto corta sua produção de óleo e gás em 40% até 2030.
Em 2019, a bp uniu-se à Bunge no Brasil para tocar as usinas sucroalcooleiras de ambas, formando o segundo maior grupo do segmento no país. A Bunge sempre quis sair da joint venture. Recentemente, as duas sócias até tentaram encontrar um comprador para a empresa, mas não receberam nenhuma proposta firme.
Agora, a compradora natural da fatia da Bunge é a própria bp, mas Dunn disse preferir não comentar “especulações”. “O que posso dizer é que a bp está comprometida com esse negócio. Temos os biocombustíveis no coração da nossa estratégia”, sustentou. Ele afirmou que já planeja novas viagens ao Brasil para conhecer mais unidades do negócio.
A BP Bunge Bioenergia teve lucro de R$ 396 milhões na safra passada (2021/22), após um longo tempo de prejuízos nos negócios das duas companhias. Mas, globalmente, a bp ainda enfrenta pressões para dar rentabilidade aos seus negócios relacionados à transição energética. Nos nove primeiros meses de 2022, a área de “gás e energia de baixo carbono” incluída em seu balanço teve prejuízo operacional de US$ 14,7 bilhões.
A companhia ainda vê espaço para crescer organicamente no mercado brasileiro de etanol, sem aportes próprios por enquanto. Dunn ressalta que há bastante espaço para ocupar da capacidade instalada – na safra atual (2022/23), cuja moagem terminou em novembro, as usinas da BP Bunge Bioenergia processaram 26 milhões de toneladas de cana, e a capacidade instalada é de até 32 milhões de toneladas.
Esse “gap”, disse, deverá ser fechado com ganhos de produtividade. “Vemos para os próximos três a cinco anos grandes melhorias para ganhos de eficiência de produção”.
Na visão do executivo, a empresa deve continuar no caminho iniciado há três anos, quando a formalização da joint venture foi “casada” com um processo de “turnaround” nas usinas, o que permitiu às indústrias minimizar o impacto da seca dos últimos dois anos. “A seca teve um impacto severo para a qualidade e a quantidade [de cana]. Nossos volumes estão crescendo, mas poderiam ser muito melhores se não fosse a seca. Agora, estou muito animado com as chuvas dos últimos dias. Houve condições fantásticas”, comemorou.
Paralelamente, a bp avalia planos para investir na produção de biogás a partir da vinhaça da cana, anunciou Dunn. A empreitada é uma consequência natural da aposta anunciada recentemente de usar o resíduo da cana para substituir completamente o uso de fertilizantes minerais em suas lavouras de cana até 2025. Fora do Brasil, a múlti iniciou sua aposta em biogás, que incluiu a aquisição da americana Archae Energy, concluída em dezembro.
Já nos mercados de diesel renovável e SAF, a bp terá que “partir do zero”. Nesse caso, para reduzir a necessidade de capital, a empresa vai priorizar a conversão de algumas refinarias de petróleo para um modelo de biorrefinarias, que usem matérias-primas como os resíduos da agricultura, das cidades e da indústria. Por isso, a produção desses biocombustíveis deverá ficar concentrada na Europa, onde estão suas refinarias de petróleo. “É mais barato usar sites que já existem”, afirmou Dunn.
O etanol brasileiro pode entrar nessa história como matéria-prima para a produção de SAF. “Você pode transformar etanol em SAF. Isso é algo que estamos avaliando”, disse. Essa alternativa seria facilitada pelo controle vertical da cadeia. “Já temos acesso a esses clientes [de SAF], vendemos para linhas aéreas já há 100 anos, conhecemos muito bem, então sabemos como introduzir SAF. Se olhar o conjunto, devemos ter sucesso nesse negócio.”
Para a bp, os biocombustíveis não são meramente uma tecnologia de “transição”. “Achamos que estarão aí por décadas. Em algumas indústrias, como em aviação, não há um substituto para os biocombustíveis nas próximas décadas.
Se vamos descarbonizar essas indústrias, o SAF é o cainho mais significativo”, disse. Dunn acredita que o etanol terá vida longa no Brasil e em outros países, a despeito do avanço dos veículos elétricos no Hemisfério Norte. “Vemos uma demanda forte na Ásia”, diz. A maior promessa, porém, deve ser o uso do etanol como matériaprima para o SAF, mas esse quadro deve se concretizar mais na próxima década do que nesta, avalia.