Atuação de facções criminosas na área de combustível entra na mira do Ministério da Justiça

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Valor Econômico

Ministro decide criar grupo de trabalho para acompanhar o avanço de criminosos sobre a área de combustíveis

Apontado por autoridades e especialistas como central na estratégia do crime organizado para a lavagem de dinheiro, o setor de combustíveis entrou na mira do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A questão está sendo monitorada de perto pelo ministro Ricardo Lewandowski, que decidiu criar um grupo de trabalho para acompanhar o avanço de facções criminosas e das milícias sobre a área. Ele tem orientado a equipe a pensar em estratégias para combater o fenômeno, que atinge também outros setores formais da economia, com impactos na concorrência e na arrecadação de impostos.
Há poucas semanas, o ministro recebeu empresários e advogados para tratar do assunto, que agora está sendo tocado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) por meio da Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência (Diop). Além da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF), serão chamados a participar do grupo órgãos como a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e representantes da iniciativa privada. Há também propostas no Congresso para tentar fechar o cerco ao crime organizado no setor.
De acordo com o diretor de Operações Integradas e de Inteligência do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Rodney da Silva, iniciativas de combate ao tráfico de drogas e à pirataria, que já estão sendo colocadas em prática na Amazônia, como o programa Protetor de Fronteiras, de Divisas e Biomas, devem servir como ponto de partida para o projeto. “Em uma segunda etapa, a ideia é coordenar as forças para a gente atuar em relação a essa questão do descaminho, contrabando e adulteração dos combustíveis, principalmente na região Sudeste”, afirma.
Segundo fontes da área que têm participado dessa interlocução com o governo, o que se sabe hoje sobre a atuação das facções na cadeia de combustível representa apenas a “ponta do iceberg”. Os relatos apresentados às autoridades federais é que há indícios de que esses grupos criminosos não se apropriaram apenas de postos de gasolina, mas se infiltraram também em outras áreas, como o refino e a distribuição, além de atuarem na adulteração dos produtos que chegam às bombas.
O assunto voltou aos holofotes depois que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou em maio que o Primeiro Comando da Capital (PCC) controla mais de 1,1 mil postos de gasolina pelo Brasil. Para ter dimensão desse número, ele representaria a quinta força de distribuição de combustível no Brasil.
Segundo o presidente do Instituto Combustível Legal (ICL), Emerson Kapaz, é difícil mensurar o tamanho da infiltração do crime organizado no setor, mas isso vem crescendo nos últimos anos. “Hoje eles estão no que a gente chama de ‘poço ao posto’. Eles verticalizaram totalmente a cadeia produtiva”, diz.
Kapaz faz ainda um alerta de que o crime organizado tem atuado como um “poder paralelo muito forte” e que todo esse dinheiro levantado pode ser usado para financiar campanhas e eleger seus representantes nas eleições municipais deste ano.
“As facções ganharam muita força financeira, não pagam tributo, sonegam, e com isso ficam com uma margem de negociação folgada para oferecer um preço menor, sem pagar nada, com um lucro muito grande, que alimenta a lavagem de dinheiro, o tráfico de drogas, armas”, explica.
No Congresso, o deputado Júlio Lopes (PP-RJ) é um dos parlamentares que têm levantado essa bandeira e conversado com empresários e autoridades do governo. Ele relata já ter repassado informações e relatórios produzidos por integrantes do setor de combustíveis a Lewandowski e à ANP.
Os documentos detalham a infiltração do PCC nesse mercado, com o crescimento repentino de empresas, estratégias utilizadas pela facção para derrubar preços a fim de quebrar a concorrência, adulterar combustíveis e sonegar impostos. “Tem empresa que está crescendo tanto que vai matando todo mundo no caminho deles, porque não tem como concorrer”, conta Lopes.
O deputado é autor de um projeto de lei para criar um Operador Nacional do Sistema de Combustíveis (ONSC). A ideia é que esse ente faça um controle completo e o monitoramento da cadeia de distribuição de combustíveis, aos moldes do que faz o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) com o respectivo setor.
Para ele, o novo órgão ajudaria a combater a adulteração e a sonegação fiscal, dois instrumentos por meio dos quais o PCC opera no mercado. Lopes também diz ter feito contatos com o Ministério da Fazenda argumentando que a criação do ONSC ajudaria a aumentar a arrecadação do governo.
Na ANP, o tema é tratado com cautela. O diretor Daniel Maia Vieira explica que a agência tem como missão fiscalizar o setor, mas tem limitações na sua atuação, por não ter poder polícia. Por isso, diz ver com bons olhos o fato de o tema entrar no radar do Ministério da Justiça.
“Quando o ministro da Justiça se atenta para a importância do mercado de combustíveis, a gente vê isso com muita alegria, com muito entusiasmo. Isso é fantástico, porque vai lubrificar ainda mais a nossa relação com os órgãos de segurança pública”, afirma.
Hoje, ele diz que a ANP não tem uma estimativa de, por exemplo, quantos postos são controlados por facções criminosas.
Para Vieira, governo, empresas e entidades têm que se unir e compartilhar informações para que seja criado parâmetros e procedimentos que permita às autoridades verificarem a atuação das organizações criminosas no setor. “A minha posição é que, sem uma atuação conjunta, não haverá uma saída regulatória, uma bala de prata. Não há algo que se coloque no regulamento da ANP para que obste esse tipo de irregularidade ou criminalidade”, aponta.
Uma das sugestões do diretor é que o Congresso promova mudanças legislativas que permitam a ANP acelerar o processo de revogação de licenças de operação, o que hoje demanda diferentes trâmites e um longo processo. Ele conta que o órgão, quando há uma situação de infração muito flagrante, já tem optado pela pena mais dura de maneira direta, mas isso tem levado a contestações na Justiça

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