Importadores consideram proposta da entidade precipitada
Valor Online
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) iniciou conversas com o governo para pedir o fim de isenção de Imposto de Importação para carros elétricos. Isso significa uma elevação imediata da alíquota de zero para 35%. Importadores consideraram a proposta precipitada porque, argumentam, esse segmento de mercado ainda passa por maturação.
A alíquota de 35% é a mesma que incide hoje sobre os veículos que não são elétricos importados fora do Mercosul ou de países com os quais o Brasil tem acordo de intercâmbio comercial. Segundo o presidente da Anfavea, Márcio de Lima Leite, a falta de informação de quanto tempo a isenção para elétricos vai durar atrapalha planos de investimentos.
“Hoje temos uma regra sem data; isso posterga os investimentos”, destaca. Ao mesmo tempo, a Anfavea defende “alguma flexibilidade” para preservar a entrada de veículos com esse tipo de tecnologia. A entidade vai, assim, propor ao governo um sistema de cotas.
Por meio das cotas, as empresas teriam direito a importar determinado volume de veículos sem pagar o tributo. Os que excedessem a cota, ainda a ser definida, seriam tributados em 35%.
O sistema de cotas contemplaria modelos mais caros, que dificilmente serão produzidos no Brasil, segundo o raciocínio do presidente da Anfavea. Ao mesmo tempo, pode evitar que elétricos de faixas de preços mais baixos concorram com modelos a combustão fabricados no país.
Não são, portanto, os elétricos de marcas de luxo, como BMW, Volvo, Land Rover ou Audi que incomodam o grupo de montadoras que, liderado pela Anfavea, decidiu pedir ao governo o fim do incentivo à entrada dos elétricos.
“Vendido em baixos volumes, o carro premium elétrico é importante por ser um indutor de tecnologia e não compete com empregos locais”, afirma Leite. Ao mesmo tempo, destaca o dirigente, “não há como produzir esse tipo de veículo (o elétrico de luxo) no país porque o investimento não se paga”.
A preocupação do setor é com os elétricos de menor custo, produzidos na China, sobretudo. “É uma precipitação da Anfavea estar preocupada com um nicho de mercado que em 2022 representou só 0,4% das vendas de carros no Brasil e que não vai crescer além disso por muitos anos porque os preços são o dobro de similares não elétricos”, destaca Sérgio Habib, importador da chinesa JAC Motors, que vende o compacto E-JS, a R$ 145,9 mil.
O presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), Adalberto Maluf, diz que a entidade defende o aumento gradual do imposto, seguindo um compromisso que, diz, foi assumido pelo governo anterior.
“Com 0,4%, o mercado de elétricos ainda não está formado. Isso prejudica todo o trabalho de infraestrutura de atendimento, como a formação de concessionárias e instalação de postos de recarga”, destaca o dirigente.
Os 0,4% referem-se aos carros 100% elétricos, ou seja, os que levam baterias que requerem carregamento em tomadas ou equipamentos de recarga rápida. Nenhum modelo assim é produzido no Brasil e é nesse tipo de carro que a Anfavea foca para propor a limitação da entrada no país.
Também usufruem de alíquotas de Imposto de Importação reduzidas, que vão até 7%, os chamados carros híbridos, que já têm produção nacional, ainda que em volumes baixos. Esses incentivos começaram a vigorar em 2014.
Mas não é com os híbridos que a Anfavea está preocupada, já que esses veículos começam a deixar de ser produzidos na China e países desenvolvidos da Europa.
O híbrido é um carro que tem dois motores, um a combustão e outro elétrico. O motor a combustão ajuda a carregar o elétrico ao mesmo tempo em que entra em ação em determinadas situações de uso do veículo, em subidas, por exemplo, ou quando falta carga no elétrico. A defesa desse tipo de modelo envolve também ã preservação da indústria de autopeças do país.
No ano passado, juntos, híbridos e elétricos, representaram 2,5% do mercado brasileiro de veículos leves. Embora pequena, a fatia cresce a cada ano. Foi equivalente a 1,8% das vendas internas em 2021. Já em janeiro, a venda de 4,5 mil unidades representou 3,44% do mercado. O volume de híbridos e elétricos comercializado apenas em janeiro equivale à metade do que foi vendido durante todo o ano de 2019.
O controle da entrada dos 100% elétricos também abre caminho para que algumas das grandes montadoras instaladas no Brasil sigam com planos de produzir, no país, veículos híbridos que podem ser abastecidos a etanol, como faz hoje a Toyota. “A produção de híbridos no Brasil será uma realidade natural”, destaca Leite. Além disso, diz, o híbrido “não tem o ataque de fora”.
A discussão em torno do Imposto de Importação tende a se tornar acirrada mesmo dentro da Anfavea porque nem todas as empresas associadas à entidade têm a mesma estratégia em relação ao que deve guiar a produção de veículos no Brasil.
Ao contrário de Volkswagen e Stellantis, a direção da General Motors já disse não estar interessada em produzir carros híbridos no Brasil. Seu foco segue a linha global da companhia, de ir direto para a eletrificação total.
Por meio de nota, a GM disse, ontem, que “defende um mecanismo transitório que traga previsibilidade para o setor e que mantenha o imposto reduzido para os carros elétricos”.
No caso das chinesas, além da JAC Motors, que vende apenas importados, outras já produzem ou têm planos de produzir no país. O grupo brasileiro CAOA, que representa a chinesa Chery, começou a produzir híbridos na fábrica de Anápolis (GO) e importa um modelo compacto totalmente elétrico, o iCar.
Outra chinesa, a Great Wall, prepara uma fábrica que comprou da Mercedes-Benz em Iracemápolis, no interior de São Paulo. Em recente entrevista ao Valor, o diretor de relações institucionais e governamentais, Ricardo Bastos, defendeu a manutenção do incentivo e argumentou que o plano de comprar a fábrica no Brasil e as decisões de investimentos se basearam nessa regra.
Mas não é apenas a eletrificação dos automóveis que tem aproximado a indústria automobilística do governo. Na divulgação dos resultados do setor em janeiro, ontem, Leite considerou “oportuna” a fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticando o nível elevado dos juros.
Segundo ele, o crescimento de 12,9% nas vendas de veículos em janeiro, em relação a um ano, não pode ser visto como recuperação, já que a comparação é feita em relação a um período crítico de falta de componentes, em janeiro de 2022. “A demanda em 2023 dá sinais de desaceleração”, disse.
Ele também elogiou discurso de posse do presidente do BNDES, Aloísio Mercadante. “Ter o BNDES como fonte de alavancagem da indústria soa como música para nossos ouvidos”, afirmou. E, ainda, a reaproximação do Brasil da Argentina e a retomada do diálogo entre os parceiros do Mercosul: “Nossas empresas fazem investimentos para um Mercosul forte”.
É no clima desses discursos que, nos próximos dias, a Anfavea vai discutir a tributação dos carros elétricos importados com o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e também vice-presidente da República, Geraldo Alckmin.
“Essa é uma prioridade absoluta”, destaca Leite. “Não podemos matar nossa indústria de automóveis”. Mas a ABVE também vai preparar seus argumentos. “Queremos industrialização com energia limpa e transição energética”, destaca Maluf.