A alta do diesel e a valorização do dólar, nas últimas semanas, acentuaram as preocupações com as defasagens nos preços dos combustíveis praticados pela Petrobras. A estatal está há 55 dias sem reajustar o diesel e a gasolina no Brasil, o que inibe a importação por outros agentes do mercado, e traz novamente à mesa a discussão sobre riscos de desabastecimento. A preocupação principal do mercado está no diesel, estratégico para o transporte de pessoas e mercadorias no país. Fontes do setor descartam a possibilidade de um desabastecimento generalizado, embora problemas localizados em algumas regiões possam ocorrer.
Com a ampliação da defasagem nos preços, as importações feitas por distribuidoras regionais e por empresas de menor porte caíram. O mercado está sendo suprido, sobretudo, por distribuidoras maiores, que continuam importando, e pela própria Petrobras. Regiões atendidas por distribuidoras menores ou servidas por logística mais complexa têm registrado maior dificuldade de suprimento. São os casos de Vitória (ES), abastecida por cabotagem, e cidades de Goiás e Minas Gerais, além de locais no Nordeste, dizem fontes.
“Num determinado dia um posto ou um consumidor pode ficar sem produto ou deixar de ser atendido pela distribuidora que normalmente o atende e passar a ser abastecido por outra”, diz o presidente da Associação Brasileira de Importadores de Combustíveis (Abicom), Sérgio Araújo.
Fontes ligadas às grandes distribuidoras afirmam que problemas pontuais de abastecimento ocorrem em postos que não têm contratos de fidelidade de fornecimento. As grandes distribuidoras mantêm a importação e fazem uma média, nos preços finais, considerando os custos de compra nas refinarias nacionais e as importações. “Ainda que menos folgados, os volumes estão atendendo à demanda”, diz um executivo.
Nas últimas semanas tem havido redução no consumo de diesel no mercado doméstico, motivada por fatores sazonais. Esse movimento ajuda a afastar problemas no suprimento, dizem fontes. Valéria Lima, diretora de abastecimento do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), diz que não há risco de desabastecimento, mas admite que o mercado está “muito curto”. Carla Ferreira, analista do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), acrescenta que problemas pontuais podem demandar uma reorganização dos agentes.
Há ainda relatos de que alguns clientes da Refinaria de Mataripe (BA) estão deixando de comprar produtos na unidade para conseguir melhores preços nas unidades da Petrobras em outros Estados do Nordeste, como a Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco. Mataripe foi privatizada no fim do ano passado e é operada pela Acelen, do grupo Mubadala.
Os quase 800 quilômetros entre a Acelen e a Rnest têm sido percorridos por caminhões de clientes que buscam os preços menores praticados pela estatal, dizem fontes. “Mantida a defasagem, não há dúvida de que se acentua essa inversão de fluxos logísticos”, diz fonte. Afirma, porém, que há limites para esse tipo de operação uma vez que própria Rnest não é capaz de atender todo o consumo da região.
No Brasil, a produção das refinarias nacionais não consegue suprir toda a demanda. Dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), em março, mostram que o Brasil importou 23,7% do diesel consumido no país. Do total importado, 46% foram internalizados pela Petrobras e 54% por outras companhias. No mesmo mês, considerando o abastecimento pelas refinarias nacionais, a Petrobras respondeu pela entrega às distribuidoras de 82% do diesel consumido e a Refinaria de Mataripe por 9,7%, sendo o restante de companhias menores.
De acordo com o sócio-diretor da consultoria Leggio, Marcus D´Elia, a Petrobras tem buscado aumentar o fator de utilização das refinarias próprias, que chegou a ultrapassar 90% em meses recentes: “Isso coloca um pouco mais de produto no mercado, mas não suporta a diferença entre demanda e oferta, que é estrutural. Hoje, manter o suprimento do país depende da importação, que é desestimulada à medida em que os preços entram em defasagem. As importações continuam ocorrendo, mas, de maneira estrutural, a médio e longo prazos isso sempre vai embutir um risco”, diz D´Elia.
A situação de defasagem mais aguda está no diesel, cujo preço da Petrobras às distribuidoras está, em média, 26% abaixo da paridade internacional, segundo cálculos da consultoria StoneX. A Abicom calcula que o preço do diesel tem defasagem média de 24%. Especialistas explicam que o mercado internacional vive momento incomum, em que o preço do diesel disparou em relação ao petróleo: “Estamos vivendo um momento atípico, em função da variação da demanda mundial, de questões logísticas e da variação do nível de estoques”, diz Araújo, da Abicom.
Na gasolina, a Ativa Investimentos aponta que a defasagem saiu de 14,9%, na sexta, para 19,1% ontem. A StoneX estima que a gasolina vendida pela Petrobras está 6%, em média, abaixo dos preços internacionais e a Abicom calcula que os preços estão 12% abaixo da paridade, com necessidade de um aumento de R$ 0,54 o litro. O último reajuste da Petrobras ocorreu em 11 de março, quando a empresa subiu em 24,9% os preços do diesel e reajustou a gasolina em 18,7%, além de aumentar em 16% o gás liquefeito de petróleo (GLP).
A insatisfação do presidente Jair Bolsonaro com os aumentos de preços levou a estatal a uma troca de comando, com a saída do general Joaquim Silva e Luna, e a posse de José Mauro Coelho no cargo de CEO, em 14 de abril.
Fontes ligadas à estatal dizem que é improvável que a empresa repasse a atual defasagem imediatamente: “A Petrobras segue a política de paridade com relação à média nos últimos 12 meses, é normal ter períodos em que a defasagem se dilata. Este mês, por conta da volatilidade do dólar, houve essa escalada”, diz o analista da Ativa Investimentos, Ilan Arbetman.
O governo acompanha a situação. Na terça, o secretário-executivo adjunto do Ministério de Minas e Energia (MME), Pietro Mendes, afirmou que, no caso do diesel, foi criada uma mesa de monitoramento, que coleta informações das distribuidoras. Ele descartou problemas de abastecimento em maio: “O governo precisa de um plano para esse tipo de situação. Não é só questão de política de preços, é de garantia de suprimento”, diz Edmar Almeida, da PUC-Rio. Em nota, a Petrobras afirmou que os preços de venda buscam o equilíbrio com o mercado internacional, acompanhando as variações para cima e para baixo, mas evitando o repasse imediato da volatilidade externa e da taxa de câmbio causadas por eventos conjunturais: “As decisões de preços são baseadas em análises técnicas e independentes com base nos cenários externo e interno do mercado de petróleo e derivados, e não há interferência do calendário de divulgação de resultados.”
Fonte: Valor Econômico