Ala política age para desonerar gasolina

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04/02/2022
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Valor Econômico

A ala política do governo atuou ontem para aprovar uma proposta de emenda constitucional (PEC) que permita ao presidente Jair Bolsonaro (PL) zerar os impostos sobre todos os combustíveis, incluindo a gasolina, sem precisar compensar com a alta de outros tributos. Além disso, autoriza redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre quaisquer produtos sem contrapartidas. O projeto contraria a posição do ministro da Economia, Paulo Guedes, preocupado com o impacto dessa medida nas contas públicas e que defendia uma desoneração restrita ao óleo diesel, com menor custo fiscal.

O deputado Christino Áureo (PP-RJ) protocolou ontem a PEC a pedido de uma parte do governo. O texto, como revelou o Valor, foi formulado na Casa Civil, controlada pelo ministro Ciro Nogueira (PP), e permite reduzir parcialmente ou até zerar os impostos em 2022 e 2023 para rebater uma das principais críticas dos eleitores à atual gestão: o alto preço da gasolina, do gás de cozinha e do óleo diesel por causa da política de preços da Petrobras.

O custo, segundo fontes da Economia, deve ficar em torno de R$ 54 bilhões anuais, superior ao total de investimentos previstos para 2022. Só a desoneração da gasolina traria perda de quase R$ 27 bilhões aos cofres públicos: R$ 23,8 bilhões do PIS/Cofins e mais R$ 3 bilhões da Cide. Já o diesel custaria mais R$ 18 bilhões. Se o Congresso retomar a ideia, já defendida por Bolsonaro, de cortar os impostos sobre a energia elétrica, o impacto subiria para até R$ 75 bilhões. Além disso, a PEC autoriza corte no IPI, IOF, Cide, entre outros, o que não tinha entrado nas contas da renúncia.

As leis fiscais exigem que a redução de um tributo seja compensada pelo aumento de outros, mas uma ala do governo decidiu propor a PEC para burlar essa regra temporariamente. O país já vive com déficit fiscal primário (ou seja, gasta mais do que arrecada antes do pagamento de juros) há sete anos e em 2021 registrou rombo de R$ 35 bilhões no governo central. Para 2022, a estimativa é um déficit de R$ 79,3 bilhões – e isso antes da ideia de desonerar os combustíveis.

O Ministério da Economia não participou da elaboração da PEC, diz fonte. Pelo contrário, considera-a ruim e, na avaliação dos técnicos, não seria sequer necessário mudar a Constituição. O corte poderia ser autorizado por lei complementar (que alteraria a Lei de Responsabilidade Fiscal para permitir que ocorra sem precisar criar outras fontes de receita para compensar a perda) e por meio de ajustes na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

A opção por uma lei complementar permitiria também que Guedes pressionasse Bolsonaro a vetar “exageros” aprovados pelos parlamentares. Já uma emenda constitucional é promulgada pelo próprio Legislativo, sem chance de veto. “PEC é muito ruim”, comentou um integrante do ministério. A PEC dos Precatórios, por exemplo, teve o espaço para gastos dobrado pelo Congresso.

O conteúdo também ficou muito distante do que defendia a área econômica. A percepção no ministério é de que a proposta custará caro aos cofres públicos para gerar um alívio nos preços que pode desaparecer rapidamente diante de uma alta do dólar ou do preço do petróleo. Guedes chegou a criticar publicamente a desoneração da gasolina num momento de transição para uma economia de baixo carbono. Já o alívio para o diesel era algo visto como aceitável, dada a importância do combustível na logística do país – e que agrada uma das bases de sustentação do presidente, os caminhoneiros.

A versão protocolada por Áureo permite a desoneração ampla dos impostos sobre combustíveis em 2022 e 2023 sem a necessidade de compensação – bastaria apresentar as estimativas financeiras e adequar as leis orçamentárias as novas alíquotas. O aval seria para a União e também para Estados e municípios, dando força à estratégia de Bolsonaro de jogar para os governadores que se recusarem a aceitar a redução do ICMS o desgaste pelo preço da gasolina.

Ontem, os governadores declararam apoio à proposta do senador Jean Paul Prates (PT-RN) de altera a política da Petrobras, criando um imposto sobre a exportação de petróleo bruto e um fundo para estabilização de preços no mercado interno. “Ele [projeto] nasce do próprio problema, do lucro extraordinário do aumento dos preços do combustível”, afirmou o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), que coordena o Fórum de Governadores. A discussão sobre o ICMS dos combustíveis ficaria apenas para a reforma tributária.

Áureo disse ao Valor que a PEC é de sua autoria e que vai aguardar mais para falar do projeto. “Ainda não vou me manifestar sobre detalhes do mérito, vou continuar meu diálogo com o governo e com setores produtivos e da sociedade”, afirmou. Os dados do documento, contudo, mostram que o texto foi redigido no computador de um técnico do governo, o subchefe adjunto de Finanças Públicas (SAFIN) da Casa Civil, Oliveira Alves Pereira Filho, e enviado para o deputado apresentar oficialmente.

Inicialmente, o Executivo queria que o senador Alexandre Silveira (PSD-MG) protocolasse a PEC no Senado, mas ele recusou o posto de líder do governo após pressão de correligionários e a estratégia mudou para a tramitação começar pela Câmara, onde a base do governista é mais forte. Silveira, por sua vez, prepara uma PEC alternativa, com a desoneração e o uso de dividendos da Petrobras para financiar um fundo social que equilibre os preços, o que pode provocar nova disputa entre as duas Casas sobre a solução.

A PEC de Áureo ainda precisa do apoio de 171 deputados para começar a tramitar. Como a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) só deve ser instalada em março, o mais provável é que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), vote a admissibilidade no plenário. Após isso, uma comissão especial seria criada para votar a proposta num prazo de 11 a 40 sessões.

Para o presidente do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, a PEC terá impacto quase nulo para os consumidores, da mesma forma que ocorreu com a desoneração do PIS/Cofins do gás de cozinha – em vigor desde março – e do diesel – que valeu por três meses em 2021. “O governo zerou o PIS/Cofins do diesel, mas como a cotação do barril de petróleo continuou subindo e o câmbio continuou muito depreciado frente ao dólar, o preço subiu”, disse. Ele acredita que a PEC enfrentará oposição também da bancada ruralista e de Estados produtores de etanol hidratado, que hoje tem um PIS/Cofins menor que o da gasolina. “Se reduzir o imposto para os dois, o etanol perderá muita competitividade”, disse.

O economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) e defensor de uma reforma ampla na tributação sobre consumo, destaca que a alta de preços sobre combustíveis é resultado conjuntural das cotações do petróleo no mercado internacional e do câmbio desvalorizado. Para ele, a PEC não faz sentido quando há uma preocupação global sobre os impactos ambientais dos combustíveis e em meio à discussão sobre tributar a emissão de carbono. “O ideal do ponto de vista de desenho tributário seria tributar combustível fóssil mais do que outras mercadorias ou serviços por conta das externalidades negativas relacionadas ao aquecimento global”, disse.

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