Folha de S. Paulo
Combustíveis são um assunto politicamente explosivo pelo menos desde o caminhonaço de 2018, quando o país quase parou por causa de greves de caminhoneiros e locautes de empresas de transporte. Gasolina ou diesel estão tão mais caros agora do que o foram nos últimos 10 ou 20 anos? Não no caso da gasolina. Mais sobre o assunto mais adiante.
A discussão dos preços da Petrobras causa raiva intensa e leva políticos a adotar ou sugerir medidas de baixíssima qualidade técnica e que provocam iniquidade social e danos ambientais. A volta da cobrança de parte do imposto federal sobre a gasolina enfureceu muita gente.
Este jornalista, por exemplo, escreveu nestas colunas algumas defesas do reajuste, da dita reoneração. O imposto surrupiado por Jair Bolsonaro a fim de levar votos na eleição de 2022 acabara com uma receita que faz falta para os cofres exauridos do governo. Além do mais, era um subsídio para combustíveis poluentes e a medida não beneficiava a metade mais pobre do país, pelo menos. Foi motivo de fúria.
Como acontece algumas vezes por ano, recebi centenas de mensagens de ódio, ameaças, sentenças de morte e votos de que minha filha fosse estuprada (sic), entre outras manifestações de estima e consideração, por e-mail e diversas redes sociais, que também foram invadidas pelas milícias digitais.
Mas o assunto aqui é a fúria com os preços. Gasolina e diesel ficaram assim tão mais caros?
Um meio de medir o peso relativo dos combustíveis no orçamento das famílias é calcular o poder de compra de salários em termos de gasolina e diesel, por exemplo. Não conta a história inteira de dificuldades econômicas, mas é um ponto de partida.
Por exemplo, um salário mínimo atual compra mais gasolina do que o fazia entre 2001 e 2017, em geral. Entre fins de 2017 até o começo da epidemia, comprou bem menos, com uma baixa pronunciada em meados de 2018. Esse poder de compra de gasolina baixou para os menores níveis desde 2009 entre meados de 2021 e meados de 2022, quando o governo de trevas baixou os impostos.
Quando a comparação é como rendimento médio do trabalho (“salários”), segundo dados da Pnad do IBGE, a história é parecida. O poder de compra do salário médio em termos de gasolina está perto do nível médio verificado entre 2012 e 2018 (e assim deve ficar mesmo se todo o aumento de imposto vier a ser repassado para o preço nas bombas).
Um dado de interesse é que o poder de compra de combustíveis (de diesel e gasolina) foi ao nível mais alto durante a grande queda de preços do petróleo, em meados de 2020. O contraste com 2021 foi violento. Daí talvez se explique parte da revolta.
O caso do diesel é diferente. Pelo menos medido em termos de salários, o diesel está muito mais caro do que a média de 2012 a 2020 (pré-pandemia), apenas mais barato do que nos anos 2002-2006 –e os impactos econômicos da carestia do diesel tem muito mais alcance. Em anos recentes, houve problemas maiores na produção mundial de diesel. Por falar nisso, o atual governo não reonerou o diesel.
Deve haver mais motivo para revolta, além de a “polarização” ter chegado também às bombas dos postos. Faz quase uma década o Brasil está em colapso econômico. A renda (PIB) per capita de 2022 ainda era igual à de 2011.
O salário médio real (descontada a inflação) recuperou-se depois da epidemia, mas ainda está nos mesmos níveis de 2017 a 2019. Anos de crise, quebras de negócios e desemprego abalaram salários, patrimônios e vidas inteiras. A metade mais pobre do país, que não compra gasolina, sofreu ainda mais.
Ainda assim, é difícil de explicar a revolta da gasolina, até porque a comida passou por ondas terríveis de inflação.