A descarbonização e o hidrogênio no Brasil

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EPBR

Já se vê pouca resistência às evidências científicas quanto aos impactos dos Gases do Efeito Estufa (GEE) e sua influência na crise climática [1]. Somos bombardeados por notícias de eventos climáticos extremos por toda parte, como sejam enchentes, quebras de safra, ondas de calor e frio, elevação do nível do mar, perdas das geleiras, queimadas, etc.

Também já é do domínio público o conhecimento que tal situação tem sua causa principal na ação humana, decorrente do desenvolvimento econômico desordenado e da exploração dos recursos disponíveis em velocidade incompatível com a capacidade de recuperação natural dos biomas terrestres.

Como também da aceleração na conversão, consumo e uso de energia proveniente de fontes fósseis, que têm alto potencial de liberação de GEE.

Igualmente, há consenso sobre a necessidade de promover mudanças na matriz energética mundial, reduzindo progressivamente a participação dos combustíveis fósseis.

Porém, mudanças sempre resultam em sacrifícios e geram impactos no estilo de vida e padrões de consumo. Sair da zona de conforto requer esforço concentrado no curto prazo. E muito investimento em educação, claro.

No caso da descarbonização da economia mundial, os benefícios são difusos e de médio e longo prazo. Muitos pensam nos esforços individuais imediatos (pessoas, empresas, regiões, países) em troca de benefícios compartilhados. A discussão fica meio empacada na repartição dos ônus e bônus.

Comoditização da cadeia do hidrogênio
A comunidade internacional já decidiu que investir na massificação da produção e uso do hidrogênio como vetor energético é a saída mais adequada, como indicado em relatórios de entidades de renome como a Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês) [2].

E a corrida já começou, com a União Europeia e os Estados Unidos alocando recursos substanciais no desenvolvimento e implementação de suas estratégias. Focados principalmente em serem os detentores das tecnologias vencedoras, além dos meios de financiamento.

Num processo que resultará na comoditização dos produtos dessa nova cadeia, quais sejam o próprio hidrogênio, bem como os químicos e os combustíveis sintéticos dele derivados.

Porque se formos olhar no detalhe, quase tudo na vida moderna é de alguma forma derivado do hidrogênio ou de algum processo que depende desse elemento. Que até hoje tem sido obtido de fontes fósseis, com os efeitos que já discutimos acima, mesmo que de forma superficial e com suas consequências na organização geopolítica mundial.

Setores altamente emissores estão se posicionando e buscam se antecipar às consequências que estão sendo impostas pelos reguladores internacionais, na esteira de cada vez maior consciência popular da emergência das medidas de redução dos impactos da crise climática.

O setor marítimo, por exemplo, planeja investimento massivo na descarbonização. Segundo o ABS, a Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês) definiu os objetivos de redução de emissões de GEE para 2030 e 2050 [3], e tem estimulado o setor a investir na investigação para substituição dos combustíveis de embarcações, no sentido de reduzir sua pegada de carbono.

O hidrogênio é uma das mais promissoras alternativas atualmente sendo consideradas devido ao seu potencial zero-emissions no conceito tank-to-wake [4].

Estratégia brasileira
Agora pensemos um pouco em nossa estratégia, como brasileiros. Primeiro, já decidimos que adotaremos uma postura de neutralidade com relação às várias rotas tecnológicas para obtenção e uso do hidrogênio.

A evolução da nossa estratégia não é recente. Já em 2002 o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MTCI) lançou um programa para o fomento de educação para a economia do hidrogênio [5]. Você sabia disso?

No Parque Tecnológico de Itaipu (PTI-BR), desde 2011 se pesquisa, produz e utiliza hidrogênio em uma planta experimental, em parceria com várias entidades do governo, academia e associações representativas do setor privado nacional [6].

O Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2) define uma estratégia em que todas as formas de hidrogênio de baixo carbono são bem-vindas [7], tendo em vista nossas especificidades de um país continental, que dispõe de recursos naturais em abundância e considerando nosso estágio de desenvolvimento tecnológico, bem como nossa matriz elétrica e energética bem mais limpas que a média mundial, conforme o Balanço Energético Nacional 2022 da EPE [8].

Alguns países vêm garantindo certos estímulos e vantagens regulatórias ao chamado hidrogênio verde (obtido pela eletrólise da água com a utilização de energia elétrica exclusivamente de fontes renováveis como solar, eólica ou hídrica).

Enquanto isso, no Brasil não descartamos o hidrogênio “de outras cores” como de metano ou gás natural com captura de carbono, biometano, biomassa, etanol, resíduos urbanos, resíduos plásticos, óleo vegetal reciclado, óleo de palma, de fonte nuclear, pirólise de metano em sistema de plasma induzido por micro-ondas, etc.

Importante também observar que nossas universidades, há décadas, vêm investindo em pesquisa e desenvolvimento nessa área de conhecimento, de forma que já contamos com um excelente plantel de doutores, mestres e pesquisadores no setor.

Grandes grupos empresariais internacionais já se posicionam para produzir hidrogênio aqui, muitos com objetivos de exportação, como é o caso do projeto de planta-piloto da Shell no Porto do Açu, o da EDP no Porto do Pecém, esta já produzindo, e outros mais ambiciosos que estão em fase de estudos de viabilidade no Pecém, Suape, Aratu, Central, Rio Grande, etc.

Empresários nacionais interessados no setor, no entanto, ainda são poucos, se bem que já vemos investimento privado local numa planta em construção para produção de hidrogênio de eletrólise em larga escala para consumo interno, como é o caso da Unigel na Bahia [9].

Por outro lado, essa coisa de cores do hidrogênio já é uma noção meio ultrapassada. No momento estamos numa fase um pouco mais técnica, em que os atores se adiantam em metodologias de certificação do conteúdo de carbono no processo produtivo do hidrogênio, de forma que expressões como hidrogênio sustentável, hidrogênio de baixo carbono ou hidrogênio renovável passam a ser mais comumente usadas.

Mas essa é uma disputa que tem mais a ver com o domínio da arena regulatória do que propriamente com a crise climática. A CCEE já iniciou um processo para ser uma certificadora a nível internacional, capitalizando sobre a grande credibilidade com que conta em nosso mercado de energia elétrica [10].

Outra questão importante tem relação com os principais usos do hidrogênio a ser produzido no país. A grande maioria dos projetos de investimento se posicionam em portos, ou imediações e miram na exportação de hidrogênio ou amônia renováveis, principalmente para a Europa.

Recentemente a europeia H2Global lançou um leilão de compra, já que estimativas internacionais indicam que mais de 80% do consumo de hidrogênio da região deverá ser importado [11]. Ou seja, em futuro próximo o hidrogênio de baixo carbono será uma commodity internacional.

Mercado interno e reindustrialização sustentável
No entanto, o mercado interno apresenta grandes oportunidades. O agronegócio, por exemplo, é um setor exportador e muito dependente de fertilizantes nitrogenados importados de alto impacto ambiental — a amônia com que atualmente se produzem os fertilizantes, além de importada em sua maior quantidade, utiliza hidrogênio obtido da reforma a vapor do metano ou gas natural, grande emissor de GEE.

Devido à regulação internacional cada vez mais restritiva quanto à importação de produtos com alta pegada de carbono [12], nossas exportações do agronegócio tendem a sofrer forte impacto, tanto em termos de barreiras alfandegárias como com relação à tarifação. O setor deverá apelar para fabricantes de fertilizantes com baixa pegada de carbono, agregando valor aos nossos exportáveis.

O mesmo se aplicará aos nossos produtos do setor de mineração, com a exportação de ferro esponja gradativamente substituindo as pelotas de minério bruto. Além, é claro, da tendência pela adoção de produtos baseados em aço, cimento e alumínio de baixa pegada de carbono.

Enfim, o Brasil pode se posicionar não apenas como um exportador de commodities de baixo carbono, mas adicionar valor à sua balança comercial, resultando em grande benefício ao nosso processo de reindustrialização em bases mais sustentáveis.

O que significa maior oportunidade de investimentos para nosso setor privado, perspectivas de aprendizado e empregos de melhor qualidade para nossos jovens, aumento na arrecadação de impostos, e por aí vai.

Vale investir tempo em estudar o assunto e principalmente se envolver no desenvolvimento do Plano Trienal do PNH2. O trabalho feito pelas Comissões Temáticas é extenso e está excelente. Contou com o esforço dos nossos melhores quadros no estado, academia e muitas associações de classe. Porém o processo todo é participativo, além de contínuo e requer as contribuições e a fiscalização permanente da sociedade.

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