Polícia investiga crime organizado em postos de combustíveis de 22 estados 

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22/04/2025
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Há suspeitas sobre 941 estabelecimentos, a maioria em São Paulo e Goiás; facções como PCC e Comando Vermelho e milícias estariam envolvidas

 Folha de S. Paulo

Autoridades federais e estaduais investigam a infiltração do crime organizado em 941 postos de combustíveis localizados em ao menos 22 estados.

O mapeamento inédito, obtido pela Folha, revela indícios de domínio em parte desses postos por parte de facções como PCC, Comando Vermelho e Família do Norte. Milícias também atuariam no setor.

São Paulo e Goiás são os estados com maior penetração de organizações criminosas na venda de combustíveis, aponta o levantamento. Os estados são governados, respectivamente, por Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Ronaldo Caiado (União Brasil) -cotados para disputar a Presidência da República, ambos adotam com o bandeira política o combate linha dura à criminalidade.

Em São Paulo, foram identificados 290 postos sob suspeita, seguido por Goiás, com 163. Na sequência, aparecem Rio de Janeiro (146), Bahia (103) e Rio Grande do Norte (88).

Em alguns casos, segundo os investigadores, redes atuam com ampla ramificação, em diferentes regiões do país.

O mapa, produzido a partir de informações do setor, está no Núcleo Estratégico de Combate ao Crime Organizado, coordenado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. O grupo conta com representantes da Polícia Federal, Receita Federal, Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e Ministério de Minas e Energia.

O ministro Ricardo Lewandowski relatou, em fevereiro, preocupação com essa infiltração. Ele anunciou que pediu à Polícia Federal a abertura de um inquérito para apurar a atuação criminosa no setor.

‘Temos vários inquéritos [na PF], mas são setoriais, focados em investigar problemas localizados [postos de combustíveis]. O que queremos é realizar um inquérito mais amplo e abrangente’, disse na ocasião, quando chegou a mencionar que haveria 1.000 estabelecimentos sob o comando do crime.

O mapeamento dos postos suspeitos, que chegou a 941 endereços, foi construído a partir de investigações de lavagem de dinheiro, sobre sócios com antecedentes criminais e envolvimento em operações policiais, como roubo de cargas e uso de laranjas.

Autoridades federais e estaduais ouvidas pela Folha afirmam que organizações criminosas aproveitam-se de brechas na cadeia produtiva não apenas para lavar dinheiro, mas também para ampliar lucros por meio de fraudes fiscais e adulterações dos produtos.

Assim, a presença do crime organizado extrapola as atividades de venda de combustível ao consumidor final e já alcança parte da cadeia produtiva, segundo as investigações.

A Secretaria de Segurança de São Paulo disse, em nota, que intensificou ações contra o crime organizado e monitora o setor. Goiás, Bahia, Rio de Janeiro e o Ministério da Justiça não responderam.

Já o Rio Grande do Norte afirmou não ter investigações em andamento.

Segundo o promotor Fábio Bechara, do Ministério Público de São Paulo, a presença do crime organizado no setor remonta ao final dos anos 1990, mas se intensificou nos últimos anos.

‘Inicialmente, os postos eram atrativos pela intensa circulação de dinheiro em espécie, o que facilitava a conversão de recursos ilícitos em valores aparentemente lícitos. Com o tempo, essa prática evoluiu’, diz o promotor, que é integrante do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado).

‘Diversas investigações conduzidas por nossos colegas passaram a focar no setor, incluindo distribuidoras e os próprios postos. Trata-se de um segmento naturalmente atraente por seu elevado volume de transações financeiras.’

Falhas no modelo de fiscalização e a complexidade de normas fiscais, diz ele, criam um cenário de conflito normativo que é explorado de forma ilícita.

Nem todos os postos sob suspeita têm ligação direta com facções, mas há indícios de que o PCC lidere a atuação nesse mercado.

A Polícia Federal realizou, em 2020, a Operação Rei do Crime, que mirou ‘sofisticado esquema’ de lavagem de dinheiro do PCC por meio de empresas ligadas ao setor de combustíveis em São Paulo, Paraná e Santa Catarina.

Foi identificada uma rede de combustíveis -incluindo uma distribuidora- que seria usada pelo PCC para lavagem de dinheiro. O esquema envolveria empresas sólidas e de fachada, e movimentou cerca de R$ 30 bilhões em quatro anos.

Na última terça-feira (15), PF e Ministério Público de São Paulo deflagraram a segunda fase da Operação Boyle, contra um grupo supostamente ligado à facção que adulterava combustíveis. No mesmo dia, a Polícia Civil do Rio interditou dois postos suspeitos de envolvimento com o PCC, em Cascadura e São Gonçalo.

Empresários do setor têm pressionado as autoridades a adotar medidas efetivas. O ICL (Instituto Combustível Legal) tem dialogado com autoridades do alto escalão e defendido mudanças de legislação.

Dois projetos em tramitação no Congresso -que tratam sobre o endurecimento contra a sonegação de impostos- são considerados estratégicos pelo instituto.

‘As organizações sonegam tributos e, com isso, conseguem praticar preços muito abaixo dos valores de mercado. Isso desequilibra completamente a concorrência. Uma rede que atua dentro da legalidade opera com margens de lucro reduzidas e não tem como competir’, afirmou o presidente do ICL, Emerson Kapaz.

O setor de combustíveis representou 13,1% do PIB industrial em 2021 e gerou R$ 90 bilhões em arrecadação.

Estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que o crime organizado lucra mais com combustível do que com cocaína.

A receita gerada pelo crime na área de combustíveis e lubrificantes equivale a R$ 61,5 bilhões, segundo o estudo. O lucro com cocaína é estimado em R$ 15 bilhões.

‘Estamos diante de uma atuação cada vez mais ampla e estruturada do crime organizado’, afirmou Nivio Nascimento, assessor internacional do Fórum.

Estima-se que fraudes e sonegação nesse segmento causem perdas fiscais anuais de até R$ 23 bilhões, segundo o mesmo trabalho.

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