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Valor Econômico

No momento em que os Estados Unidos, sob Donald Trump, abandonam iniciativas de proteção ambiental e podem ampliar a produção e exploração de petróleo, o Brasil tenta se posicionar como alternativa para investimentos em energias renováveis, mas sem abandonar os hidrocarbonetos. A principal aposta brasileira na área de petróleo continua a ser a exploração da Foz do Amazonas, na Margem Equatorial, pela Petrobras, tema sensível que opõe as alas ambiental e de energia no governo Luiz Inácio Lula da Silva desde 2023.

Depois de idas e vindas no ano passado, com dezenas de trocas de documentos e solicitações entre a estatal e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), 2025 começa sem uma definição sobre o tema. A Petrobras ainda tenta reverter a negativa do Ibama ao pedido de licença ambiental para começar as atividades exploratórias na Foz do Amazonas.

O começo deste ano tem sido marcado pelo enfraquecimento da agenda climática global. Em sinal de apoio aos planos de Trump, instituições do setor financeiro como Citigroup, Bank of America, Wells Fargo, Goldman Sachs, Morgan Stanley e BlackRock anunciaram a saída de alianças climáticas comprometidas com o Acordo de Paris e a descarbonização, como mostrou o Valor na semana passada. Ao tomar posse, Trump confirmou as promessas de campanha e anunciou a saída do Acordo de Paris, além de implementar decretos que enfraquecem regras ambientais sobre a atividade petrolífera.

Enquanto o mundo se realoca na nova dinâmica com Trump, o Brasil busca o equilíbrio entre energia fóssil e a proteção ambiental, no ano em que é anfitrião da Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP30), em Belém (PA), em novembro.

Desde a primeira negativa, em maio de 2023, o Ibama continuou declinando dos pedidos da petroleira para a Foz do Amazonas. Ainda que a Petrobras tenha iniciado os trabalhos na bacia Potiguar, também parte da Margem, e avançado na descoberta de gás na Colômbia, considerada Margem Equatorial colombiana, as discussões sobre a Foz não avançaram.

A Amazônia também precisa pegar a ponte para o desenvolvimento”

— André Cutrim

Fontes afirmam que o governo Lula cria uma agenda conflituosa ao tentar aprovar a exploração de petróleo e gás natural na região amazônica no mesmo ano que sedia a COP30. A proximidade geográfica da região da atividade petroleira, a 175 quilômetros da costa do Amapá, é um dos fatores que pesam na avaliação.

Depois de mais uma negativa do Ibama em outubro de 2024, a Petrobras enviou uma nova resposta ao órgão ambiental em novembro, com detalhes do plano de proteção à fauna para atender eventuais acidentes com animais da região. Segundo a companhia, o plano de proteção à fauna é robusto e sem precedentes no histórico do licenciamento brasileiro. No documento ao Ibama, a Petrobras pede autorização para realizar uma avaliação pré-operacional (APO).

A APO é um teste em que a empresa realiza simulação de vazamento de óleo na região e demonstra a capacidade de resolução do problema, com equipes e embarcações. A avaliação é a última etapa para obter a licença ambiental.

Depois do documento da Petrobras de novembro, consta no sistema do Ibama um ofício do presidente do órgão ambiental, Rodrigo Agostinho, de dezembro, em que solicita análise técnica sobre os pedidos da companhia.

A atualização mais recente do processo é de 21 de janeiro, quando a Petrobras diz que obteve licenças da Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Amapá para implementar a unidade de proteção aos animais em Oiapoque (AP). As obras estão em andamento desde dezembro, segundo a Petrobras no documento.

Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, disse diversas vezes que o processo é técnico. “A área técnica tem seu tempo para fazer a análise”, afirmou, em setembro.

Para Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, a busca por ampliar a produção de petróleo contraria a transição energética. “O Brasil tem a oportunidade de se apresentar como o país do futuro, um líder climático mundial. Erra ao apostar no petróleo, isso é escolher o passado”, diz a especialista. Ela reforça a importância do debate neste cenário sensível para a relevância das negociações internacionais sobre o clima. “O Brasil deveria liderar pelo exemplo e assegurar a coerência nas ações internas na área de energia, tomando uma opção clara pela descarbonização.”

Araújo diz que a Foz do Amazonas é uma área importante do ponto de vista ecológico pelas correntes marítimas, que, na visão dela, devem dificultar a operação no local. “Os técnicos do Ibama têm apontado problemas sérios no processo de licenciamento do poço 59 [FZA-M-59, no Amapá]”, afirma. “Não deveria haver licença ambiental no grito, por imposição política”, defende.

Na quinta-feira (23), a diretora de exploração e produção da Petrobras, Sylvia Anjos, disse que espera que a licença seja aprovada até o fim do primeiro trimestre.

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse, em 12 de janeiro, que acredita que a licença seja aprovada em 2025. “Não tem motivo para atrasar o início do processo de pesquisa [por petróleo] na Margem Equatorial para atender à visão de que isso [a atividade petrolífera na região] traria danos à COP.”

O presidente da COP30, André Corrêa do Lago, disse ao jornal “O Globo” na quinta (23) que o ideal é chegar à conferência com o tema da Foz do Amazonas encaminhado. “Acho que não seria bom ter esse debate no meio da COP.”

Procurada, a Petrobras diz que apresentou uma proposta robusta ao Ibama e que conta sempre com o mais alto compromisso técnico dos times envolvidos no projeto de perfuração do poço FZA-M-59 no Amapá Águas Profundas.

André Cutrim, do núcleo de meio ambiente da Universidade Federal do Pará (UFPA), diz que a dificuldade em se avançar no tema é por haver desafios técnicos, políticos, ambientais e sociais. “A região possui riqueza potencial de petróleo e gás que pode impulsionar a economia local. Por outro lado, há uma série de preocupações ambientais e tensões políticas ligadas ao licenciamento ambiental.”

Na visão do especialista, é necessário que haja uma convergência entre obrigações do Ibama e interesses estratégicos do governo. “As agências reguladoras como o Ibama devem avaliar estudos de impacto ambiental das empresas interessadas para assegurar que normas e padrões sejam cumpridos. Mas o governo federal também precisa de uma estratégia definitiva para conciliar o potencial econômico com os compromissos climáticos que virão com a COP30.”

Cutrim afirma que é possível haver atividade petrolífera na região da Foz do Amazonas sem que degrade o ambiente. “Entendo que a exploração de petróleo e gás não precisa ser um jogo de soma zero entre progresso econômico e preservação ambiental. A realidade da Amazônia também precisa pegar a ponte para o desenvolvimento. Se houver medidas rigorosas de protocolo de emergências junto com um aparato jurídico que seja rigoroso, será possível avançar com o projeto de forma segura.”

Dos US$ 7,9 bilhões previstos em investimentos em exploração de petróleo e gás pela Petrobras entre 2025-2029, US$ 3 bilhões serão destinados à Margem Equatorial, que inclui outras bacias.

A companhia tem atividades na Bacia Potiguar, parte da Margem, e na Colômbia, que também é considerada Margem Equatorial. Em 5 de dezembro de 2024, a Petrobras informou a descoberta de um grande volume de gás em um dos campos em que atua com a estatal Ecopetrol, na Colômbia. Segundo a empresa brasileira, os volumes podem aumentar as reservas colombianas de gás em 200%. O produto será para consumo interno em um primeiro momento, conforme a estatal.

Em 2023, a Petrobras levou um navio sonda para a região da Foz com a expectativa de que faria a APO em pouco tempo. Depois da negativa do Ibama, a companhia retirou a embarcação da região e a deslocou para outras atividades nas bacias do Sudeste. Conforme Sylvia Anjos disse ao jornal “O Globo” em dezembro, essa sonda custava US$ 1 milhão por dia. Uma vez que obtenha a licença ambiental, a sonda precisa passar por limpeza do casco, que leva cerca de dois meses, antes de ser levada para a Foz.

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