Dívidas contratadas em período de crescimento começam a pesar com a elevação dos juros; investidores esperam mais vendas de ativos
Globo Rural Online
A Raízen já perdeu R$ 18,7 bilhões em valor de mercado em um ano, ou 47,98%, em meio à elevação dos juros num momento em que a companhia vinha de um forte ciclo de expansão. Apesar dos esforços de redução da alavancagem, com a venda de ativos, a quebra da atual safra de cana deteriorou o sentimento dos investidores, que levaram as ações da empresa a uma queda de 5,39% ontem na B3, para R$ 1,93, segundo o Valor Data.
Leia também
A empresa informou na noite de sexta-feira (17) que a moagem no acumulado da safra 2024/25 (abril até dezembro) somou 77,5 milhões de toneladas, 6% abaixo da estimativa mais pessimista da companhia para a temporada, que era de 82 milhões de toneladas. A queda foi atribuída à forte estiagem e aos incêndios, que prejudicaram a produtividade. Até outubro, o fogo atingira 7% da cana que seria moída pela Raízen nesta safra e afetou a produtividade e a capacidade de cristalização de açúcar.
Procurada ontem para comentar a perda de valor de mercado, a Raízen não se pronunciou.
Menor moagem significa menos produtos disponíveis, em um momento em que a geração de caixa é fundamental para fazer frente aos juros elevados.
No fim do segundo trimestre da safra atual (2024/25), em setembro, a companhia tinha uma dívida líquida de R$ 35,9 bilhões, um valor 2,6 vezes maior que o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) ajustado em 12 meses. Ainda que essa alavancagem seja considerada saudável’ para o setor, por estar abaixo de 3, outros aspectos são vistos pelo mercado como um ônus sobre a companhia.
Como as empresas de cana-de-açúcar têm um elevado investimento em renovação de canaviais, necessário para manter a operação, muitos investidores preferem prestar mais atenção à geração de caixa, descontando do Ebitda as despesas de capital (Capex) recorrentes, observa Guilherme Palhares, analista do Santander.
Há ainda investidores que interpretam como dívida os contratos de recebíveis de etanol celulósico feitos pela empresa para financiar a construção das novas plantas desse etanol de segunda geração (E2G). No ano passado, a Raízen acertou com sua acionista Shell recebíveis no valor 4,3 bilhões antecipando vendas de E2G. Tem gente que vê para o final da safra desde uma alavancagem de mais ou menos 3 vezes, até chegando em 4,6 vezes, diz Palhares.
A maior alavancagem em um ciclo de investimentos já era esperada, mas o que a empresa não contava era com a forte alta dos juros. Por existir projeto de E2G e outros [na Raízen], que são de longo prazo, a projeção do fluxo de caixa ficou para mais longe. Isso, em um ambiente de juro alto, reduz o valor da companhia, porque quanto mais distante está a geração de caixa, mais a empresa é penalizada, diz o analista do Santander.
A Raízen vem tentando gerar liquidez imediata desde o ano passado com a venda de ativos. Ainda assim, o BTG Pactual avaliou ontem em relatório que a Raízen precisa voltar ao básico e rever sua alocação de capital. Para os analistas que assinam o relatório, o sentimento do mercado só deve melhorar quando os investidores vislumbrarem a tão necessária desalavancagem do balanço, a rotação de ativos do portfólio e os impactos das mudanças internas.
Até agora, a companhia já vendeu suas unidades de energia solar, reduziu a participação no negócio de distribuição no Paraguai, paralisou a planta de E2G em Piracicaba (SP) e a usina MB, localizada em Morro Agudo (SP), pertencente ao cluster de Ribeirão Preto. Também vendeu 900 mil toneladas de cana à Usina Alta Mogiana.
O negócio foi concluído na sexta-feira (17), quando a usina dos Junqueira Figueiredo pagou à vista R$ 384 milhões, após ajustes.
A venda dos canaviais, anunciada em novembro, só foi concluída na semana passada após a transferência dos contratos de fornecimento de cana.
O valor da venda do canavial foi equivalente a um múltiplo de US$ 75 por tonelada de cana, bem acima do visto em transações recentes no setor envolvendo tanto ativo biológico como unidades industriais. Na compra da usina Salto Botelho pela Zilor em dezembro, o múltiplo ficou abaixo de US$ 60 por tonelada de cana.
Segundo Luiz Gustavo Junqueira Figueiredo, acionista da Usina Alta Mogiana, a diferença se justifica pelo fato de a cana estar no valorizado polo de Ribeirão Preto, com melhores condições climáticas e bem localizado.
Com a venda, a Raízen diminui seu raio de fornecimento de cana nas usinas Santa Elisa e Vale do Rosário o que reduz o custo de produção das duas unidades e redireciona a cana que estava abastecendo uma usina sem cogeração de energia (Usina MB) para unidades com esse potencial.
Para Figueiredo, a operação quebra um paradigma de ausência de negociações de cana na região e pode servir de exemplo para futuras transações do setor na região de Ribeirão Preto. Para a Usina Alta Mogiana, a compra eleva a produção já na safra 2025/26. No ciclo atual, a empresa moeu 7 milhões de toneladas de cana.